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Doleira relata evasão em bancos suíços

“Eu estava precisando fazer um dólar-cabo aí.”

A frase, sem rodeios e precedida de uma breve apresentação, foi dita em 2 de agosto de 2007 à doleira Claudine Spiero durante um telefonema feito por um interlocutor residente nos Estados Unidos. Interceptada pela Polícia Federal (PF), que grampeou o celular de Claudine com autorização da Justiça, a ligação é suficiente para demonstrar o modus operandi de uma operação de câmbio ilegal, pela qual o suposto futuro cliente pretendia internalizar US$ 100 mil no Brasil sem passar pelos trâmites do fisco ou do Banco Central (BC).

Quase quatro anos depois de gravada, a conversa, que durou pouco menos de sete minutos, é uma das provas que baseou a condenação da doleira Claudine Spiero pelos crimes de evasão de divisas, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. A sentença, divulgada ontem pela Justiça Federal, é a primeira dada a uma das ações penais abertas a pedido do Ministério Público Federal contra um suposto esquema de câmbio ilegal que envolveu representações de bancos suíços no Brasil.

Entre 2007 e 2008, executivos, funcionários e colaboradores dos bancos Credit Suisse, UBS, Clariden Leu e AIG, que atuavam tanto nas representações das instituições no Brasil quanto no gerenciamento de contas bancárias mantidas por brasileiros na Suíça, se tornaram réus em processos por crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro, entre outros. Da mesma forma, alguns de seus clientes também passaram a responder a ações penais por evasão de divisas. Um terceiro grupo de processados em decorrência das operações da Polícia Federal (PF) de combate ao câmbio ilegal (ver quadro nesta página) é formado por doleiros – peças-chave no suposto esquema investigado, por serem eles que realizavam as transações.

Até agora, não há decisão de mérito em nenhum dos processos abertos contra executivos e funcionários dos escritórios dos bancos suíços no Brasil e seus clientes. Essas ações estão paradas desde 2009 por causa de questões processuais – como a concessão de habeas corpus a um dos réus garantindo que ele seja interrogado na Suíça, por exemplo. A única ação que não foi paralisada é a aberta contra a doleira Claudine Spiero e sua família – e que agora foi decidida na primeira instância.

Foi por intermédio de Claudine Spiero que a PF chegou ao nome dos demais doleiros supostamente envolvidos no esquema de câmbio ilegal. Foi também por intermédio dela que a PF chegou às demais representações de bancos estrangeiros no Brasil acusadas de envolvimento com o esquema – o UBS, o Clariden Leu e o AIG -, após as investigações sobre a atuação do escritório brasileiro do Credit Suisse terem trazido o caso à tona durante a Operação Suíça, realizada pela PF em 2006.

Ainda que a única decisão de mérito existente até agora envolva a figura do doleiro, teoricamente a parte mais suscetível de condenação, por estar mais exposta a investigações, a sentença contra Claudine Spiero pode ser de extrema importância para o desfecho dos demais processos criminais. Isso porque a doleira assumiu as acusações contra ela em um acordo de delação premiada fechado com o Ministério Público Federal (MPF) e homologado pela Justiça Federal.

Por meio do acordo, Claudine colaboraria com as investigações, delatando os demais envolvidos e fornecendo informações e documentos que auxiliem no esclarecimento de suas supostas participações, em troca de uma redução da pena ou de um perdão judicial.

A oferta de um acordo de delação premiada partiu da defesa de Claudine e dos demais integrantes de sua família que se tornaram réus no processo. Segundo a sentença que agora condenou a doleira, a proposta foi feita em 5 de março de 2008 e teve parecer favorável do MPF. A formalização do acordo ocorreu em 2 de abril de 2008 mediante a fixação de uma indenização pelos crimes de R$ 500 mil, em 12 parcelas mensais a serem destinadas a entidades beneficentes. A partir dessa data, Claudine e seus familiares passaram a prestar informações sobre operações de câmbio ilegal que realizaram.

De acordo com a sentença que condenou Claudine, os doleiros eram indicados pelas representações dos bancos suíços no Brasil aos clientes que os procuravam para remeter recursos para suas contas na Suíça, ou trazê-los dessas contas para cá, sem ter que declará-los ao fisco ou fazer as operações de câmbio seguindo as regras do BC. Esses doleiros – entre eles Claudine – tinham a função de fechar as operações de dólar-cabo. Na prática, significa que precisavam encontrar pessoas que quisessem enviar recursos para o Brasil em um montante similar ao de pessoas que pretendiam fazer o caminho inverso – ou seja, remeter valores ao exterior.

Operações de dólar-cabo são, na prática, compensações bancárias: doleiros fazem depósitos de dólares ou euros a clientes que têm contas no exterior em contrapartida ao pagamento de reais no Brasil. Como não há movimentação física do dinheiro, o sistema dá margem para que essas transações sejam feitas sem registro no BC ou declaração ao fisco, já que são de difícil rastreamento. Por isso acabam se prestando à lavagem de dinheiro obtido por meio de atividades ilícitas.

Por causa do acordo de delação, o processo contra Claudine Spiero e seus familiares foi desmembrado da ação principal originada da Operação Suíça, tramitando à parte e permitindo um desfecho mais célere. Embora a sentença, dada pelo juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Criminal Federal em São Paulo, tenha o condão de julgar apenas a doleira, seus dois filhos e seu ex-marido, acaba por trazer à tona diálogos, documentos e depoimentos que sugerem que a participação dos bancos suíços nas operações de câmbio ilegal foi ativa, como sustenta o Ministério Público nas denúncias oferecidas contra representantes de Credit Suisse, UBS, Clariden Leu e AIG.

Em uma das conversas de Claudine Spiero ao telefone interceptadas pela PF, a doleira diz a um interlocutor que está “numa área de private desde 1999 com os bancos suíços” e que “conseguiu um contrato com o UBS”. No mesmo diálogo afirma que está “no Credit Suisse e no Clariden”. De acordo com a sentença do juiz De Sanctis, nos depoimentos que integram o procedimento de delação premiada, a doleira confirmou que trabalhou como gerente independente para o banco Credit Suisse de 1999 a 2007, quando foi dispensada. Ainda segundo a sentença, a remuneração da doleira era feita de forma escalonada e depositada em uma conta no exterior e o contrato entre as duas partes previa o recolhimento do imposto VAT (imposto sobre valor agregado) na Suíça por meio de retenção pelo próprio banco.

Os bancos suíços investigados nas operações Suíça e Kaspar II da PF e citados por Claudine Spiero foram procurador pelo Valor na tarde de ontem, após a divulgação da sentença que condenou a doleira. Em resposta ao pedido de entrevista, o Credit Suisse, por meio de sua assessoria de imprensa, enviou uma nota à reportagem onde informa que “adota normas muito rigorosas, que estão em conformidade com a legislação brasileira.” A nota ainda diz que “os funcionários do Credit Suisse têm o dever de cumprir as disposições dessas normas e de todas as leis e a regulamentação em vigor, sempre aderindo aos mais altos padrões de profissionalismo” e que “esclarece ainda que Claudine Spiero nunca foi funcionária do banco”.

O UBS, também por meio de sua assessoria de imprensa, informou que não se manifestaria sobre a decisão. O Clariden Leu não possui mais representação no Brasil. A reportagem entrou em contato com o advogado Celso Vilardi, que defendeu o gerente do banco suíço Reto Buzzi, um dos acusados na ação penal decorrente da Operação Kaspar II. Segundo o criminalista, a defesa obteve um habeas corpus e a ação contra ele foi trancada por uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, não tendo sido objeto de recurso do Ministério Público. A AIG foi procurado por meio de uma de suas subsidiárias no Brasil, a Chartis, que atua na área de seguros. A reportagem, no entanto, foi informada que a empresa não responde pela AIG no país. O advogado criminalista José Carlos Dias, que defende a ex-representante da área financeira no país, Magda Portugal, uma das rés na ação penal decorrente da Operação Kaspar II, não foi encontrado pelo Valor.

Fonte: Cristine Prestes, Valor Economico

marcos

Professor, Embaixador e Comendador MSc. Marcos Assi, CCO, CRISC, ISFS – Sócio-Diretor da MASSI Consultoria e Treinamento Ltda – especializada em Governança Corporativa, Compliance, Gestão de Riscos, Controles Internos, Mapeamento de processos, Segurança da Informação e Auditoria Interna. Empresa especializada no atendimento de Cooperativas de Crédito e habilitado pelo SESCOOP no Brasil todo para consultoria e Treinamento. Mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela PUC-SP, Bacharel em Ciências Contábeis pela FMU, com Pós-Graduação em Auditoria Interna e Perícia pela FECAP, Certified Compliance Officer – CCO pelo GAFM, Certified in Risk and Information Systems Control – CRISC pelo ISACA e Information Security Foundation – ISFS pelo EXIN.