Eles vão resistir?
Nada está tão ruim que não possa piorar. É com esse clichê que os bancos pequenos e médios têm convivido nos últimos quatro anos. Mal iniciaram o processo de recuperação após a quebra do banco americano Lehman Brothers em 2008, que, em uma espécie de efeito cascata, minou os negócios do setor financeiro no mundo todo, agora essas instituições se veem ligadas a um emaranhado de problemas que envolvem de fraudes a má administração e, por fim, a quebra de várias instituições. PanAmericano, Morada, Cruzeiro do Sul, Schahin e BVA são alguns exemplos recentes e, na avaliação de especialistas na área, não devem ser os últimos. Somados, os rombos provocados por essas instituições chegam a R$ 8 bilhões. Não bastasse a crise de imagem, o clima de apreensão secou os cofres internacionais, agravando um já complicado cenário de escassez de recursos enfrentado pelo setor.
“Mais situações como essa devem ocorrer, tanto por causa da contabilidade criativa [eufemismo para definir fraude] quanto porque o custo de captação ficou muito alto, devido à crise de confiança que enfrentam essas instituições atualmente”, argumenta o consultor Marcos Assi, autor do livro Gestão de Riscos com Controles Internos – Ferramentas, Certificações e Métodos para Garantir a Eficiência dos Negócios. Para Luciano Duarte Peres, advogado especializado em direito bancário e presidente do IBDConB (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor Bancário), os problemas pelos quais essas instituições passam hoje têm um ponto em comum: o subprovisionamento. “Somos classificados em letras, que vão de A a H. Dependendo do seu nível, o banco tem de provisionar de 0,5% do valor do empréstimo a 100%, e isso não é feito de forma correta. Por isso digo que a probabilidade de novas quebras não está descartada”, afirma.
Somada ao provisionamento, segundo Peres, está a falta de corpo técnico por parte dos agentes regulatórios para fazer a fiscalização desses bancos. Além disso, complementa o advogado, há questões macroeconômicas bem conhecidas da população brasileira, como taxas de juros ainda muito altas se comparadas às de países desenvolvidos – que comprimem as margens de lucro e fazem com que muitas instituições maquiem dados para simular uma falsa saúde financeira. “Diante de qualquer intempérie, como o aumento da inadimplência, um banco de menor porte sofre muito mais do que as grandes instituições”, diz Peres. Apesar do cenário desfavorável, ele pondera que o governo tem atuado de forma mais firme, o que, em parte, explica porque se tem visto mais casos de intervenção e liquidação de instituições financeiras, do ano passado para cá.
O sócio do escritório MHM (Madrona, Hong, Mazzuco), Antonio Mazzuco, tem opinião semelhante à de Peres. Para o especialista em recuperação e falência de empresas, a possibilidade de que mais bancos desse porte deixem de existir está ligada à demora na identificação de fraudes pelos órgãos fiscalizadores. Mazzuco destaca ainda que a morosidade da Justiça em punir quem comete crimes financeiros ajuda a agravar o quadro. “Quando o sistema judiciário é eficiente, existe um desestímulo ao fraudador e não é o que vemos por aqui. Não existe isso de ‘a Justiça tarda, mas não falha’. Uma Justiça tardia não nos serve de nada. É só pegar o exemplo do PanAmericano. Passados três anos, ninguém foi punido”.
A Polícia Federal encerrou em fevereiro deste ano o processo que investigou crimes financeiros cometidos no banco que era de Silvio Santos, quase dois anos depois da descoberta de um rombo de R$ 4,3 bilhões na instituição. Ao todo, foram indiciadas 22 pessoas. Entre os crimes pelos quais, caso condenadas, deverão responder, estão formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e “caixa dois”. O PanAmericano conseguiu sobreviver graças ao aporte de R$ 450 milhões feito pelo BTG Pactual, de André Esteves, pelo seu controle.
Cruzeiro do Sul e BVA são outros casos de instituições com problemas. O primeiro tem à frente Luis Octavio Indio da Costa e seu pai, Luis Felippe Indio da Costa, que chegaram a ficar presos por cerca de 20 dias – o primeiro ainda foi multado em R$ 300 mil pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), por não ter divulgado fato relevante avisando sobre a negociação para a aquisição do banco Prosper, no ano passado.
As duas instituições financeiras sofreram intervenção do Banco Central e foram liquidadas em setembro, depois de fracassarem negociações para sua venda a outros bancos – o Santander era o mais cotado para assumir o Cruzeiro do Sul, cujo rombo, segundo uma auditoria divulgada em agosto, chega a R$ 2,236 bilhões. Luis Octavio é suspeito de crimes contra o sistema financeiro, contra o mercado de capitais e de lavagem de dinheiro. De acordo com a Polícia Federal, o banqueiro pode pegar até 12 anos de prisão, caso seja condenado.
Sob intervenção do BC (Banco Central) desde 19 de outubro, prazo final para que conseguisse um aporte de R$ 1 bilhão para recompor seu patrimônio, o BVA é outro que corre o risco de ser liquidado. Controlado por José Augusto dos Santos e Ivo Lodo e especializado em concessão de crédito para companhias de médio porte, a administração da instituição foi repassada às mãos do BC por conta de um “grande problema de subprovisionamento”, ou seja, havia empréstimos com valores mais altos do que os recursos necessários para cobri-los. Segundo o BC, o BVA detém 0,17% dos ativos do sistema financeiro nacional e 0,24% dos depósitos.
FISCALIZAÇÃO
Apesar de serem os exemplos mais recentes, BVA e Cruzeiro do Sul não estão sozinhos e, segundo analistas, não serão os últimos. Embora o Sistema Financeiro Nacional brasileiro seja um dos mais sólidos do mundo e as maiores instituições do país tenham um alto grau de confiança no que diz respeito ao cumprimento do Índice de Basileia – conjunto de exigências que devem ser respeitadas pelos bancos comerciais no mundo todo –, a fiscalização ainda é um assunto polêmico. O fato de o BC não supervisionar a fundo os empréstimos abaixo de R$ 5 mil permitiu, por exemplo, que muitas instituições desenvolvessem esquemas bem refinados para faturar em cima dessa brecha.
Ciente da falha, em abril a autoridade monetária reduziu para R$ 1 mil o valor mínimo dos empréstimos contabilizados no SCR (Sistema de Informações de Crédito), instrumento de registro e consulta de informações sobre as operações de crédito no país, administrado pelo BC. O Banco Central também trabalha na criação de um departamento de conduta, que terá a função de fiscalizar, entre outras coisas, as tarifas cobradas pelas instituições bancárias.
Segundo o BC, cerca de mil servidores trabalham na área de supervisão, cobrindo um universo de aproximadamente 2 mil instituições bancárias e não bancárias. Para a autoridade monetária, o processo vem sendo cumprido de forma eficaz. Ao mesmo tempo, porém, a autarquia reconhece que um número maior de funcionários facilitaria uma apuração mais detalhada. Um novo concurso para aumentar o quadro de profissionais é cogitado pelo governo, porém nada foi definido ainda.
São supervisionadas por mês cerca de 480 milhões de operações, de acordo com o BC. Para alguns especialistas, porém, o que vale é a qualidade da fiscalização e não a quantidade. “Os bancos centrais precisam observar o aumento da carteira de crédito das instituições, que sempre deve estar relacionado ao crescimento do PIB [Produto Interno Bruto] e à taxa de inflação. Se a soma dos dois no ano foi de 8%, por exemplo, é no mínimo temerário que a carteira de crédito cresça 30%. Infelizmente, alguns BCs não estão atentos a isso”, diz Eduardo Martínez-Abascal, professor de Gestão de Finanças da escola de negócios Iese (da Universidade de Navarra) e PhD em Economia e em Ciências de Negócios pela Universidade de Barcelona.
Mudanças para o sistema
Diante das dificuldades enfrentadas hoje pelos bancos médios, principalmente no que diz respeito à captação de recursos, algumas tentativas vêm sendo feitas no sentido de melhorar o quadro. Uma das mais recentes foi a ampliação do número de instituições que podem se beneficiar de incentivos para negociação de carteiras de crédito. Antes limitado a bancos com patrimônio de até R$ 2,2 bilhões, agora o incentivo vale também para aqueles com ativos de até R$ 3,5 bilhões. A nova regra do BC permite que bancos maiores comprem carteiras de crédito de instituições com esse perfil com recursos do depósito compulsório, espécie de poupança do sistema financeiro nacional. A medida vale desde setembro, mas, na época, o teto fixava o tamanho dos bancos em junho deste ano e não no mesmo mês de 2011, o que deixou algumas instituições de fora.
Outra ajuda do governo são os DPGE 2 (Depósitos a Prazo com Garantia Especial), criados por uma resolução do CMN (Conselho Monetário Nacional), em julho deste ano. Os DPGE 2 são mecanismos de captação de recursos e uma variação dos DPGEs, surgidos durante a pior fase da crise financeira mundial, em 2009. Os dois contam com garantia do FGC (Fundo Garantidor de Créditos), que assegura ao investidor o resgate de seu dinheiro – no limite de R$ 20 milhões – caso o banco sofra intervenção ou seja liquidado. Segundo o BC, a diferença é que no DPGE 2 o banco terá menos custos. Em vez de pagar ao FGC 1% ao ano do total emitido com DPGEs, dará como garantia recebíveis de crédito – valores que as instituições têm a receber pelos empréstimos concedidos –, o que fará o percentual cair para 0,3%.
Segundo Renato Oliva, presidente da ABBC (Associação Brasileira de Bancos), que reúne cerca de 190 instituições de menor porte, outra estratégia que vem sendo usada por esses bancos é o aumento da liquidez. “Desde 2010, essas instituições têm emprestado menos, apostando mais na sua liquidez. É uma medida prudente nesse período de turbulência”, afirma.
Apesar de reconhecer que o setor vive um período de descrédito e desaceleração dos negócios, Oliva garante que a saúde financeira dos bancos médios vai muito bem. “Temos um mercado sólido, que continua em expansão. É claro que há um problema financeiro mundial. Globalmente, cerca de 500 instituições foram liquidadas nos últimos dois anos. Mas é um momento, há um mal estar e depois passa”, diz o presidente da ABBC. Quanto à concorrência com os grandes bancos em decorrência da queda dos juros, Oliva defende que há um movimento contrário. “Desde 2007, os bancos maiores buscam alternativas para aumentar suas margens, não é uma coisa recente. O que existia antes é que determinada instituição fazia acordo de exclusividade com um grande varejista e agora isso não está mais acontecendo. Não existe mais essa exclusividade. Eles querem distribuir mais seus riscos e com isso os bancos menores ganham mais espaço”, afirma Oliva.
Problemas por todos os lados – Casos recentes de irregularidades
BVA
Sede: Rio de Janeiro
Número de agências: 7 (Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo)
Número de clientes: 1.565
Rombo: R$ 550 milhões
Situação: Sofreu intervenção em outubro de 2012
Cruzeiro do Sul
Sede: São Paulo
Número de agências: 9
Número de clientes: 1.551
Rombo: R$ 2,236 bilhões
Situação: liquidado em setembro de 2012
Morada:
Sede: Rio de Janeiro
Número de agências: 1
Número de clientes: 6 mil
Rombo: R$ 110 milhões
Situação: liquidado em outubro de 2011
Panamericano:
Sede: São Paulo
Número de agências: 1
Número de clientes: 1.512
Rombo: R$ 4,3 bilhões
Situação: vendido para o BTG em janeiro de 2011
Schahin
Sede: São Paulo
Número de agências: 2
Número de clientes: 2.365
Rombo: R$ 1,1 bilhão
Situação: vendido para o BMG em abril de 2011. Ministério Público, Polícia Federal e Banco Central investigam irregularidades nos balanços do banco
Quebrou. E agora?
Segundo o advogado Luciano Duarte Peres, o consumidor cuja aplicação esteja em uma instituição que sofreu intervenção do Banco Central ou foi liquidada deve relatar o caso ao Conselho Monetário Nacional e ao interventor do banco, por meio de um e-mail simples. “Como cada caso funciona de forma diferente, eu aconselho o cliente a agir dessa forma”, diz. Peres afirma que o mesmo deve ser feito por quem tem saldo devedor, antes mesmo de pagar a dívida, pois nessas situações corre-se o risco de o valor do pagamento não ser computado. De acordo com o advogado, a resposta nesses casos costuma ser rápida, em cerca de cinco dias. Mais demorado, porém, é o resgate do dinheiro, que só deve acontecer depois de resolvida a situação do banco. “O consumidor vai entrar em uma lista de credores e pode levar bastante tempo até que consiga reaver o valor retido”.
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