Quando a dívida soberana não é mais livre de riscos
A crise da dívida na Europa poderá forçar as autoridades reguladoras do setor bancário a reduzir o papel central dos bônus soberanos nas regras planejadas para tornar o sistema financeiro mais seguro. Enquanto fazem os ajustes finos nas novas regras, que devem entrar em vigor em 2013, as autoridades tentam conciliar o reconhecimento da perda de confiança dos investidores nas dívidas soberanas com a necessidade de se evitar um enfraquecimento da credibilidade dos governos.
O Comitê da Basileia de Supervisão Bancária, que coordena as regras para 27 nações mundiais, aprovou as diretrizes preliminares, conhecidas como Basileia 3, em 2010. As normas governam, entre outros itens, quanto caixa e outros ativos líquidos os bancos precisam ter à mão para suportar crises de financiamento de longo prazo. A chamada relação de cobertura de liquidez de Basileia 3 prevê que os bancos devem manter “ativos líquidos de alta qualidade” em quantidades suficientes – principalmente caixa e dívidas soberanas – para sobreviver a 30 dias de estresse.
Graças à crise da dívida europeia, está claro agora que nem todas as dívidas soberanas devem ser consideradas de alta qualidade. Em 5 de dezembro, a agência Standard & Poor’s (S&P) disse que poderá tirar da Alemanha e da França suas classificações de crédito “AAA”* e colocou as avaliações de 15 países da zona do euro sob revisão para possível rebaixamento. Isso foi depois que alguns detentores da dívida grega concordaram com uma redução de 50% no valor de seus bônus. “Um dos pilares centrais do modelo do acordo da Basileia 3 é a noção de uma classe de ativos livre de risco”, diz Matthew Czepliewics, analista da Collins Stewart Hawkpoint em Londres. “Esse pilar central está desmoronando.”
Agora o Comitê da Basileia poderá permitir aos bancos usar investimentos em ações, mais títulos de dívidas corporativas – além do caixa e bônus soberanos – para atender as exigências de liquidez, segundo informaram duas pessoas a par dos planos.
“Num mundo onde a Nestlé é vista como menos arriscada que Portugal, isso faz todo sentido”, diz Bob Penn, sócio da firma de advocacia Allen & Overy em Londres. O problema é que tal medida tornaria mais difícil para os governos captar dinheiro, diz ele. “Os países precisam de alguém que compre suas dívidas. Desencorajar os bancos de investir nos bônus de alguns países poderá ter um efeito danoso sobre a tomada de empréstimos soberanos.”
A deterioração das dívidas soberanas europeias também está levando autoridades reguladoras a questionar as regras da Basileia que dizem que os bancos não precisam manter nenhum capital contra potenciais perdas com bônus soberanos. As autoridades reguladoras deveriam fazer uma distinção entre as dívidas soberanas dos países que têm controle sobre suas próprias políticas monetárias e os bônus soberanos “subordinados” emitidos pelos países da zona do euro, disse Adair Turner, presidente da Financial Services Authority (FSA) do Reino Unido.
Com a crise europeia se arrastando, até mesmo os governos anteriormente considerados seguros estão tendo dificuldades para atrair investidores. A Alemanha não conseguiu vender cerca de 35% de uma oferta de € 6 bilhões em bônus de 10 anos de prazo feita em 23 de novembro. Enquanto isso, as turbulências na Europa aumentaram a demanda por bônus soberanos de países de fora da zona do euro, reduzindo os rendimentos.
Os títulos de dez anos do Tesouro dos EUA rendiam cerca de 2 na semana passada, em comparação a 3,29% no começo do ano. O rendimento dos bônus do governo suíço com prazo de vencimento similar caiu de 1,64% para cerca de 0,8%. “Dia após dia parece estar havendo menos classes de ativos que o mercado considera livres de risco, como os Treasuries americanos e os bônus do governo suíço”, diz Czepliewicz. “E os bancos não podem depender apenas da dívida americana.”
Fonte: Liam Vaugham e Gavin Finch | Business Week, Valor Economico