Por que a união de Casas Bahia e Pão de Açúcar para criar a Viavarejo gera tanto conflito entre os sócios
A julgar pelo entusiasmo que geram, seria de esperar que grandes fusões tivessem o hábito de dar certo. O esforço costuma ser tremendo: empresários e suas dezenas de assessores dedicam meses ao assunto até que, enfim, conseguem chegar a um acordo e assinar o contrato que deveria mudar a vida de todos para melhor.
Pena que são raros os casos em que as noites maldormidas dão o retorno esperado. Juntar duas grandes empresas é complexo e doloroso, e todo tipo de problema pode surgir entre a teoria que tanto empolgava e a áspera prática. Às vezes leva tempo para perceber: a união de Travelers e Citicorp, que criou o Citigroup, demorou uma década para desandar. Mas há também fusões que começam a dar errado imediatamente.
É o caso da Viavarejo, o gigante do comércio de eletroeletrônicos brasileiro, resultado da junção de Pão de Açúcar (então dono das lojas do Ponto Frio) com Casas Bahia (fundada pela família Klein) em 2009.
A relação entre os sócios é péssima desde os primeiros dias: meses depois de assinado o contrato, os Klein se arrependeram e exigiram uma renegociação. Conseguiram. Mas não bastou para que a relação melhorasse: passados mais dois anos, os Klein e o Pão de Açúcar estão, de novo, em guerra. Azar da Viavarejo.
Em outubro, a família Klein enviou uma carta ao Pão de Açúcar pedindo uma indenização em razão de supostos equívocos no cálculo do valor das empresas na época da fusão. Com base no documento preliminar de uma análise da auditoria KPMG, afirmam ter encontrado indícios de que os números do Ponto Frio tenham sido inflados dois anos atrás.
Segundo os advogados da família, a diferença poderia dar aos Klein o controle da Viavarejo (os antigos donos da Casas Bahia têm 47% da companhia, e o Pão de Açúcar, 53%). Na carta, deram um prazo de 30 dias para resolver o problema de forma amigável; caso contrário, levariam o caso para uma câmara de arbitragem. O Pão de Açúcar respondeu que considera a fusão irretratável e nega que a KPMG tenha encontrado problemas no balanço do Ponto Frio.
Até o fechamento desta edição, nenhuma reunião entre as partes havia acontecido. O quiproquó acontece semanas antes de uma data crucial na história da empresa. No dia 9 de novembro, quando expira o acordo de acionistas assinado três anos atrás, os Klein perderão o direito de indicar o presidente da Viavarejo. Raphael Klein, atual presidente, deixará o cargo. E o Pão de Açúcar, acionista majoritário da Viavarejo, assumirá de fato a gestão da companhia.
A briga atual começou no dia 11 de abril numa reunião do conselho de administração da Viavarejo. Representando os controladores, Enéas Pestana, presidente do Pão de Açúcar, pediu uma revisão dos números da Viavarejo. O objetivo declarado foi saber o que aconteceu entre julho de 2010, quando os dois lados assinaram um novo acordo de fusão, e novembro do mesmo ano, quando finalmente ocorreu a troca de ações.
No período, a companhia ficou sob gestão da família Klein, sem a supervisão do Pão de Açúcar. Segundo membros do conselho, Pestana queria saber os motivos que levaram a Casas Bahia a um prejuízo de 300 milhões de reais nesse período. Os representantes do Pão de Açúcar chegaram à reunião com o pedido de auditoria nas contas pronto, com a assinatura de seus cinco representantes, algo que fugia à regra das habituais discussões na reunião.
No mês seguinte, como resposta, os Klein propuseram que o trabalho de auditoria fosse ampliado aos números do Ponto Frio. E é nessa análise que dizem ter sido encontrados os erros que podem, em sua visão, entregar-lhes o controle da empresa.
Revisão nos contratos
O Pão de Açúcar está insatisfeito, e não é de hoje, com os rumos tomados pela Viavarejo sob a gestão de Raphael Klein e seu pai, Michael, presidente do conselho de administração. Apesar de ter vendido o controle para o Pão de Açúcar, a família Klein se manteve no comando da operação graças a um acordo de acionistas.
Desde então, as queixas vêm se acumulando. Uma das fontes de insatisfação é a percepção de que os Klein, apesar de terem vendido o controle e de administrarem hoje uma empresa de capital aberto, tratam a Viavarejo como se fosse da família. No passado, eles eram donos das empresas que prestavam serviços para a Casas Bahia — como limpeza, segurança, call center e transportes.
Após a associação com o Pão de Açúcar, tudo permaneceu como estava, para ira dos controladores, que suspeitam que os contratos sejam lesivos à Viavarejo.
Também causou polêmica o fato de os Klein comprarem imóveis que depois seriam alugados pela Viavarejo (os Klein alegam que seus sócios fazem a mesma coisa). Recentemente, o Pão de Açúcar passou a reclamar também da fábrica de móveis Bartira, controlada pelos Klein.
A Bartira produz exclusivamente para a Viavarejo. O contrato segue um modelo conhecido como cost plus — ou seja, a Viavarejo paga o custo de produção mais uma margem de lucro. Como o custo da empresa é bancado pela Viavarejo, é do interesse do Pão de Açúcar que a Bartira seja tão enxuta quanto possível. Recentemente, veio à tona o fato de Michael Klein ganhar da Bartira um salário considerado alto por seus sócios.
A assessoria de Klein afirma que a remuneração anual é 2,5 milhões de reais. Executivos ligados ao Pão de Açúcar alegam, sob condição de anonimato, que o valor é pelo menos duas vezes maior. Em abril, Enéas Pestana pediu uma revisão formal nos contratos da Viavarejo com as empresas da família Klein.
Mas, se o Pão de Açúcar está insatisfeito com os Klein, a recíproca é verdadeira. Como já ficou claro desde a renegociação da associação, em 2010, a família se sente desconfortável com o contrato que assinou e com a postura de seus sócios. Um de seus argumentos é que a Viavarejo não deve ser tratada como mero departamento do Pão de Açúcar, um “Assaí Eletro”, nas palavras de um assessor da família (uma referência à rede de lojas de atacado Assaí, comprada pelo Pão de Açúcar em 2007).
A junção das empresas acabou deixando os dois lados em posições muitas vezes conflitantes. O exemplo mais claro é o do Hipermercado Extra, do Pão de Açúcar, que também vende geladeiras e TVs, mas não tem nenhuma participação da família Klein em seu capital. Para os Klein, abrir os números ou sua estratégia comercial para o sócio é entregar o ouro ao bandido.
No varejo online, ocorre algo semelhante. Apesar de a Nova Pontocom ser uma subsidiária da Viavarejo para a venda online, a fatia dos Klein no seu capital é menor. Entre vender uma geladeira num shopping e vendê-la na internet, o incentivo dos Klein é pela primeira opção.
Diante de tudo isso, eles decidiram tratar os sócios como concorrentes. Em dezembro, Raphael Klein deixou de apresentar os dados de vendas da Viavarejo na reunião plenária de segunda-feira, tradicional encontro de Abilio Diniz com os diretores para analisar os resultados do Grupo Pão de Açúcar.
A alegação era que as informações da companhia não poderiam ser mostradas em nenhum lugar que não fosse seu próprio conselho de administração. Em março, ele voltou a falar sobre a empresa na reunião, mas sem abrir números, como vendas por loja ou região. Ele se limita a dizer se o desempenho é “bom” ou “ruim”. “Um desconfia do outro”, diz um conselheiro da Viavarejo. “A relação entre os dois lados é péssima.”
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