Sob suspeita, Mundial cai 80% em uma semana
Não durou nem dois meses a febre envolvendo as ações da fabricante de tesouras e talheres gaúcha Mundial. A novela acabou de forma dramática, com uma queda na semana passada de 84,59% do papel ordinário (ON, com direito a voto) e 81,75% no preferencial (PN, sem voto), o que pulverizou praticamente quase todo o ganho obtido desde maio, de até 2.800% e 1.652%, respectivamente. O desmoronamento das ações, como um castelo de cartas, deixou no prejuízo os investidores que entraram no fim da festa. Exatamente como previam vários analistas, que não entendiam como o papel podia ser negociado a até cem vezes o seu lucro anual.
O fecho de ouro ocorreu na sexta-feira, quando a ação ON perdeu 76,38%, terminando a R$ 0,94, e a PN recuou 63,68%, para R$ 0,69, em meio a informações de que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) investigava a alta.
Ajudou na queda também uma extensa carta anônima que circulou entre corretoras e investidores acusando um agente autônomo de Porto Alegre de ser o responsável pela alta. Entre as acusações, a de que ele, usando três empresas de agentes autônomos e uma gestora, e informações privilegiadas da empresa, teria adquirido ações da Mundial e, depois, inflado os preços. O raciocínio seria reforçado pelo fato de uma das empresas de agente autônomos ser ligada à corretora que lidera o volume negociado de Mundial.
O Valor procurou as empresas citadas na carta, duas das quais funcionam na mesma sala em Porto Alegre. Elas confirmaram que os clientes negociam ações da Mundial, mas negaram irregularidades ou que estejam sob investigação.
A corretora explicou que apenas executa as ordens dos clientes da empresa gaúcha. E que, apesar de ter o maior volume de negócios com Mundial, sua participação não passa de 15% do total. Ou seja, há muitas outras corretoras também negociando.
Já o agente autônomo citado na carta como principal responsável pela alta falou com o Valor para negar as acusações veementemente. Ele alega que está sendo vítima de concorrentes que tentam destruir seu trabalho “de 15 anos no mercado”. Por telefone, confirmou que foi sócio de uma das empresas de agentes autônomos citadas na carta anônima. E que as outras empresas de agentes e a gestora citadas são de ex-sócios dele, por isso a ligação.
O agente conta que, há dois anos, comprou cerca de 5 milhões de ações da Mundial a R$ 0,24. “Não houve informação privilegiada, era a maior barganha do setor de consumo do mercado, por isso comprei”, diz. Foi esse motivo também que teria levado os clientes dele e de outras empresas a comprar os papéis. E garante que ele mesmo não vendeu os papéis até hoje, apesar de eles terem chegado a valer R$ 30 milhões e hoje, cerca de R$ 1 milhão. “Que espécie de manipulador sou eu que não vende a ação e perco como todo mundo?”, justifica.
Ele admite que a alta dos papéis foi exagerada. “Foi uma loucura, um movimento de manada, tinha cliente que aplicou R$ 100 mil e ganhou R$ 2 milhões e falava para amigos, que ficavam desesperados para investir também”, lembra. Ao mesmo tempo, muita gente que perdeu a chance de ganhar “ficou com raiva e passou a espalhar boatos e tentar derrubar o papel”, diz. Houve também um movimento grande de corretoras e fundos vendendo o papel a descoberto para derrubar os preços. “Muitos ganharam com a queda das ações”, afirma.
O que há de concreto, porém, é que a CVM confirmou que está investigando desde abril a impressionante valorização das ações da Mundial, que passaram de cerca de R$ 0,50 naquele mês para os picos de R$ 7,01 na ON e R$ 5,11 na PN este mês. E o mais impressionante, com volumes diários superiores até aos da própria Petrobras.
A nota da autarquia sugere que ela encontrou algo de errado pois “o acompanhamento já deu causa ao início de uma apuração de possíveis irregularidades, a qual se encontra em curso neste momento”. A CVM não detalha, porém, o que foi encontrado, mas pediu informações à empresa.
Outro sinal de que há algo errado na alta veio da BM&FBovespa. Na sexta-feira, a bolsa divulgou nota informando que, apesar de a Mundial ter se tornado um dos papéis mais negociados do mercado, não entrará no Índice Bovespa e em nenhum outro referencial da casa. A medida impedirá que os fundos de pensão tenham de comprar o papel para se ajustar aos índices, o que puxaria de vez a ação. A bolsa usou a prerrogativa de barrar a Mundial “em razão da movimentação atípica registrada no volume e nos preços dos negócios”.
A disparada da Mundial surpreendeu até mesmo o presidente da empresa, que procurou a bolsa para saber como agir e descobriu que não podia fazer nada. O que mostra também o pouco raio de ação da bolsa e das autoridades para impedir grandes especulações que, ao que tudo indica, podem voltar a ocorrer com outros personagens. Resta ao investidor ficar atento. (Colaboraram Daniele Camba e Luciana Monteiro)
Fonte: Beatriz Cutait, Silvia Rosa, Juliana Ennes e Angelo Pavini, Valor Economico