Limpeza de balanço da Caixa causa polêmica
Os estudos do governo para transferir créditos podres de bancos públicos para a Empresa de Gestão de Ativos (Emgea) causaram reboliço ontem entre as principais instituições financeiras privadas do país. A proposta tem como objetivo abrir espaço no balanço das instituições estatais, com destaque para a Caixa Econômica Federal, para que possam continuar emprestando sem ter de passar por um processo de capitalização. A notícia sobre a proposta caiu particularmente mal porque a Caixa tem disso o principal instrumento de pressão do governo sobre os bancos privados para forçar a redução do spread bancário. A interpretação dos bancos é que, se for adiante, a limpeza cria condições desiguais de competição.
Entre as instituições, dúvidas sobre o preço a ser pago pela Emgea à Caixa pelos créditos, o tamanho das carteiras a serem compradas e como isso será registrado em balanço eram as mais recorrentes.
“Será que a Emgea vai querer comprar nossas carteiras de crédito também? Vamos ter a mesma oportunidade”, ironizou o executivo de um banco privado de varejo.
“Qualquer banco pode fazer a venda de carteiras e pedir a dedutibilidade fiscal do provisionamento delas. A única diferença, no caso da Caixa, é que temos duas entidades públicas fazendo a transação”, diz Salvatore Milanese, sócio da área de reestruturação da KPMG.
A venda de créditos em atraso pode abrir espaço de capital para os bancos públicos continuarem emprestando em ritmos acelerados. A Caixa Econômica Federal encerrou o primeiro trimestre do ano com uma carteira de empréstimos de R$ 269 bilhões, o que representou uma expansão anual de 41,1%. É um ritmo que não foi observado em nenhum outro grande banco de varejo do país.
“A Caixa precisa achar fontes para cumprir o desafio de emprestar mais com spreads mais baixos”, frisou o analista da Austin Rating, Luis Miguel Santacreu.
O uso da Emgea também pode acelerar o uso dos créditos tributários que os bancos públicos possuem. Ou seja, fazer com que as instituições deduzam do pagamento de impostos eventuais prejuízos que tiveram nas operações de crédito vendidas.
O economista Roberto Troster (ex-Federação Brasileira de Bancos) ressaltou que os bancos públicos já passaram por uma “limpeza dos balanços” no passado, recebendo recursos públicos, e que, portanto, deveriam investir em ganho de eficiência e melhoria de sistema para emprestar com juro mais baixo. “É um absurdo [a transferência de crédito podre para a Emgea]. No passado, foi feito um trabalho grande para limpar as carteiras dos bancos e dar mais eficiência aos bancos e agora estamos falando de algo parecido”, frisou Troster.
Para ele, a proposta estudada mostra que o governo está se antecipando à possibilidade de a inadimplência subir por conta da recente aceleração desenfreada da concessão de crédito pelos bancos públicos para atender à orientação da presidente Dilma Rousseff. Procurada, a Febraban não comentou a proposta do governo.
Conforme antecipou ontem o Valor, o governo estuda limpar a carteira de instituições públicas como Caixa, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Banco do Nordeste (BNB). O projeto estava engavetado, mas ganhou força recentemente devido à necessidade de o Tesouro Nacional capitalizar os bancos públicos.
A transferência de ativos para a Emgea seria uma forma indireta de se fazer isso. Os créditos podres seriam “vendidos” para o Tesouro Nacional e repassados para a Emgea, que faria a cobrança do débito, dando um alívio de caixa às instituições públicas. O Tesouro tem se posicionado contrário à ideia. Porém, essa proposta sozinha não resolveria a necessidade de capital da Caixa, por exemplo, para manter o atual ritmo de crescimento dos empréstimos bancários.
A avaliação de mercado é de que é preciso um mix de ações: transferência de créditos, associada à emissão de dívidas subordinadas, venda de ativos ou a injeção de mais recursos do Tesouro. A Caixa fechou o primeiro trimestre com um índice de Basileia (percentual de capital exigido para alavancagem do crédito e outros riscos) de 12,8%. No Brasil, o mínimo exigido é de 11%.
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Caixa informou que a negociação de carteira não está sendo tratada dentro do banco.
Fonte: Carolina Mandl, Edna Simão e Filipe Pacheco, Valor Economico
