Mercado interbancário flui e bancos adotam cautela no crédito
Na segunda-feira, 8, enquanto os mercados financeiros globais enfrentavam talvez o seu pior dia desde a crise de 2008, o tesoureiro de um grande banco passou quase duas horas trancado em uma sala com outras pessoas. Diferentemente do que se poderia supor, ele não estava em uma reunião de emergência para discutir medidas a tomar diante do cenário caótico. O tema era completamente alheio ao que se desenhava nas telas de mercados. A cena ilustra o impacto até agora restrito sobre o sistema financeiro brasileiro da deterioração do cenário externo em função da crise das dívidas soberanas dos Estados Unidos e da Europa.
Para lá da forte queda da bolsa e dos solavancos do câmbio, o sistema está relativamente tranquilo. Nada que lembre, até o momento, o caos de 2008 – embora ainda seja precipitado descartar que algo pior possa acontecer.
Executivos de bancos consultados pelo Valor relatam que o clima é de cautela e não de pânico. Esse cuidado se traduz em ordens da direção dos bancos para que a força de vendas freie as concessões de empréstimos. “Já se fala em crescimento menor da economia e por causa disso devemos ter mais dificuldades no crédito. Principalmente à indústria, mais do que a empresas ligadas ao consumo”, diz o presidente de um banco.
Um outro executivo, de banco de médio porte, diz que o receio de um repique da inadimplência inspira cautela e, diante da incerteza, as instituições estão optando pela liquidez. Segundo esse executivo, até mesmo os grandes bancos estão fazendo os desembolsos a um ritmo mais lento neste momento.
Na ponta da captação dos bancos, a vida segue normal, segundo relatos dos executivos. O mercado interbancário continua a fluir e não se nota sinal de empoçamento da liquidez – dinheiro migrando de instituições menores para as maiores, vistas como portos seguros em momentos de incerteza.
Segundo o diretor de um grande banco, não houve movimentação fora do padrão no caixa da instituição, o que mostra que não ocorreu, até agora, a chamada fuga para ativos de maior qualidade (“fly to quality”), como se viu durante o agravamento da crise de 2008 para esse mesmo banco.
Depois da quebra do Lehman Brothers, em setembro daquele ano, o crédito mundial secou e o Brasil não ficou imune, com os bancos menores bastante enfraquecidos. Agora, as medidas do Banco Central adotadas a partir de dezembro e que forçaram a desalavancagem dos bancos que operam com crédito consignado e de veículos parecem estar colaborando. Não fosse isso, alguns instituições poderiam ser pegas no contrapé, com forte ritmo de expansão de suas carteiras.
Por enquanto, os bancos médios não têm sentido demanda de clientes para resgate dos Certificados de Depósitos Bancários (CDBs) e, diferentemente de 2008, os bancos pequenos e médios dispõem de alternativas de captação, como o DPGE, os depósitos com garantia especial do Fundo Garantidor de Créditos (FGC). O diretor financeiro de um banco de médio porte lembra que muitas instituições ainda dispõem de bom limite para emitir DPGE.
A crise por enquanto não se transformou numa questão de solvência bancária lá fora, embora ninguém consiga estimar com precisão até onde vai a débaclé da dívida soberana europeia e em que ponto a história pode voltar a ser um problema bancário, já que as instituições estão abarrotadas dos títulos emitidos pelos governos. Com isso, as bolsas sofrem com a perspectiva de desaquecimento da economia global. A bolsa brasileira, com forte presença de companhias exportadoras de commodities, puxa a fila.
Mas isso pode fazer alguns setores sorriem. É o caso do fundos de private equity, que no começo do ano reclamavam dos preços proibitivos para se sair às compras. Para o presidente da presidente da Associação Brasileira de Private Equity & Venture Capital (Abvcap), Sidney Chameh, a forte queda das ações pode agora facilitar os negócios, assim como ocorreu em 2008, quando a escassez de crédito e o fechamento do mercado de capitais levaram várias empresas a recorrerem aos fundos. Chameh avalia, porém, que a situação de 2008 dificilmente se repetirá agora, já que as empresas de um modo geral encontram-se capitalizadas e pouco endividadas. “Não acredito em barganhas neste momento”, diz.
“O fato de a bolsa estar atravessando uma crise pode fazer com que o dinheiro dos fundos de private equity seja mais valorizado. Mas isso não quer dizer que as empresas vão ser compradas na bacia das almas. Até porque não se espera uma mudança radical no fundamento delas”, diz o gestor de um fundo internacional de private equity. Mas, lembra ele, por definição, um cenário de crise nunca é bom para ninguém. “Em 2008, os investimentos de private equity pararam.”
Fonte: Vanessa Adachi, Carolina Mandl, Fernando Travaglini, Aline Lima e Vinícius Pinheiro, Valor Economico