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Arquivos secretos expõem impacto mundial de paraísos fiscais

Os documentos secretos obtidos pelo International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ) revelam os nomes por trás de empresas sigilosas e fundos privados de investimento nas Ilhas Virgens Britânicas, ilhas Cook e outros refúgios offshore.

Entre eles há médicos e dentistas norte-americanos e aldeões gregos de classe média, bem como familiares e asseclas de déspotas que se mantiveram no poder por longos períodos, trapaceiros de Wall Street, bilionários da Europa Oriental e Indonésia, executivos de grandes empresas russas, negociantes internacionais de armas e uma empresa comandada por testas de ferro que a União Europeia identificou como associada ao programa de desenvolvimento nuclear do Irã.

Os arquivos obtidos oferecem fatos e números –transferências de dinheiro, datas de registro, conexões entre empresas e indivíduos– que ilustram de que maneira o sigilo financeiro offshore se espalhou agressivamente pelo planeta, permitindo que os ricos e bem relacionados escapem a impostos e alimentando a corrupção e as dificuldades econômicas tanto dos países ricos quanto dos pobres. Os documentos detalham os ativos offshore de pessoas e empresas de mais de 170 países e territórios.

O acervo de documentos representa o maior estoque de informações privilegiadas sobre o sistema offshore já obtido por uma organização de mídia. O tamanho total dos arquivos, medido em gigabytes, é mais de 160 vezes superior ao vazamento de documentos do Departamento de Estado norte-americano exposto pelo WikiLeaks em 2010.

Para analisar os documentos, o ICIJ colaborou com repórteres do “Guardian” e da BBC no Reino Unido; “Le Monde” na França; “Süddeutsche Zeitung” e Norddeutscher Rundfunk na Alemanha; “Washington Post”; Canadian Broadcasting Corporation; e 31 outros parceiros de mídia em todo o mundo.

Oitenta e seis jornalistas de 46 países utilizam sistemas de análise de dados de alta tecnologia e técnicas de reportagem tradicionais para vasculhar e-mails, contas e outros arquivos referentes a um período de mais de 30 anos.

“Jamais vi algo parecido. Esse mundo secreto foi enfim revelado”, disse Arthur Cockfield, professor de Direito e especialista tributário na Queen’s University, Canadá, que avaliou alguns dos documentos em entrevista à CBC. Ele disse que os documentos o faziam recordar a cena em “O Mágico de Oz” na qual “a cortina é aberta e vemos o mágico manipulando a máquina secreta”.

MAFIOSOS E OLIGARCAS

O vasto fluxo de capital offshore –legal e ilegal, pessoal e empresarial– pode causar crises nacionais e desentendimentos entre os países. A crise financeira continuada na Europa foi alimentada pelo desastre fiscal na Grécia, e este foi exacerbado pela sonegação fiscal offshore e pelo colapso dos bancos em Chipre, um minúsculo paraíso fiscal no qual os ativos bancários foram inflacionados por pesada entrada de dinheiro oriundo da Rússia.

Os ativistas que combatem a corrupção argumentam que o sigilo das operações offshore solapa a lei e ordem e força os cidadãos comuns a pagar impostos mais altos, de forma a compensar a receita perdida devido a transferências para paraísos tributários. A Iniciativa de Recuperação de Ativos Perdidos, programa do Banco Mundial e das Nações Unidas, estimou que os fluxos transnacionais de proventos de crimes financeiros totalizam de US$ 1 trilhão a US$ 1,6 trilhão ao ano.

A investigação de 15 meses do ICIJ constatou que, em companhia de transações perfeitamente legais, o sigilo e a fiscalização frouxa do mundo offshore permitem que fraudes, sonegação tributária e corrupção política prosperem.

Os usuários de transações offshore identificados incluem:

Indivíduos e empresas ligados ao caso Magnitsky, na Rússia, um escândalo de fraude tributária que prejudicou o relacionamento entre Rússia e Estados Unidos e resultou na proibição de adoção de órfãos russos por cidadãos norte-americanos.

Um negociante venezuelano acusado de utilizar entidades offshore a fim de bancar um esquema de pirâmide nos Estados Unidos e canalizar milhões de dólares em suborno a um funcionário do governo da Venezuela.

Um administrador de fundo de hedge nos Estados Unidos acusado de utilizar entidades offshore a fim de bancar um esquema de pirâmide internacional e canalizar milhões de dólares em suborno a um funcionário do governo da Venezuela.

Um magnata dos negócios que conquistou bilhões de dólares em contratos como resultado do boom da construção promovido pelo presidente Ilham Aliyev, do Azerbaijão, enquanto servia no conselho de empresas offshore sigilosas controladas pelas filhas do presidente.

Bilionários indonésios conectados ao ditador Suharto (morto em 2008), que enriqueceu boa parte da elite de seu país durante as décadas em que exerceu o poder.

Os documentos também oferecem pistas possivelmente novas sobre crimes e dinheiro desaparecido em deixar traços.

Depois de descobrir que o ICIJ havia descoberto a filha do antigo ditador filipino Ferdinand Marcos, Maria Imelda Marcos Manotoc, como beneficiária de um fundo nas Ilhas Virgens Britânicas (IVB), funcionários do governo filipino se declararam ansiosos para determinar se algum dos ativos do fundo era parte dos US$ 5 bilhões que o pai dela teria supostamente adquirido por meio de corrupção.

Manotoc, governadora de uma província nas Filipinas, se recusou a responder perguntas sobre o fundo.

RIQUEZAS E CONEXÕES POLÍTICAS

Os arquivos obtidos pelo ICIJ revelam as táticas em uso cotidiano pelas companhias de serviço offshore e seus clientes a fim de manter o sigilo quanto a empresas e fundos offshore, e seus proprietários.

Tony Merchant, advogado que é um dos maiores especialistas em processos judiciais coletivos do Canadá, tomou providências para manter a privacidade de um fundo nas ilhas Cook no qual havia depositado mais de US$ 1 milhão em 1998, mostram os documentos.

Em declaração às autoridades tributárias canadenses, Merchant declarou não ter ativos superiores a US$ 1 milhão no exterior em 1999, de acordo com documentos judiciais.

Entre 2002 e 2009, ele frequentemente pagava as taxas de manutenção do fundo enviando milhares de dólares em dinheiro e cheques de viagem, por meio de portadores, em lugar de utilizar transferências ou depósitos bancários, fáceis de identificar, de acordo com documentos da empresa de serviços offshore que cuidava do fundo para ele.

Uma nota no arquivo avisava os funcionários da empresa de que Merchant “teria um der[r]ame” se eles tentassem fazer contato com ele via fax.

Pesquisas da CBC não encontraram indicações de que sua mulher, Pana Merchant, senadora canadense, tenha declarado sua participação pessoal no fundo em suas declarações anuais de renda. Não está claro que ela tivesse a obrigação de fazê-lo.

Os Merchant se recusaram a atender a pedidos de esclarecimento.

Outros nomes conhecidos identificados nos dados offshore incluem a mulher de Igor Shuvalov, primeiro-ministro assistente da Rússia, e dois importantes executivos da Gazprom, a gigantesca estatal russa que é a maior extratora mundial de gás natural.

A mulher de Shuvalov e os dirigentes da Gazprom têm participação em empresas sediadas nas IVB, mostram os documentos. Os três se recusaram a comentar.

Os nomes espanhóis envolvidos incluem Carmen Thyssen Bornemisza, baronesa e patronesse das artes, identificada nos documentos como tendo utilizado uma companhia das ilhas Cook para comprar obras de arte em casas de leilões como a Sotheby’s e a Christie’s, entre as quais “Moinho em Gennep”, de Van Gogh. O advogado dela admitiu que ela recebe benefícios tributários por a posse de seus quadros estar registrada offshore, mas enfatizou que a baronesa usa os paraísos fiscais primordialmente porque lhe oferecem “o máximo de flexibilidade” para transmitir obras de arte de país a país.

Entre os cerca de quatro mil nomes norte-americanos revelados está o de Denise Rich, compositora premiada com o Grammy cujo ex-marido ocupou posição central em um escândalo envolvendo perdões presidenciais que irrompeu quando o presidente Bill Clinton deixou o posto.

Uma investigação do Congresso norte-americano constatou que Rich, que arrecadou milhões de dólares para as campanhas de políticos democratas, desempenhou papel central na campanha que persuadiu Clinton a perdoar seu ex-marido Marc Rich, um operador de petróleo que era procurado nos Estados Unidos por sonegação tributária e formação de quadrilha.

Documentos obtidos pelo ICIJ mostram que em abril de 2006 ela detinha US$ 144 milhões em um fundo nas ilhas Cook, uma cadeia de atóis de coral e formações vulcânicas no Pacífico, a cerca de 11 mil quilômetros de distância da residência de Rich em Manhattan. Entre os ativos controlados pelo fundo está o iate Lady Joy, no qual Rich costumava receber celebridades e arrecadar dinheiro para caridade.

Rich, que renunciou à cidadania dos Estados Unidos em 2011 e agora é cidadã austríaca, não respondeu a perguntas sobre seu fundo offshore.

Outro norte-americano proeminente que consta dos arquivos é membro da dinastia Mellon, criadora de companhias renomadas como a Gulf Oil e o Mellon Bank. James Mellon –autor de livros sobre Abraham Lincoln e sobre Thomas Mellon, o patriarca de sua família– usou quatro empresas nas IVB e em Lichtenstein a fim de operar títulos e transferir dezenas de milhões de dólares entre contas offshore controladas por ele.

Como outros usuários do sistema offshore, Mellon parece ter tomado medidas que o distanciam de seus ativos offshore, de acordo com os documentos. Ele muitas vezes usava nomes de terceiros como conselheiros e acionistas de suas empresas, em lugar do seu, um recurso jurídico que os proprietários de entidades offshore muitas vezes empregam a fim de preservar o anonimato.

Contatado na Itália, onde vive alguns meses por ano, Mellon disse ao ICIJ que de fato costumava ter “muitas” companhias offshore, mas que abriu mão de todas elas. Ele diz que as criou por “vantagens tributárias” e por motivos de responsabilidade judicial, a conselho de seus advogados. “Mas jamais violei as leis tributárias”, acrescenta.

Quanto ao uso de prepostos, Mellon diz que “é assim que essas empresas são estabelecidas”, e acrescentou que era útil para pessoas como ele, que viajam muito, entregar o comando de seus negócios a terceiros. “Ouvi falar recentemente de um candidato à presidência que tinha muito dinheiro nas ilhas Cayman”, disse Mellon, que assumiu a cidadania britânica, em alusão a Mitt Romney, candidato à presidência dos Estados Unidos em 2012. “Nem todo mundo que controla companhias offshore é picareta”.

CRESCIMENTO OFFSHORE

O anonimato do mundo offshore muitas vezes dificulta rastrear o fluxo de dinheiro. Um estudo conduzido por James Henry, antigo economista chefe da consultoria McKinsey, estima que indivíduos ricos tenham entre US$ 21 triulhões e US$ 32 trilhões guardados em paraísos tributários offshore –o equivalente ao tamanho das economias dos Estados Unidos e Japão combinadas.

E mesmo em meio à crise da economia mundial, o sistema offshore continuou a crescer, diz Henry, membro do conselho da Tax Justice Network, uma organização internacional de pesquisa e ação política que critica os paraísos fiscais. As pesquisas dele demonstram, por exemplo, que os ativos administrados pelos 50 maiores “bancos privados” do planeta –que muitas vezes usam paraísos tributários para servir aos seus clientes de alto patrimônio– cresceram de US$ 5,4 trilhões em 2005 a mais de US$ 12 trilhões em 2010.

Henry e outros críticos argumentam que o sigilo offshore tem efeito corrosivo sobre os governos e sistemas judiciais, permitindo que funcionários públicos corruptos saqueiem os tesouros nacionais e oferecendo cobertura a redes de tráfico humano, mafiosos, exploradores de espécies animais ameaçadas e outros criminosos.

Os defensores dos sistema offshore rebatem alegando que a maioria dos clientes está envolvida em transações legítimas. Os centros offshore, alegam, permitem que empresas e indivíduos diversifiquem seus investimentos, formem alianças comerciais além das fronteiras de seus países e realizem negócios em áreas nas quais os empresários encontram condições favoráveis, porque estas evitam a burocracia e as regras onerosas do mundo dos negócios convencionais.

“Tudo existe para facilitar os negócios”, diz David Marchant, editor do OffshoreAlert, um boletim online de notícias. “Se você é desonesto, pode aproveitar o sistema de modo negativo. Mas se for honesto, pode aproveitá-lo positivamente”.

Boa parte do trabalho de reportagem do ICIJ teve por foco o trabalho de duas companhias offshore, a Portcullis TrustNet, de Cingapura, e a Commonwealth Trust Limited (CTL), das IVB, que ajudaram dezenas de milhares de pessoas a criar companhias, fundos e contas bancárias sigilosas offshore.

As autoridades regulatórias das IVB constataram que a CTL violou repetidamente as leis de combate à lavagem de dinheiro das ilhas, entre 2003 e 2008, por não registrar e confirmar as identidades e históricos de seus clientes. “Essa empresa específica sofre de problemas sistêmicos de lavagem de dinheiro em sua organização”, disse um funcionário da Comissão de Serviços Financeiros das IVB no ano passado.

Os documentos mostram, por exemplo, que a CTL estabeleceu 31 companhias em 2006 e 2007 para um indivíduo posteriormente identificado por tribunais britânicos como testa de ferro de Muktar Ablyazov, um magnata bancário do Cazaquistão acusado de roubar US$ 5 bilhões de bancos daquela antiga república soviética. Ablyazov nega qualquer delito.

Thomas Ward, canadense que foi um dos fundadores da CTL em 1994 e continua a trabalhar como consultor para a empresa, disse que os procedimentos de verificação de credenciais de clientes da CTL são compatíveis com os padrões setoriais nas IVB, mas que não há procedimento que permita garantir que empresas como a CTL não sejam “enganadas por clientes desonestos” ou modo de perceber que “alguém que parece honesto de acordo com os indicadores históricos” possa “se provar desonesto mais tarde”.

“É errado, ainda que talvez conveniente, demonizar a CTL como se fôssemos o maior problema”, declarou Ward em resposta escrita a questões. “Em lugar disso, acredito que os problemas da CTL sejam, no geral, proporcionais à sua participação de mercado”.

O estudo de documentos da TrustNet pela ICIJ identificou 30 clientes norte-americanos acusados em processos civis ou criminais de fraude, lavagem de dinheiro e outros delitos financeiros graves. Entre eles estão antigos gigantes de Wall Street como Paul Bilzerian, especializado em aquisições de empresas condenado por fraude tributária e violações das leis financeiras em 1989, e Raj Rajaratnam, um bilionário administrador de fundos de hedge sentenciado à prisão em 2011 em um dos maiores escândalos de insider trading (uso indevido de informações financeiras privilegiadas) da história dos Estados Unidos.

A TrustNet se recusou a responder perguntas para este artigo.

LISTA SUJA

Os registros obtidos pelo ICIJ expõem a maneira pela qual operadores offshore ajudam seus clientes a criar complicadas estruturas financeiras que abarcam países, continentes e hemisférios.

Uma funcionária do governo tailandês conectada a um famoso ditador africano usou a TrustNet, de Cingapura, para criar uma empresa sigilosa em seu nome nas IVB, mostram os documentos.

Leia mais em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1256886-arquivos-secretos-expoem-impacto-mundial-de-paraisos-fiscais.shtml

marcos

Professor, Embaixador e Comendador MSc. Marcos Assi, CCO, CRISC, ISFS – Sócio-Diretor da MASSI Consultoria e Treinamento Ltda – especializada em Governança Corporativa, Compliance, Gestão de Riscos, Controles Internos, Mapeamento de processos, Segurança da Informação e Auditoria Interna. Empresa especializada no atendimento de Cooperativas de Crédito e habilitado pelo SESCOOP no Brasil todo para consultoria e Treinamento. Mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela PUC-SP, Bacharel em Ciências Contábeis pela FMU, com Pós-Graduação em Auditoria Interna e Perícia pela FECAP, Certified Compliance Officer – CCO pelo GAFM, Certified in Risk and Information Systems Control – CRISC pelo ISACA e Information Security Foundation – ISFS pelo EXIN.