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‘Não é porque vem ao FGC que o banco está com problema’

Criado em 1995 para garantir o dinheiro dos depositantes dos bancos a partir de contribuições recolhidas dos bancos, o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) assumiu papel de protagonista do sistema financeira desde a crise de 2008, dando liquidez a bancos e, mais recentemente, equilibrando déficits patrimoniais e aquisições sob argumento de prevenir crises. O fundo trabalha em linha direta com o Banco Central, conta Antonio Carlos Bueno, diretor-executivo do fundo desde 1996. Desde o ano passado, o fundo já viabilizou o resgate do PanAmericano e neste ano financiou a compra do Schahin e do Matone, com empréstimos ao redor de R$ 2 bilhões cada, respectivamente, aos bancos BMG e JBS (agora Banco Original).

Questionado sobre informações que têm circulado sobre possíveis mudanças na governança do fundo e mesmo troca de conselheiros, Bueno diz que não há o que comentar. A seguir, os principais trechos da entrevista de duas horas, concedida na sede do FGC, no bairro paulistano de Pinheiros, na segunda-feira, 21.

Valor: Desde a crise de 2008, o FGC tem comprado carteiras de crédito de bancos com necessidade de liquidez e financiado fusões de instituições. O senhor pode explicar essa mudança na forma de atuação?

Antonio Carlos Bueno: A partir da crise de 2008, por causa da instabilidade internacional, houve a necessidade de o FGC rever seu papel. O fundo passou a atuar auxiliando na liquidez do mercado. Para isso, o FGC recolheu R$ 5,4 bilhões de forma antecipada de seus cinco maiores contribuintes, passou a comprar carteiras de crédito e a dar garantias aos grandes investidores por meio do DPGE (Depósito a Prazo com Garantia Especial). Também atuamos por meio de operações especiais.

“O Banco Central não exige do fundo garantidor uma solução, que salve algum banco. Isso não existe”

Valor: O FGC continua ajudando as instituições. Por que?

Bueno: Depois da crise, veio o episódio do banco PanAmericano, que acabou reduzindo uma importante fonte alternativa de funding para os bancos, que é a venda de carteiras. Reduzimos gradativamente os limites de compra de carteira por instituição a partir do fim de 2009. Hoje está em 25% do patrimônio líquido e no auge da crise chegou a 100%. Atendemos hoje 36 bancos [na compra de carteiras], que usam um pedaço desse limite, mais para manter um mecanismo de troca do que por necessidade de funding. Eles entendem que, se vier uma crise, já sabem como funcionam os mecanismos. Cobramos uma taxa salgada porque o fundo não quer fazer concorrência com bancos que compram carteira. A taxa é de Selic mais 2% ao ano, que é alta num cenário de queda dos juros.

Valor: Esse papel do FGC mudou definitivamente? Guarda relação com a forma de atuação de outras agências de garantia de depósitos?

Bueno: A grande maioria é agência de governo. O Comitê de Basileia e a IADI [a associação internacional dos seguradores de depósitos, na sigla em inglês] publicaram em 2009 o código com os princípios de atuação das instituições de seguros de depósitos, que diz que a função é reconhecer antecipadamente possibilidades de estresse no sistema e atuar preventivamente.

Valor: Além de adquirir carteiras e garantir os DPGEs, o FGC começou a atuar em operações inclusive de déficit patrimonial. São essas que o fundo classifica como operações especiais?

Bueno: Com a crise de 2008, alguns bancos que carregavam ações em seu patrimônio ficaram mais expostos. O banco continuava normal, mas seu patrimônio foi achatado e se desenquadrou de todos as exigências patrimoniais, como Basileia. Por isso fizemos trabalhos específicos. Estudamos o negócio do banco para conceder à holding um empréstimo para que o banco pudesse reequilibrar seu patrimônio até passar a tormenta. Não vamos citar nomes, mas fizemos quatro operações desse tipo na crise. E teve uma que precisava mudar a governança, mudar de mercado e por isso foi vendida. Mas no geral tratava-se de insuficiência patrimonial momentânea e trabalhamos no reequilíbrio. Só que, para fazer esse tipo de operação, olhamos se o nicho de mercado em que o banco atua continua valendo, se o quadro de funcionários tem habilidade.

“Com o banco PanAmericano o fundo teve um prejuízo de R$ 3,35 bilhões, que já foi devidamente contabilizado”

Valor: O FGC entra no banco e faz uma análise mais ampla?

Bueno: Sim, analisa se, com esse tipo de recapitalização, ele pode tocar seus negócios naturalmente e ter resultados para nos pagar também. Checamos se o banqueiro está dizendo toda a verdade. Ou até se ele sabe toda a verdade. Às vezes, não sabe. A análise vai além daquela do número frio. Checamos a composição da carteira de crédito para saber se lá na frente terá de provisionar alguma coisa. Do contrário, você arruma R$ 50 milhões e daqui a pouco ele vai precisar de mais R$ 20 milhões. Isso tudo não significa obrigatoriamente que o banco está com problema estrutural. Em alguns casos a família envelheceu e ele quer sair do mercado porque não tem sucessão. Depois do diagnóstico, elaboramos um plano de negócios que pode contemplar a continuidade do modelo, a mudança de mercado, uma reestruturação ou a saída organizada do sistema. É preciso tomar cuidado com a palavra socorro porque muitas vezes não é isso. Na época da crise, foi tudo de repente. Houve empoçamento de liquidez e corte de crédito. Banco não dava dinheiro para banco. Isso foi aqui, na China etc. O fato de vir ao fundo não diminuiu nem engrandece. O Silvio Santos quando teve a notícia da fraude, foi a um grande banco, mas não conseguiu [empréstimo] porque tinha de analisar um monte de coisa e era muito dinheiro. Se fosse a mais um banco, quebraria o PanAmericano. Vou dar um outro exemplo para ilustrar: o Matone [que acabou vendido ao banco JBS com financiamento do FGC] tinha tirado dinheiro no mercado para capitalizar o banco, em três ou quatro bancos e não veio ao fundo, mas acabou não sendo suficiente. Nossa preocupação é deixar claro que fazer no FGC não é defeito. Ir ao redesconto do Banco Central não era um programa ruim, era operação de mercado, normal. Mas ficou estigmatizada. Depois que alguns bancos que foram ao redesconto tiveram problema, ninguém mais pode entrar no BC porque a leitura passa a ser que o banco está com problema.

Valor: Os senhor teme que isso aconteça com o FGC?

Bueno: Sim, muito. Porque tira essa liberdade de atuação que temos. Lógico que tem operações de algumas instituições que estão com problema. É natural. Mas não queremos conotação de que toda instituição que vem ao FGC está com problema porque isso não é verdadeiro. Se isso acontecer, o investidor corre [do banco]. Se a leitura for que “fui descontar a carteira no fundo porque estou quebrado”, acabou. Vamos ficar aqui com um monte de dinheiro e o banco quebra mesmo.

Valor: Como se dá a interação entre o FGC e o Banco Central?

Bueno: Tenho participado de uma série enorme de eventos internacionais de agências de seguro de depósito em todos eles há um painel específico sobre a forma de interagir com os bancos centrais. Lá fora, em geral, todos os seguradores de depósito são do governo e há entre as agências e os BCs uma disputa sobre quem manda mais. Não temos nenhum cacoete de autoridade. Isso aqui é uma empresa privada, coisa de banco. Somos facilitadores, colaboradores de alguma coisa. A interação entre o FGC e o Banco Central é impressionante. É de uma maneira informal, mas instantânea. Quando precisam, nos ligam, nos informam, nos dão andamento. O que nós da diretoria temos de formal é uma carta com compromisso de confidencialidade. Ao longo dos nossos 15 anos, o BC se acostumou com a confidencialidade do FGC. Na época da crise, trocávamos ideias sobre tudo, diariamente, no fim de semana, de noite, de madrugada.

Valor: Quando o Banco Central aciona o FGC e vice e versa?

Bueno: Não é bem o Banco Central que aciona o FGC. Salvo em algumas situações especiais. Vamos imaginar o caso desses bancos que chamaram mais atenção, que é o caso do Pan e do próprio Schahin [vendido ao BMG neste ano com financiamento do FGC]. O Banco Central detectou uma fraude no Pan. Chamaram o acionista: você tem de cobrir isso aí. Ele foi a um banco antes e não conseguiu. Aí o BC disse: vai lá no FGC e vê se resolve isso. O BC ligou aqui e explicou a situação. Na verdade, não fizemos porque o BC mandou. Se ele [Silvio Santos] tivesse levantado o dinheiro, não tinha o fundo [na operação]. O Banco Central não exige da gente uma solução, que salve algum banco. Isso não existe. O BC simplesmente mostra o problema: está com um problema de liquidez, veja se o fundo pode fazer alguma coisa. Em momento algum o Banco Central direciona a operação. Não dá uma opinião, apenas pergunta: você está trabalhando em tal assunto? Quanto tempo acha que gasta? E fica esperando o resultado. Quando o Banco Central vai a uma instituição e percebe que tem de fazer ajustes, faz um termo de compromisso com o controlador. Essa instituição é que traz o detalhe para nós. Às vezes o controlador vem aqui e não conta que tem termo de compromisso com o BC. Em geral, ele conta 50% do que sabe e só sabe 50% do que existe. Quando fechamos uma operação, contratamos uma auditoria experiente e depois mostramos o resultado para controlador, que muitas vezes se assusta. Tem passivos contingentes e tributários que muitas vezes o controlador não sabe.

Valor: Na maioria dos países as agências seguradoras de depósitos são do governo. No Brasil, não. Por que? Pode mudar no futuro?

Bueno: No Brasil, você tem a Lei de Responsabilidade Fiscal que impede que exista dinheiro do governo [no auxílio a bancos]. Hoje se criou uma cultura tão forte de que é particular, que não tem clima [para mudar]. É evidente que, se acontece uma crise do tamanho de um boi, caso o fundo não possa resolver sozinho, você terá uma ação de governo. Que tipo de ação de governo? Cada situação vai definir. Quando começou a crise de 2008, que a gente não sabia até onde iria, conversávamos muito com o Banco Central, com a área econômica do governo. E se faltar dinheiro para o fundo? Não, não falta. Se faltar, emite medida provisória, capitaliza o fundo, as instituições ficam devendo e depois pagam. Você tem mecanismos para isso, não precisa botar dinheiro de governo. Quando envolve dinheiro de governo você perde agilidade. O banco não consegue esperar. O tempo do banco é diferente do tempo da política. No direito público, só se faz o que é permitido. No privado se faz o que não é proibido.

Valor: Em casos como o do PanAmericano, do Matone e do Schahin tornou-se público que o FGC financiou as instituições que compraram esses bancos. De qual forma? Isso não traz risco para o fundo?

Bueno: Não, o fundo se garante. O fundo perdeu dinheiro no PanAmericano, contabilizou uma perda de R$ 3,35 bilhões, tudo como deveria ter feito. O que você precisa levar em conta é quanto que o fundo perderia numa quebra do banco. Quanto o mercado perderia também, e o investidor estrangeiro? O PanAmericano tinha captação no exterior e, numa época de crise, um default de uma dívida dessa ia arrastar todos os outros bancos com captação lá fora. E aqui tinha outra história ainda: 51% era de um dono e 49% da Caixa. Só que a Caixa não era dona ainda. O Banco Central não tinha autorizado ainda ela a ser sócia. Estava lá o processo. Mas é inegável que muitos investidores, se quebrasse, diriam: entrei lá porque a Caixa anunciou que tinha comprado. Imagina se quebra? No exterior iriam dizer: se no Brasil até banco do governo quebra, e os outros então? Onde está a solidez de que falam?

Valor: E no Schahin?

Bueno: No Schahin, era o mesmo tipo de situação, sem fraude. Era insuficiência patrimonial, mas de outra natureza, de operação de crédito, de necessidade de provisão. Eles foram muito penalizados durante a crise. O fundo lá ia perder algo em torno de R$ 1 bilhão entre garantias ordinárias e DPGE. Um comprador [Banco BMG] levou a operação.

Valor: E o fundo sempre se garante nessas operações?

Bueno: Nesse casos, as garantias são tantas que a lista vem em DVD. Casa, apartamento, terreno, carteira de crédito. Sempre do comprador. Bem, depende do caso. Uma parte do [empréstimo para compra do] Schahin foi feita mediante correção de IPCA. A diferença para Selic foi garantida pelo Schahin [e não pelos controladores do BMG]. O custo de oportunidade do fundo é Selic.

Valor: De qual forma o FGC chega aos eventuais compradores? Há um critério?

Bueno: Alguns bancos têm vindo ao FGC dizendo que não querem mais [participar do sistema financeiro]. Tem muitos bancos que pertencem a investidores. E vem o Banco Central e pede mais capital ou baixa nova regulamentação e esses vendedores acabam procurando o fundo. Ao mesmo tempo, o Banco Central entendeu que, se uma instituição de fora ou grupo nacional quiser abrir um banco, em vez de dar licença, melhor comprar o banco que está à venda porque mais cedo ou mais tarde pode dar problema. Juntamos quem quer comprar com outro que possa servir. Ligo para o vendedor e digo que há interessado e o resto é entre as partes. Uma licença demora pelo menos um ano e meio. O que o Banco Central fala: dá uma passada no fundo e vê se não tem uma instituição que serve para você. E aí a aprovação [pelo BC] leva 15 dias, 20 dias. Temos bancos limpos, por exemplo. Tem muito mais comprador do que banco para ser vendido.

Valor: Quem são as pessoas no FGC que tomam essas decisões?

Bueno: Depende do tipo de decisão. Quando é uma operação mais parruda, como PanAmericano, é o conselho. Quando é um banco que quer comprar e outro vender é aqui na diretoria.

Valor: Quanto do patrimônio do FGC está investido em papéis com risco de crédito dos bancos?

Bueno: Com risco de recebíveis de crédito tem R$ 5 bilhões [empréstimos aos bancos garantidos por carteiras de crédito]. E outros R$ 6,5 bilhões de risco de banco. De caixa, o FGC tem R$ 16,4 bilhões. E um patrimônio líquido de R$ 27,4 bilhões. Dos R$ 6,5 bilhões de risco de banco de mais longo prazo, tudo tem garantia. Do PanAmericano aqui só tem R$ 450 milhões, porque R$ 3,8 bilhões [do empréstimo do fundo para cobrir o rombo] menos R$ 450 milhões [pagos pelo BTG na compra], dá R$ 3,35 bilhões, que já foram contabilizados como prejuízo. Os R$ 450 milhões crescem à razão de 110% do CDI ao ano e já estão em R$ 480 milhões. As ações de bancos nunca são garantia de nada, porque se o banco quebrar viram pó. Pegamos só para incomodar [o controlador], para impedir que distribua dividendo. E, com a ação em garantia, se quiser vender o banco, o dono terá de passar por aqui. Se o banco tiver lucro, pode capitalizar o banco ou pagar o FGC.

Valor: A partir do ano que vem, o limite de emissão de DPGE por parte dos bancos cairá, mas o cenário não é favorável à emissão de títulos de dívida externa e nem a ofertas de ações. O FGC ajudará de alguma forma esses bancos?

Bueno: O DPGE foi emergencial. O que criamos foi uma escadinha para a saída. Vamos manter isso. E os bancos vão aos poucos se ajeitando. Estão criando FIDCs para achar outros investidores. A redução do limite do DPGE só seria problema se os bancos estivessem com seus limites tomados. Para 95% dos bancos, não acontece nada porque estão abaixo do limite. O fato é que é um instrumento poderoso que tem de ir por si só morrendo.

Valor: Os ajustes no sistema já acabaram?

Bueno: Não temos nenhuma instituição com a qual estamos trabalhando que tenha problema. Instituições que tinham algum desconforto ou já se acertaram ou já vieram aqui conversar conosco. Aparentemente não tem problema. Agora, pode ter instituição que não tenha vindo aqui. O fato é que o próprio BC começou a fazer marcação homem a homem. Conhece na palma da mão a situação de todo mundo.

Valor: Qual o tamanho da equipe do FGC? Além da equipe interna, o FGC conta com algum auxílio externo?

Bueno: O fundo tem na operação central hoje sete, oito pessoas, fora o pessoal de apoio. Na estruturação é que o grupo é pequeno, até porque tem de ser. Na estruturação somos nós, eu e o Celso Antunes da Costa. Depois mostramos para conselho que faz alguns retoques. E tem ajuda externa quando precisamos. Por exemplo uma auditoria para confirmar um fluxo de caixa de uma empresa. Tem consultor jurídico e o pessoal que trabalha com o Gustavo Loyola, o Paolo Zaghen e o Cláudio Mauch. Depende muito do que aparece.

Fonte: Carolina Mandl e Vanessa Adachi, Valor Economico

marcos

Professor, Embaixador e Comendador MSc. Marcos Assi, CCO, CRISC, ISFS – Sócio-Diretor da MASSI Consultoria e Treinamento Ltda – especializada em Governança Corporativa, Compliance, Gestão de Riscos, Controles Internos, Mapeamento de processos, Segurança da Informação e Auditoria Interna. Empresa especializada no atendimento de Cooperativas de Crédito e habilitado pelo SESCOOP no Brasil todo para consultoria e Treinamento. Mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela PUC-SP, Bacharel em Ciências Contábeis pela FMU, com Pós-Graduação em Auditoria Interna e Perícia pela FECAP, Certified Compliance Officer – CCO pelo GAFM, Certified in Risk and Information Systems Control – CRISC pelo ISACA e Information Security Foundation – ISFS pelo EXIN.