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KPMG ignorou evidências de fraude, diz MP

Bco Cruzeiro do SulAceitação de gravações telefônicas como prova da existência de operações de crédito. Reconhecimento de contratos de empréstimos sem assinaturas. Falta de contestação de taxas de retorno superestimadas. Essas foram algumas das falhas que, segundo a comissão de inquérito do Banco Central, a KPMG cometeu de 2007 a dezembro de 2011 ao realizar a auditoria das contas do banco Cruzeiro do Sul, liquidado em setembro do ano passado depois da descoberta de um rombo de R$ 2,24 bilhões.

Os problemas detectados pelo BC levaram o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP) a protocolar na Justiça uma ação civil pública que pede a responsabilização da firma de auditoria KPMG pelos prejuízos causados a depositantes e credores com a quebra do Cruzeiro do Sul, conforme antecipou na terça-feira o Valor Pro, serviço de informações em tempo real do Valor.

A ação responsabiliza também a Ernst & Young, que auditou o balanço do Cruzeiro no primeiro trimestre de 2012, além da Cruzeiro do Sul Holding Financeira e 14 pessoas físicas, entre ex-diretores e ex-conselheiros do banco, incluindo os dois ex-controladores, Luis Felippe Indio da Costa e Luis Octavio Indio da Costa, pai e filho.

Todas as outras denúncias eram esperadas, mas a implicação formal de KPMG e Ernst & Young foi surpreendente. Em casos anteriores de rombos em bancos, a responsabilidade das firmas de auditoria nunca antes chegou a ser discutido na Justiça.

No entendimento do MP, as duas firmas devem ser solidárias na indenização dos prejuízos causados a clientes e credores do banco e, entre outras medidas, solicita o arresto de bens de ambas. Caberá ao juiz da 2ª Vara de Falências e de Recuperações Judiciais de São Paulo decidir se aceita ou não a demanda do MP.

Com base no relatório da comissão de inquérito instituída pelo Banco Central para apurar as causas da quebra do banco, os promotores Eronides Santos e Joel Bortolon Junior concluíram que KPMG e Ernst & Young falharam no dever de detectar a existência de operações de crédito fraudulentas ou problemáticas no banco, apesar de terem se deparado com fartos indícios nesse sentido.

As principais acusações recaem sobre a KPMG, que auditou o balanço do Cruzeiro por cinco anos. A ação inicial do MP traz descrição detalhada das evidências encontradas pela empresa ao longo dos últimos anos e sistematicamente ignoradas, não tendo resultado em ressalvas nas demonstrações financeiras do Cruzeiro ou em outro tipo de providência.

O relatório da comissão de inquérito do BC, usado como base da ação do MP, descreve que a KPMG realizava a chamada circularização para comprovar a existência de operações de crédito do Cruzeiro. Esse procedimento padrão consiste em enviar cartas a clientes para checar a existência dos contratos. Segundo a comissão, de 2007 a 2011, o percentual de cartas não respondidas quase sempre ficou acima de 90%, tendo alcançado 99,2% em dezembro de 2009.

Diante de tal percentual, por norma, a KPMG era obrigada a adotar um procedimento alternativo de checagem. A escolha foi por solicitar ao próprio banco os contratos físicos das operações de crédito. No entanto, de 2007 até o primeiro semestre de 2009, o volume de contratos entregues à auditoria era baixíssimo, chegando a zero em dados momentos.

A partir do segundo semestre de 2009, o banco passa a entregar volume considerável de contratos, mas então surgem novas evidências de problemas. A principal delas é que muitos contratos não possuíam numeração, sendo impossível relacioná-los a determinadas operações de crédito. Apesar disso, a KPMG optou por atestar a existência dos empréstimos.

A comissão de inquérito quatro casos em que a auditoria aceitou apenas gravações de voz como prova das operações. Muitos contratos tinham, ainda, divergências de nomes e valores ou estavam sem assinatura. A KPMG não solicitou cópias de RG ou comprovantes de renda dos clientes para confirmar sua existência, aponta o relatório da comissão de inquérito. “Contratos físicos desacompanhados de documentação cadastral dos clientes são prova de auditoria frágil, uma vez que podem ser ‘forjados'”, diz o texto do MP.

Tudo isso, concluem a comissão do BC e o MP, deveria ter sido considerado indício de fraude pela KPMG. Mas nada foi feito para alertar acionistas, clientes, credores ou autoridades.

Já em trabalhos feito pela KPMG para os balanços de junho e dezembro de 2011, a auditoria solicitou ao Cruzeiro o lastro de operações cedidas a fundos de investimento em direitos creditórios (Fidcs). “Nestes casos, o percentual de entrega dos contratos foi muito superior ao teste de circularização”, diz o MP. Variou de 88% a 100%. Diante de resultados discrepantes obtidos por diferentes equipes de profissionais, a auditoria deveria ter questionado as evidências, diz o MP. Além disso, segundo o MP, repetindo uma falha anterior, mais uma vez não foi verificada a documentação dos clientes.

Para os promotores, outra falha da KPMG está na verificação da taxa de juro que as carteiras de crédito consignado rendiam ao Cruzeiro do Sul. Desde o terceiro trimestre de 2010, a KPMG notou que as taxas eram superavaliadas pelo banco, o que deveria exigir exames adicionais dos auditores. No quarto trimestre de 2011, a estimativa ficou 491,8% superior à real.

Falhas nos sistemas de tecnologia da informação do banco também foram detectadas pela auditoria, sem que a KPMG concluísse que existiam riscos às demonstrações financeiras apresentadas pelo Cruzeiro do Sul.

No caso da Ernst & Young, a acusação é menos grave. O período pelo qual a firma auditou o balanço do banco foi reduzido. Contratada pelo Cruzeiro do Sul em abril de 2012, a empresa auditou apenas o balanço do primeiro trimestre daquele ano. Reviu também o trabalho já feito pela KPMG no quarto trimestre de 2011. Segundo o MP, a firma falhou em etapa obrigatória do procedimento de auditoria. Não pegou dos administradores do banco a chamada “carta de representação”. É um documento no qual a administração das empresas afirma que forneceu aos auditores dados corretos para a checagem, inclusive informações sobre suspeitas de fraude. Erro semelhante foi cometido pela KPMG para o segundo semestre de 2010 e para o ano de 2011.

Procurada, a KPMG informou que não se manifestaria porque ainda não foi notificada sobre a ação. A Ernst & Young enviou a seguinte nota: “Sobre o parecer do Ministério Público envolvendo o Cruzeiro do Sul, a Ernst & Young informa que não comentará o caso até que o departamento jurídico possa ser consultado a fim de esclarecer se tal documento já foi entregue à empresa. Além disso, a Ernst & Young tem como política não comentar casos que envolvam clientes de auditoria”.

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marcos

Professor, Embaixador e Comendador MSc. Marcos Assi, CCO, CRISC, ISFS – Sócio-Diretor da MASSI Consultoria e Treinamento Ltda – especializada em Governança Corporativa, Compliance, Gestão de Riscos, Controles Internos, Mapeamento de processos, Segurança da Informação e Auditoria Interna. Empresa especializada no atendimento de Cooperativas de Crédito e habilitado pelo SESCOOP no Brasil todo para consultoria e Treinamento. Mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela PUC-SP, Bacharel em Ciências Contábeis pela FMU, com Pós-Graduação em Auditoria Interna e Perícia pela FECAP, Certified Compliance Officer – CCO pelo GAFM, Certified in Risk and Information Systems Control – CRISC pelo ISACA e Information Security Foundation – ISFS pelo EXIN.