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Contas de ex-senador brasileiro põem banco RBC sob a lupa dos reguladores

notas_dolar_real0_0_0_885_579Durante a agressiva campanha do Royal Bank of Canada para atrair clientes do crescente grupo de super-ricos da América Latina, um executivo do banco em Miami fisgou um peixe grande: Gilberto Miranda Batista, ex senador brasileiro que tem uma fortuna de US$ 500 milhões, três casas, quatro fazendas e um Rolls Royce.

Enquanto alguns executivos comemoravam, o departamento de conformidade com regras – “compliance”, em inglês – do RBC logo enviou um sinal de alerta. Preocupados com o risco de que as contas de Miranda pudessem ser alvo de análise minuciosa pelos reguladores globais por potencial lavagem de dinheiro, alguns diretores de conformidade do banco começaram a recomendar que a conta fosse fechada por volta de 2007, de acordo com pessoas informadas sobre o episódio.

Mas o executivo de Miami, Dirceu Magalhães, conseguiu argumentar com sucesso contra o desligamento do importante cliente, mesmo depois que promotores brasileiros abriram processo acusando Miranda de corrupção, em 2012, dizem essas pessoas.

Patrimônio incluía casas no valor de US$ 10,4 milhões, fazendas, Learjet e até um Rolls Royce

Em 2013, as contas de Miranda atraíram a atenção de um orgão regulador bancário dos Estados Unidos, a Controladoria da Moeda – ou OCC, na sigla em inglês -, que naquele ano considerou os sistemas de proteção contra a lavagem de dinheiro do RBC insatisfatórios, de acordo com pessoas a par do assunto.

As tensões entre o departamento de conformidade e os executivos que fecham negócios no maior banco do Canadá, reveladas em documentos internos da instituição vistos pelo The Wall Street Journal, ressaltam o dilema enfrentado por muitos dos gigantes financeiros de todo o mundo ao tentarem equilibrar a promessa de contas lucrativas em mercados emergentes e um aumento do risco de ações regulatórias.

Vários bancos, incluindo os britânicos Standard Chartered PLC e HSBC PLC, começaram a fechar divisões em alguns mercados em desenvolvimento, uma das consequências não intencionais do aumento da vigilância de órgãos reguladores globais sobre a lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.

Para o RBC, que conseguiu sobreviver à crise financeira para se tornar um dos maiores bancos do mundo, a avaliação negativa do OCC foi só mais um de uma longa lista de problemas com reguladores e promotores de Justiça ligados aos controles de lavagem de dinheiro em sua divisão de gestão de fortunas na América Latina e Caribe.

O RBC tomou medidas para fechar essa unidade no fim do ano passado, depois de enfrentar investigações do governo em vários países, incluindo os EUA, Uruguai e França. Justo quando o banco começava a se desfazer de suas operações, o RBC foi contatado pelo Departamento de Justiça e pelo Departamento de Segurança Nacional dos EUA sobre contas separadas na Venezuela, segundo pessoas a par do assunto. Essas pessoas disseram que as contas de clientes venezuelanos tinham sido, como as de Miranda, previamente sinalizadas como suspeitas por funcionários do departamento de conformidade do próprio banco.

“Há sempre uma guerra entre [o departamento de] conformidade e os banqueiros”, disse Kim Manchester, cuja firma, Manchester CF, assessora bancos nos controles de lavagem de dinheiro, mas que não estava comentando especificamente sobre o RBC. Ela acrescentou que é nos casos em que a área de negócios sempre vence que os bancos acabam tendo problemas.

Uma porta-voz do RBC disse que, devido ao compromisso com a confidencialidade de clientes, não faria comentários sobre qualquer indivíduo ou conta, mesmo para confirmar ou negar que eles eram clientes. A porta-voz disse que o banco tem  um forte histórico de conformidade com as regras globais.

“O RBC trabalha dentro do arcabouço legal e regulatório de todos os países em que operamos”, disse ela em um e-mail.

O Departamento de Justiça americano não quis comentar. Miranda recusou os pedidos de comentários. Um advogado dele disse que seu cliente não recebeu qualquer pedido formal de tribunais brasileiros para apresentar sua defesa contra as acusações de corrupção pendentes. O advogado não quis fazer mais comentários.

Em um telefonema, Magalhães, o executivo do RBC, disse que não tinha “preocupações” sobre as alegações contidas neste artigo, mas não quis fazer mais comentários.

Muito do drama do RBC se desenrolou em um escritório na Avenida Brickell, no distrito financeiro de Miami. Esse escritório, onde Magalhães trabalhava, atuava como uma central nos EUA para atender clientes ricos de toda a América Latina e Caribe, à medida que o RBC abria escritórios no Brasil, Chile, Panamá, México e Uruguai em 2008 e 2009.

Entre os clientes-estrelas de Miami estava Miranda, que tinha acumulado uma fortuna de mais de US$ 500 milhões ajudando empresas a obter licenças para iniciar operações em Manaus, no Estado do Amazonas, de acordo com uma nota interna do RBC vista pelo WSJ. O ex-senador é de origem humilde: há cerca de quatro décadas, ele dirigia um Passat e tinha um patrimônio líquido de US$ 10 mil, de acordo com o documento.

Em 2008, Miranda acumulava um patrimônio imobiliário de US$ 5 milhões na Ilha das Cabras, no litoral de São Paulo, três casas avaliadas num total de US$ 10,5 milhões, um Learjet, quatro fazendas e oito carros, incluindo um Rolls Royce, segundo a nota.

Mas o departamento de conformidade do RBC não compartilhava o entusiasmo dos gestores de fortunas em relação a Miranda.

Alguns executivos do departamento de conformidade começaram a pressionar para que a conta fosse fechada por volta de 2007, logo depois que ela tinha sido aberta, porque, como um ex-político, ele era considerado de alto risco, disse uma pessoa a par do assunto. Em agosto de 2009, um artigo publicado pelo jornal “Folha de S.Paulo” informou que uma empresa controlada pela família de Miranda, a KKW do Brasil, fez uma doação para a fundação do ex-presidente José Sarney. O artigo não acusava Miranda, a família dele ou Sarney de nenhuma irregularidade. Ainda assim, a cobertura pela imprensa brasileira serviu de lembrete aos funcionários de conformidade do RBC de como o passado e as conexões políticas de Miranda seriam examinadas cuidadosamente pelas autoridades reguladoras, de acordo com duas pessoas a par do assunto.

Os reguladores são particularmente sensíveis a indivíduos com ligações políticas em países em desenvolvimento. A rede de combate a crimes financeiros do Departamento do Tesouro dos EUA (FinCEN, na sigla em inglês), por exemplo, pede que bancos imponham “controles reforçados” a qualquer conta bancária privada mantida por políticos estrangeiros e suas famílias.

Funcionários de conformidade dos bancos muitas vezes enfrentam uma tarefa difícil, na qual eles têm de fazer recomendações com base na movimentação de dinheiro através de contas e material que encontram on-line, incluindo cobertura da mídia.

Em Miami, os gestores da divisão de fortunas defenderam com vigor a manutenção de Miranda como cliente, de acordo com três pessoas a par do assunto. O próprio cliente pediu discrição.

“O senhor Miranda pediu que todos os contatos por telefone com ele fossem feitos [de forma] muito discreta, e que ele deveria ser contatado apenas por Dirceu” e dois outros executivos do RBC, segundo um documento do RBC de setembro de 2009.

Julian Stienstra, que chefiou o escritório de Miami na época, negou que tivesse havido tensão entre a área de negócios e o departamento de conformidade. Stienstra disse que, assim que surgiram as preocupações em relação a Miranda, a conta foi encerrada.

Mas, embora o RBC tenha fechado as contas bancárias em 2010, pelo menos parte desse dinheiro foi transferido para um fundo fiduciário do RBC criado para a família Miranda, de acordo com pessoas a par do assunto. O fundo, Spetses Trust, foi alimentado por 17 empresas distintas e veículos em paraísos fiscais que haviam sido criados, ou comprados, com o dinheiro de um empréstimo do RBC à filha de Miranda, Marcela Scarpa Miranda Batista, segundo um documento interno e essas pessoas.

O RBC não quis comentar sobre o fundo fiduciário e não confirmou se Miranda era um cliente. “Proteger a privacidade e a confidencialidade dos nossos clientes, funcionários e terceiros é uma pedra angular do nosso negócio”, disse uma porta-voz num comunicado por e-mail.

Não foi possível contatar Marcela Scarpa Miranda Batista para comentar o assunto.

Na base do fundo fiduciário estavam quatro empresas brasileiras que poderiam enviar recursos através de silos separados em três camadas de empresas, dizem duas pessoas a par do assunto. As camadas foram registradas em três jurisdições: Holanda, o Estado americano de Delaware e Barbados. Como o dinheiro nunca era transferido entre as quatro empresas brasileiras, o que significa que havia menos transações no país, era menos provável que a atividade atraísse a vigilância dos reguladores brasileiros, disseram as pessoas a par do assunto.

Os responsáveis pela divisão de conformidade com regras frequentemente davam sinais de alerta sobre o fundo fiduciário, de acordo com um documento interno e três pessoas a par do assunto.

Em março de 2012, uma executiva sênior de fundos fiduciários no escritório do RBC nas Bahamas pediu a Magalhães “provas de propriedade” da Aglais Investment Company, que tinha depositado US$ 2 milhões no Spetses Trust, de acordo com uma troca de e-mails vista pelo WSJ.

Em um e-mail de resposta, Magalhães disse à executiva das Bahamas que a empresa pertencia ao “mesmo beneficiário” do Spetses e disse que o cliente estava retirando as provas de propriedade de um cofre em Nova York. “Temos que confiar em nosso cliente”, escreveu ele.

Mas, em 27 de março, a executiva do RBC nas Bahamas, Chevez Johnson-Ramirez, enviou um novo e-mail, dizendo que o banco já havia aberto uma “exceção” para aceitar fundos da Aglais vários meses antes.

“A política do banco é permitir um período de carência de cinco dias, o que foi ultrapassado”, disse ela, mas em um e-mail mais tarde, ela concordou em esperar até 5 de abril.

Os reguladores normalmente exigem que os bancos estabeleçam rapidamente as identidades de grandes depositantes, particularmente quando a conta pertence ao que chamam de “uma pessoa politicamente exposta”.

Em novembro de 2012, promotores brasileiros abriram processo criminal acusando Miranda de corrupção por “esforços para obter ilegalmente a permissão do governo para ocupar” terreno público na Ilha das Cabras através da “oferta de suborno a funcionários públicos para ganho pessoal”, de acordo com o relatório dos promotores.

Até 11 de dezembro, a prova de propriedade da Aglais ainda não havia chegado.

“Precisamos urgentemente receber esta ‘due diligence'”, escreveu Johnson-Ramirez, que não pôde ser encontrada para co mentar.

Pelo intercâmbio de e-mails visto pelo WSJ, não ficou claro se a prova já foi fornecida.

Cerca de um ano depois, no fim de 2013, Magalhães foi demitido do RBC depois que o banco descobriu transferências que não poderiam ser facilmente explicadas, de acordo com Stienstra.

Investigadores internos do RBC concluíram que Magalhães estava envolvido em negociações de câmbio não documentadas, de acordo com duas pessoas a par do assunto. Em tais negociações, a troca de moedas é feita através do depósito de dinheiro na conta de alguém em um país e saque de um montante equivalente em outra moeda da conta dessa pessoa no exterior, evadindo o controle dos reguladores, porque o dinheiro não é movimentado através de uma fronteira.

Em 2013, apenas um ano antes de o RBC começar o processo de encerramento de suas operações na América Latina, o banco renovou o contrato de aluguel de sua torre de 28 andares em Miami e acrescentou uma área de quase 950 metros quadrados ao espaço alugado, de acordo com a corretora da propriedade, a Jones Lang LaSalle.

Apesar da expansão, o RBC estava preocupado com o escritório de Miami o suficiente para, em julho de 2013, contratar Joseph Malpica, um ex-agente antiterrorismo da CIA, a agência de inteligência dos EUA, para investigar possíveis problemas na divisão, disseram pessoas a par do assunto. Malpica acabou colidindo com executivos baseados em Miami e abandonou o trabalho por frustração oito meses mais tarde, disseram três dessas pessoas. Malpica tinha sugerido que as contas venezuelanas, entre outras, fossem encerradas. Ele também pediu uma investigação interna sobre potenciais lapsos de gestão que podem ter permitido que transações de câmbio indocumentadas passassem despercebidas e se isso estava acontecendo em outras áreas do RBC, um pedido que foi recusado por Toronto, disse uma das pessoas.

Em março de 2014, a diretora de conformidade com regras do RBC, Francine Blackburn, voou para Miami, onde foi informada sobre as transações e outras questões regulatórias, disse uma pessoa a par do assunto.

No mês seguinte, representantes do OCC foram até o escritório de Miami do RBC para uma revisão programada. Eles se instalaram em uma sala de reuniões no 21o andar do edifício da Avenida Brickell, de acordo com uma pessoa a par do assunto.

Entre as preocupações dos reguladores, estava o fundo Spetses Trust. O OCC não gostou do fato de que o dinheiro às vezes era creditado e debitado entre os vários veículos dentro de 24 a 48 horas, disseram duas pessoas a par do assunto. Em setembro de 2013, por exemplo, US$ 1 milhão foi transferido de Toronto para o Brasil através de duas contas diferentes com base em Miami, de acordo com documentos internos. As quatro operações foram conduzidas e autorizadas no mesmo dia.

Uma porta-voz do OCC não quis comentar.

Os bancos são instados a vigiar esse tipo de movimentação de dinheiro, que é muitas vezes vista como um sinal de potencial lavagem de dinheiro. O RBC, porém, não apresentou às autoridades americanas relatórios de atividades suspeitas ligados a essas transações, de acordo com pessoas a par do assunto.

No fim de 2014, várias das contas venezuelanas do RBC também começaram a chamar a atenção de reguladores dos EUA. Em novembro, o escritório de Miami do RBC e um escritório em Toronto receberam telefonemas de um agente do Departamento de Justiça dos EUA. A ligação foi seguida por uma série de intimações do Departamento de Justiça buscando informações sobre essas contas, disseram as pessoas a par do assunto. Em dezembro, o Departamento de Segurança Nacional pediu todos os documentos relacionados com uma das contas.

Um representante do Departamento de Segurança Nacional não quis comentar.

Promotores de Justiça no Uruguai e França também abriram processo contra o banco nos últimos anos. Em 2008, o banco central uruguaio multou o RBC em US$ 50.140 por “omissões” nos controles contra a lavagem de dinheiro, segundo o site do banco central. O RBC afirmou que tem planos para contestar as alegações na França de que seu escritório de gestão de fortunas das Bahamas foi cúmplice em fraude fiscal.

Os problemas na América Latina e no Caribe estavam preocupando membros do conselho de administração do RBC, que havia recebido informações de Blackburn, a diretora de conformidade, em pelo menos uma ocasião, de acordo com uma pessoa a par do assunto.

O conselho do RBC tomou a decisão de sair da região após concluir que as receitas produzidas não compensavam os numerosos e muitas vezes pequenos problemas regulatórios que atormentaram as operações, segundo uma pessoa a par do assunto. A porta-voz do banco disse que a decisão foi motivada pelo desejo de se concentrar em mercados mais lucrativos com escala mais ampla.

Em setembro passado, funcionários foram convocados à sala de reuniões do escritório da Avenida Brickell para ouvir por telefone Stuart Rutledge, diretor da divisão internacional de gestão de fortunas do RBC, segundo duas pessoas a par do assunto. Rutledge anunciou que a operação seria fechada, juntamente com escritórios em Nova York e Houston que também lidavam com a gestão de fortunas de clientes da América Latina e Caribe.

Rutledge não respondeu aos pedidos de comentário.

Quando o escritório de Miami começou a se desfazer de suas operações, no fim do ano passado e início de 2015, o RBC encerrou as contas de Miranda e dos clientes venezuelanos que haviam desencadeado as investigações do Departamento de Justiça e do Departamento de Segurança Nacional, disse uma pessoa a par do assunto.

Em uma visita recente, os andares onde os gestores de fortuna e funcionários do departamento de conformidade regulatória do RBC outrora digladiavam pareciam desertos. Em uma porta, uma placa avisava que o escritório do banco  em Miami tinha sido fechado em 30 de abril. Uma sala de reuniões no 20º andar ainda exibia sinais do que parecia ter sido uma festa de despedida. Num quadro, a mensagem: “Você é estelar. Alcance as estrelas.”

Fonte: Valor Economico

marcos

Professor, Embaixador e Comendador MSc. Marcos Assi, CCO, CRISC, ISFS – Sócio-Diretor da MASSI Consultoria e Treinamento Ltda – especializada em Governança Corporativa, Compliance, Gestão de Riscos, Controles Internos, Mapeamento de processos, Segurança da Informação e Auditoria Interna. Empresa especializada no atendimento de Cooperativas de Crédito e habilitado pelo SESCOOP no Brasil todo para consultoria e Treinamento. Mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela PUC-SP, Bacharel em Ciências Contábeis pela FMU, com Pós-Graduação em Auditoria Interna e Perícia pela FECAP, Certified Compliance Officer – CCO pelo GAFM, Certified in Risk and Information Systems Control – CRISC pelo ISACA e Information Security Foundation – ISFS pelo EXIN.