Toyota pondera pressão por lucro e lealdade ao Japão
Carros com a pintura fresca, resplandecentes em suas cores pretas e prateadas, deslizam silenciosamente em esteiras com baixo consumo de eletricidade, em vez do sistema barulhento movimentado por correias usado anteriormente na linha de montagem final da fábrica mais nova da Toyota Motor Corp.
“Estamos trabalhando como loucos aqui para maximizar nosso potencial”, disse Toru Kuzuhara, diretor da fábrica, durante uma visita rara às instalações, inauguradas há 11 meses em Miyagi, a primeira nova fábrica da montadora no Japão em 18 anos.
Diante do excesso de capacidade, da fraca demanda e de uma cotação do iene que torna os carros e picapes japoneses mais caros para o resto do mundo, a Honda Motor Co. e a Nissan Motor Co. estão transferindo mais capacidade industrial para o exterior, para fábricas perto dos clientes internacionais.
Mas o presidente e neto do fundador da Toyota, Akio Toyoda, há muito tempo fala da responsabilidade social da empresa de proteger empregos japoneses, juntamente com um compromisso antigo de produzir anualmente pelo menos 3 milhões de carros por ano no Japão, metade para exportação.
Os executivos da montadora reconhecem agora que seu compromisso com a produção doméstica está sendo testado pela alta do iene e pelas vendas fracas nos Estados Unidos, ainda o maior mercado da empresa.
Até Toyoda parece estar dividido entre o lucro e a fidelidade ao Japão. Numa entrevista exclusiva ao The Wall Street Journal, Toyoda indicou que prefere transferir mais produção de carros compactos para fora do Japão, para se manter competitivo se o iene continuar na alta recorde atual em relação ao dólar ou se valorizar ainda mais.
“Não faz sentido [exportar carros compactos] à cotação atual do iene, então por isso estamos adotando várias medidas, como transferir [a produção] para o exterior, usar fornecedores diferentes e aumentar as compras locais”, disse ele antes da abertura do Salão do Automóvel de Tóquio esta semana.
O iene forte prejudica os exportadores japoneses porque corrói o valor dos lucros obtidos em dólar e torna as exportações mais caras. A valorização veloz da moeda japonesa tem sido especialmente prejudicial para a Toyota, que fabrica quase metade dos carros que vende no mundo em fábricas no país; a Honda e a Nissan produzem cerca de um terço de seu total no Japão.
Um executivo de uma fabricante de autopeças que integra a rede de fornecedores afiliados da Toyota disse que a montadora começou a estudar a transferência da produção de alguns carros montados em Miyagi para uma fábrica da empresa no Estado de Baja California, no México.
O executivo, que pediu anonimato, disse que isso deve demorar pelo menos dois anos. Um porta-voz da Toyota negou tais planos.
Por enquanto, o discurso oficial da empresa é que a Toyota não sai do lugar. Abandonar o Japão seria como “colocar nosso pescoço na forca”, disse Atsushi Niimi, vice-presidente executivo de manufatura da Toyota e um dos confidentes mais próximos de Toyoda.
Niimi e outros executivos de alto escalão defenderam em várias entrevistas aumentar a eficiência das linhas de montagem japonesas da Toyota, em vez de transferi-las. Eles consideram a habilidade japonesa na produção industrial, conhecida como “monozukuri”, uma arma infalível e pretendem usar integralmente a capacidade ociosa quando a demanda se recuperar.
Enquanto isso, dizem os executivos, a empresa vai redefinir suas economias de escala: ela vai encolher a produção sem aumentar os custos.
“Alta velocidade e alto volume podem não ser mais uma boa opção para nós”, disse Niimi, que é engenheiro aeronáutico. “Precisamos incrementar nossa produção com equipamentos mais simples, menores e compactos.”
É uma meta ousada. A montadora está perdendo US$ 5 bilhões por ano no mercado doméstico e a alta do iene tem corroído a lucratividade das exportações. É praticamente certo que ela terá de ceder até o fim do ano o posto de maior montadora do mundo que tirou da General Motors Corp. em 2008.
Ao manter as fábricas japonesas abertas apesar da demanda fraca, a Toyota enfrenta o mesmo tipo de problemas com excesso de capacidade de produção que já acossaram a GM. A Toyota também enfrentou nos últimos dois anos um recall de quase 10 milhões de veículos, bem como problemas causados pelo terremoto e tsunami de março.
A estratégia deixou transparecer alguns sinais de dissidência interna. Num rompimento inusitado com o decoro empresarial durante uma entrevista coletiva em maio, o diretor financeiro da Toyota, Satoshi Ozawa, criticou a dependência exagerada na produção doméstica e questionou se a empresa pode continuar lucrativa com o câmbio atual. Outros executivos da Toyota disseram depois que foi uma tática para pressionar o governo japonês a estabilizar a cotação do dólar.
Em novembro, Ozawa voltou a falar sobre cortes nas exportações, mas suavizou sua visão sugerindo aumentar as vendas domésticas para manter o nível de produção da empresa no país.
A Toyota está apostando que pode ultrapassar os obstáculos do mercado com produção de alta precisão, cortes de custos e colaboração com os fabricantes de autopeças para desenvolver novas tecnologias. “Tudo tem a ver com nossa expertise” na produção de veículos de alta qualidade, disse Niimi, conhecido na empresa como “kata-yabure”, ou a pessoa que quebra regras.
Os críticos dizem que a estratégia arriscada da Toyota surge ao mesmo tempo em que concorrentes com produtos mais novos e margens de lucro mais polpudas estão gradualmente tirando a participação da empresa no mercado mundial.
“A Toyota está às voltas com um mercado mais competitivo que nunca”, disse Aaron Bragman, analista sênior da IHS Automotive. “Eles estão na defensiva e correndo contra o tempo.”
Os analistas dizem que a empresa precisa fazer mais para se proteger dessas oscilações. “A expansão das compras locais de autopeças, a transferência de fábricas para o exterior, um corte no número de modelos domésticos e outras reformas genuínas na estrutura de resultados financeiros serão necessárias para melhorar os lucros no médio e longo prazo”, disse o analista Kohei Takahashi, do J.P. Morgan.
Com 4,7 trilhões de ienes de caixa no balanço, a Toyota está longe da insolvência. Suas operações internacionais são lucrativas e a empresa assumiu a liderança em tecnologia de motores híbridos de gasolina e eletricidade, cuja demanda pode aumentar com o preço do combustível em alta.
A partir dos anos 60, a Toyota rescreveu as regras do jogo na manufatura enxuta com técnicas inovadoras como o estoque “just-in-time”, ou reduzido ao máximo, e um controle de qualidade renomado. Projetados para criar o máximo de eficiência, os métodos conhecidos como Jeito Toyota são elogiados e imitados amplamente no Japão e no exterior.
Mas as fábricas japonesas têm se tornado um problema crescente. A Toyota enxerga sua nova fábrica em Miyagi como modelo para uma produção hipereficiente com baixo volume. É a menor das 17 linhas de montagem japonesas da Toyota, com menos de metade dos operários e da área total das outras.
Na fábrica, Corollas e Yaris incompletos ficam lado a lado, em vez de um atrás do outro, o que encolheu a linha de montagem em 35% e exige menos procedimentos dos funcionários. Em vez de pendurados em esteiras rolantes suspensas, os chassis ficam empoleirados agora em plataformas – o que custa a metade do preço e permite que o teto fique mais baixo, reduz indo em 40% o custo com ar-condicionado.
“Começamos a planejar a fábrica em Miyagi quando estávamos vendendo tantos carros quanto podíamos fabricar, com a demanda nas alturas”, disse Toyoda.
Mas quando as vendas começaram a encolher, em 2008, a Toyota se esforçou para tornar a fábrica viável. “Tivemos de mudar a maneira como os carros são montados, como isso”, disse Toyoda, apontando para os veículos enfileirados lado a lado na linha de montagem.
Kuzuhara, o diretor da fábrica, falou de economias no custo durante uma visita recente, enquanto navegava entre robôs e operários. Uma ideia a caminho: carrinhos movidos por motores elétricos baratos para os operários movimentarem peças pesadas – para evitar dores nas costas, economizar tempo e eliminar máquinas mais caras.
Os executivos da empresa dizem que os operários japoneses têm uma habilidade única para inovar e resolver problemas na linha de montagem. Niimi criou uma nova maneira de acelerar a instalação dos pneus nas rodas. Ele aparou as arestas do centro da roda, tornando-o cônico em vez de cilíndrico.
Mas só usar a inventividade pode não ser suficiente. Niimi disse que a Toyota não consegue lucrar exportando carros do Japão com a cotação do dólar a menos de 80 ienes. A Toyota calcula que a cada vez que o iene se valoriza um iene por dólar, ela perde 34 bilhões de ienes de seu lucro operacional anual.
Os executivos da Toyota dizem que parte da produção mais sofisticada pode ser transferida para o exterior no futuro, mas ainda não há planos concretos. “Precisamos estar cientes do esvaziamento da indústria japonesa e do impacto que isso pode ter”, disse Niimi.
Por outro lado, “vamos ser tremendamente competitivos quando o iene voltar a um nível mais equilibrado devido a nossa inovação em tecnologia de produção”, afirma Niimi.
O compromisso da Toyota de fabricar pelo menos 3 milhões de veículos por ano no Japão data de uma promessa feita em 1995 pelo seu presidente ná época, Hiroshi Okuda. Qualquer coisa a menos, disse ele, criaria um “esvaziamento” da base industrial da companhia. A promessa de Okuda foi mais fácil de ser cumprida nos anos seguintes, quando a Toyota vendia todos os carros que fazia.
Toyoda se tornou presidente em 2009 e abraçou a promessa de Okuda, mesmo enquanto concorrentes começaram a transferir mais manufatura para o exterior. O compromisso da Toyota coincidia com uma visão em voga na época, de que a empresa estava focada demais em metas de curto prazo.
Havia uma impressão de que os empregados, por exemplo, mereciam tanta atenção quanto os acionistas. Toyoda foi mais à frente, falando de uma ampla responsabilidade empresarial para proteger a economia japonesa. (Colaborou Yoshio Takahashi.)
Fonte: Chester Dawson | The Wall Street Journal, Valor Economico