Para Banco Central, Cruzeiro do Sul era ‘lavanderia’
Dois anos antes de decretar intervenção no Cruzeiro do Sul, o Banco Central informou à Justiça que a instituição havia se tornado “grande ‘lavanderia’ de dinheiro das mais diversas origens e de forma premeditada”.
À Justiça o BC defendeu punição ao Cruzeiro do Sul por ter deixado de informar movimentação atípica de dinheiro ao Coaf, órgão de inteligência da Fazenda. A defesa do BC é assinada pela procuradoria do órgão.
O Cruzeiro do Sul alega que seguiu a política do “conheça seus clientes” e que não tinha por que desconfiar deles.
Para o BC, o banco foi “complacente com operações que podem estar relacionadas a atividades criminosas”.
As movimentações atípicas se deram por meio do Clube Alta Liquidez, fundo de investimento criado em 2001 -o Cruzeiro do Sul mantinha suas quatro contas.
O banco tenta anular na Justiça uma multa de R$ 200 mil aplicada na esfera administrativa pelo BC.
O valor é o teto a ser aplicado em casos como esse, considerado infração grave no mercado financeiro.
Atualmente, o processo está no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª região.
Foi em uma fiscalização de rotina que o BC descobriu que cotistas do Clube Alta Liquidez não tinham condições financeiras para fazer as aplicações registradas.
Segundo documentos aos quais a Folha teve acesso, entre os fundadores do fundo estavam um ajudante de serviços gerais, que ganhava salário mínimo à época, e um empregado que recebia R$ 800 na ocasião.
BRANQUEAMENTO
Para o Banco Central, o fundo foi constituído “com o objetivo claro de acobertar movimentação financeira de interesse de terceiros, visando lavagem/branqueamento de dinheiro”.
Isso porque a maior parte do dinheiro aplicado no clube não era investida no mercado financeiro. Os recursos eram transferidos para contas de pessoas físicas e a quatro agências de viagens.
Em apenas um mês (agosto de 2001), foram depositados R$ 26,6 milhões no fundo de investimento investigado. Desse total, somente R$ 1,7 milhão foi aplicado de fato no mercado financeiro.
Com base nas apurações, o BC definiu uma punição ao controlador do Cruzeiro do Sul ao considerar que ele tinha conhecimento das irregularidades e que cometeu uma infração grave ao não informá-las.
Em trecho do documento, apontou “flagrante centralização de todos os negócios nas mãos dos diretores-executivos Luís Octávio e Luís Felippe Índio da Costa”.
De acordo com a fiscalização do BC, foi constatada ausência de procedimentos formais para prevenir lavagem de dinheiro.
Punição foi revogada por Guido Mantega
O ministro Guido Mantega revogou pena aplicada pelo Banco Central a Luís Felippe Índio da Costa, administrador do Cruzeiro do Sul, que ficaria impedido de atuar no setor financeiro por dois anos.
O BC aplicou a inabilitação, em instância administrativa, ao considerar que o empresário cometeu “infração grave” ao não informar ao Coaf (órgão de inteligência financeira do Tesouro) movimentação atípica com indícios de lavagem de dinheiro pelo Clube Alta Liquidez.
A decisão do ministro, de março de 2010, baseou-se em parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Mantega assinou a revogação da inabilitação, mas manteve multa de R$ 200 mil para o Cruzeiro do Sul e de R$ 20 mil para o banqueiro.
A Procuradoria da Fazenda considerou que o BC não apresentou argumentos que justificassem uma “infração grave” do gestor do banco. Para o Coaf, faltou fundamentação adequada do BC.
A decisão do ministro encerrou processo administrativo. O banco Cruzeiro do Sul recorreu. Na Justiça, o BC defendeu de novo a inabilitação. O processo, aberto em 2010, ainda não foi concluído.
Banco ligou fundo a rede de supermercados
O Banco Cruzeiro do Sul informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não vai se manifestar sobre o Clube Alta Liquidez de Investimento porque se encontra em processo de intervenção.
No processo administrativo e para a Justiça, o banco alegou que o principal cliente do fundo era a rede de supermercados Casas da Banha e que não havia razões para desconfiar das movimentações financeiras do clube.
As aplicações, segundo o banco, estariam coerentes com o faturamento da rede.
A empresa, entretanto, havia falido um ano e meio antes da constituição do próprio fundo, o que levou o Banco Central a considerar a tese da defesa “fantasiosa”.
O Cruzeiro do Sul alegou, ainda, que repassar informações do clube ao Coaf e ao BC seria quebrar o sigilo bancário dos correntistas.
Procurado, o Banco Central também disse que não comentaria o assunto.
O Ministério da Fazenda afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que seguiu as justificativas do Coaf e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para sua decisão de não inabilitar o administrador do banco.
Fonte: Andreza Matais, Folha de S.Paulo