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PLD: Ataques ao Coaf limitam o combate a crimes financeiros

Em junho deste ano, o sistema brasileiro de prevenção à lavagem de dinheiro será novamente avaliado pelo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi). O resultado da última avaliação, concluída em junho de 2010, trouxe algumas lições de casa a serem feitas pelo Brasil – como a criminalização do terrorismo e a aprovação do projeto que altera a Lei de Lavagem de Dinheiro, em tramitação no Congresso Nacional desde 2003. É pouco provável que as duas recomendações, consideradas as mais importantes pelo Gafi, sejam cumpridas até junho. Isso pode levar o Brasil à embaraçosa condição de ter sua nota rebaixada – em 2010, o país escapou por pouco de entrar na lista negra das nações que não adotam medidas suficientes para combater o crime. A situação pode ficar ainda mais desconfortável caso persistam as recentes discussões sobre a atuação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Criado em 1998 para receber, identificar e comunicar às autoridades operações suspeitas de lavagem de dinheiro realizadas por meio de bancos, seguradoras e factorings, entre outros setores, o Coaf passou, recentemente, a ser alvo de contestações na Justiça e a ser criticado publicamente. Os episódios envolveram o envio de informações ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelo Coaf e quebras de sigilo determinadas pela Justiça com base em um relatório sobre operações suspeitas pelo órgão durante a Operação Boi Barrica (leia o texto abaixo). Em janeiro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello chegou a dizer, durante uma entrevista, que a atuação do Coaf é “uma verdadeira bisbilhotice” e que não há como conciliá-la com a Constituição.

“Se o Coaf é inconstitucional, é bom que se decida isso logo, porque nesse caso seria importantíssimo mudarmos a Constituição”, rebate o presidente do órgão, Antônio Gustavo Rodrigues, em entrevista ao Valor. “Esse é um sistema que existe em mais de 180 países, um sistema incentivado pelo G-20, do qual o Brasil faz parte”, diz. “Vai ser um pouco chocante se chegarmos à conclusão de que há alguma coisa errada.”

“Todos os órgãos cumpriram sua função, e aí não pode. Então vamos esperar o corrupto mandar um recibo?”

À frente do Coaf desde 2004, Rodrigues também já presidiu o Gafi, organismo composto por 36 países-membros e que reúne 180 nações comprometidas com o combate à lavagem de dinheiro. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Antônio Gustavo Rodrigues ao Valor:

Valor: O Coaf foi alvo de críticas e contestações em duas situações recentes. O sr. acredita que o órgão é a bola da vez na tentativa de anular investigações por crimes do colarinho branco em curso no Brasil?

Antonio Gustavo Rodrigues : Essas situações não dizem respeito à atuação do Coaf. No caso do CNJ, a discussão é se ele teria ultrapassado seus poderes. Foi amplamente demonstrado, inclusive pelo próprio CNJ, que o Coaf não quebrou o sigilo de 200 mil pessoas. O Coaf produz relatórios de inteligência, e eu costumo brincar que o relatório que o Coaf forneceu ao CNJ é um relatório burro. Seria a mesma coisa dizer que quando a Receita publica que arrecadou R$ 10 milhões em um determinado período, está quebrando sigilo fiscal.

Valor: Foi apenas uma informação estatística?

Rodrigues : Exatamente. Não havia nenhum nome ou CPF, nada que pudesse identificar pessoas naquele relatório. Era uma peça de trabalho, um documento que não foi feito pra divulgar, mas para orientar o próprio CNJ sobre discussões futuras. O fato de você ter movimentações financeiras atípicas não quer dizer que haja crime – mas apenas que há movimentação atípica. Trabalhamos com muito cuidado nesse aspecto, sabendo que o sigilo deve ser preservado, mas, por outro lado, não deve servir para esconder bandido.

Valor: Mas se o CNJ pedir informações sobre movimentações financeiras de determinados servidores e juízes diante de indícios, o Coaf pode dar a informação?

Rodrigues : Entendíamos que sim. No momento suspendemos isso, dada essa discussão. Nós tínhamos um parecer do Banco Central entendendo que o CNJ era um órgão do Judiciário e que poderia solicitar e receber informações. E no próprio regimento interno do CNJ há a previsão de que ele pode solicitar sigilo fiscal, financeiro etc. Se essa norma está errada, ela deve ser corrigida.

Valor: A suspensão do envio de informações ocorreu somente em relação ao CNJ?

Rodrigues : Sem dúvida. O fato de eu não mandar uma informação para o CNJ não quer dizer que não vou mandá-la para outros órgãos, como o Ministério Público ou a polícia. Para nós é irrelevante se a pessoa é do Poder Judiciário ou não. Se um juiz movimentar R$ 20 mil não é nada de mais, se eu souber que ele é um juiz. Mas se uma pessoa que ganha um salário mínimo movimentar R$ 20 mil já é muito dinheiro. Saber se uma pessoa é do Judiciário, do Executivo ou do Legislativo é uma informação útil. Para nós, a informação, seja ela qual for, é útil. No fundo não vi nenhum ataque ao Coaf no episódio do CNJ.

Valor: Mas ele gerou consequências…

Rodrigues : Temporariamente sim. Procuramos trabalhar dentro da lei, e para nós a lei era aquela norma do CNJ que criou suas funções. Somos um órgão que trabalha com as autoridades, e há um outro órgão, presidido pelo presidente do Supremo, com uma norma que diz que ele pode receber informações. Tenho que adivinhar que não pode? É uma situação difícil querer interpretar lei para juízes. Nesse contexto, o ministro Marco Aurélio Mello disse que o Coaf é inconstitucional. Há uma ação no Supremo questionando a constitucionalidade do Coaf. Seria ótimo que fosse julgada. O Coaf é o centro de um sistema importante para a sociedade brasileira, que existe em mais de 180 países, é incentivado pelo G-20, grupo do qual o Brasil faz parte. É um sistema incentivado pelo Gafi, do qual o Brasil faz parte. Vai ser um pouco chocante se chegarmos à conclusão de que há alguma coisa errada. O Coaf segue um padrão internacional que é demandado por quatro convenções internacionais das Nações Unidas. A lei que criou o Coaf [a Lei de Lavagem de Dinheiro] foi escrita por grandes juristas e passou pelo Congresso. Depois foi aprovada a Lei Complementar nº 105 e o Coaf foi expressamente colocado lá. Do ponto de vista da vontade da sociedade expressa na lei, todos os procedimentos de cautela foram tomados.

Valor: E foi também uma exigência dos tratados internacionais assinados pelo Brasil, que foram aprovados pelo Congresso e recepcionados pela Constituição…

Rodrigues : A começar por isso. O Brasil adotou a Lei de Lavagem de Dinheiro em 1998 porque existia um movimento internacional para acabar com a quase religiosidade do sigilo bancário. No mundo existiam países que se desenvolveram baseados no extremo do sigilo bancário, que permite a existência de cheque ao portador, de ações ao portador das quais não se sabe quem é o dono. E mundo começou a reagir a essas coisas. Não se pode tolerar que entidades protegidas e respeitadas pela sociedade, como os bancos, ao mesmo tempo trabalhem contra a própria sociedade, criando caminhos para os bandidos sumirem com o dinheiro. Esse é um mecanismo altamente eficiente para ajudar a combater o crime e preservar a sociedade e as instituições democráticas. No momento em que se passa a ter criminosos infiltrados em posições altas – e não se iluda pois acontece, no México isso ficou claro – é preciso ter mecanismos de proteção da sociedade.

Valor: Como a ideia de que o sigilo bancário é relativo…

Rodrigues : É relativo, a própria Constituição diz que é relativo. Temos que começar a encarar os problemas de frente e dar a eles soluções práticas. Se o Coaf é inconstitucional, é bom que se decida isso logo, porque nesse caso seria importantíssimo mudarmos a Constituição. O país é soberano para andar no caminho errado, se quiser. Mas quem sofre com isso são as pessoas de bem, porque quem não quer que as coisas funcionem em geral é quem tem o rabo preso.

Valor: E no caso da Operação Boi Barrica, em que se contesta a legalidade de uma investigação feita a partir de um relatório do Coaf?

Rodrigues : Ali a situação é mais complicada. A decisão do STJ não atacou em nada o relatório do Coaf, atacou a quebra de sigilo solicitada pelo Ministério Público baseada em um relatório do Coaf. Segundo a decisão, o relatório do Coaf não seria o suficiente para amparar a quebra de sigilo concedida por um juiz de primeira instância. Ou seja, não é um ataque ao relatório do Coaf.

Valor: Ainda assim, é uma tese usada pela defesa de acusados de crime do colarinho branco para derrubar investigações, como outras que já tiveram êxito. Há alguma outra contestação sobre quebra de sigilo baseada em relatório do Coaf?

Rodrigues : Não que eu saiba. Mas no Brasil, se você é rico e pode contratar um bom advogado, ele é capaz de explorar essas coisas na legislação. E sabemos que existem inúmeros casos em que os relatórios do Coaf foram usados para subsidiar quebras de sigilo. Às vezes parece que vivemos em um mundo de fantasia. Por exemplo, todo mundo reclama da falta de cooperação entre os órgãos. Mas todo mundo reclama quando há uma operação em que há cooperação entre a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e a Polícia Federal [referindo-se à Operação Satiagraha, que investigou crimes financeiros supostamente cometidos pelo empresário Daniel Dantas, dono do Grupo Opportunity, e teve suas provas contestadas na Justiça]. Mandamos sinais contraditórios do que se espera da sociedade. O relatório do Coaf foi feito porque uma instituição financeira mandou uma informação sobre uma operação que considerou suspeita. O Coaf pesquisou e achou que o caso merecia investigação, portanto enviou o relatório às autoridades. As autoridades concordaram e foram ao juiz. Nada foi escondido, todos os órgãos cumpriram sua função constitucional. E aí não pode. Então o que pode? Vamos esperar o corrupto mandar um recibo?

Valor: O Gafi revisou suas recomendações em fevereiro e em uma delas deixou claro que a cooperação interna entre os órgãos de um país deve ser aprimorada – justamente o que está sendo contestado no Brasil. Estamos na contramão?

Rodrigues : O Gafi sempre chamou a atenção para a importância do relacionamento entre os órgãos. O Coaf é um órgão de cooperação, já nasceu com esse espírito. Se chegarem à conclusão de que o Coaf é inconstitucional, vou lamentar pelo país, porque vamos ter que dar um jeito. Imagine se um país, que já é a sexta maior economia do mundo e quer ser player nos fóruns internacionais, disser que seu sistema de combate à lavagem de dinheiro ruiu. Só para se ter uma ideia, para lançar títulos no exterior o Tesouro Nacional tem que preencher um questionário mostrando que o país cumpre as regras de prevenção a esse crime. Há um outro detalhe: todas as medidas punitivas do Gafi recaem sobre os bancos. Como se pune um país que não está cooperando? Põe na lista de países onde há risco. Isso significa, para os demais países, que seus bancos devem tomar cuidado ao lidar com aquele país. No fundo, isso representa uma restrição aos negócios. Os bancos não querem correr o risco de estarem metidos, sem querer, em algo ilícito e começam a se retrair. Se o Brasil ficar em uma situação ruim em relação ao combate à lavagem, quem vai sofrer as consequências são os bancos.

Contexto

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) tornou-se alvo de críticas e contestações em dois episódios recentes. Em setembro do ano passado o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu anular as provas obtidas durante a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, que investigou indícios de crimes contra o sistema financeiro nacional supostamente cometidos por Fernando Sarney, filho do senador José Sarney. O STJ entendeu que as quebras de sigilo determinadas pela Justiça não poderiam ter se baseado apenas em relatórios de inteligência do Coaf. A decisão é alvo de recurso do Ministério Público Federal ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Em dezembro, o Coaf foi novamente tema de discussões. A ministra Eliana Calmon, corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi acusada de quebrar o sigilo bancário de mais de 200 mil magistrados e servidores em todo o país a partir de comunicados sobre operações atípicas identificadas pelo Coaf e enviadas ao órgão, que faz o controle do Judiciário.

O caso se tornou alvo de críticas de diversas associações de juízes e acabou chegando ao STF, onde o ministro Marco Aurélio Mello concedeu uma liminar suspendendo as investigações abertas pelo CNJ. A ação contra o CNJ, de autoria da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), pedia a restrição do poder de investigação do conselho. Em janeiro, ao conceder entrevista sobre o caso no programa “Roda Viva” da TV Cultura, Marco Aurélio afirmou que o STF “tem um encontro jurisdicional marcado com a atuação do Coaf este ano”. “Eu não concebo que dados bancários de um cidadão sejam acessados por um órgão do Ministério da Fazenda que os repassa a outros órgãos administrativos”, disse.

Em fevereiro, o plenário do STF reconheceu que o CNJ pode abrir investigações contra juízes suspeitos de desvios de função e de corrupção, mas vetou o uso de informações do Coaf – o que levou o órgão a suspender o envio de comunicações sobre operações suspeitas ao conselho.

Fonte: Cristine Prestes, Valor Economico

marcos

Professor, Embaixador e Comendador MSc. Marcos Assi, CCO, CRISC, ISFS – Sócio-Diretor da MASSI Consultoria e Treinamento Ltda – especializada em Governança Corporativa, Compliance, Gestão de Riscos, Controles Internos, Mapeamento de processos, Segurança da Informação e Auditoria Interna. Empresa especializada no atendimento de Cooperativas de Crédito e habilitado pelo SESCOOP no Brasil todo para consultoria e Treinamento. Mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela PUC-SP, Bacharel em Ciências Contábeis pela FMU, com Pós-Graduação em Auditoria Interna e Perícia pela FECAP, Certified Compliance Officer – CCO pelo GAFM, Certified in Risk and Information Systems Control – CRISC pelo ISACA e Information Security Foundation – ISFS pelo EXIN.