Concordata: Três lições da quebra da MF Global
O número que acabou matando a MF Global Holdings Ltd. permanece enterrado na página 139 do pedido de concordata.
Na segunda linha da tabela da página 78 do último relatório anual da corretora se lê: “Outras obrigações soberanas — US$ 6,3”. A coluna acima traz o estúpido título “Valor Nocional” e daí, um pouco mais abominavelmente, “em bilhões.”
Hoje esse número sobre a exposição da firma a títulos de países europeus problemáticos, como Espanha e Itália, se destaca de tão tóxico. Mas por muito tempo, essa aposta desproporcional feita por Jon S. Corzine, o então diretor-presidente da companhia, passou desapercebida pela maioria do mercado.
A autoridade de autorregulamentação do mercado americano, a Finra, percebeu a exposição em junho e obrigou a MF Global a aumentar seu capital. A companhia divulgou a medida no dia 1 de setembro, mas poucos notaram.
Depois que o The Wall Street Journal escreveu sobre o aumento de capital semanas depois, os mercados começaram a ficar preocupados e o resto, como se diz, é história.
Ou talvez apenas uma triste história cujos capítulos incluem: uma das dez maiores falências dos Estados Unidos; 150.000 clientes incapazes de acessar suas contas durante dias, e um mistério continuo sobre aonde foram parar os US$ 600 milhões dos clientes.
De diversas maneiras, a MF Global é prova de que o processo de destruição criativa de Wall Street funciona.
Uma companhia lutando para ganhar dinheiro, um diretor-presidente determinado (“Nós temos que correr riscos”, disse Corzine. Ele manteve a promessa) e uma decisão errada em meio à turbulência dos mercados: isso é suficiente para destruir uma companhia com US$ 40 bilhões em ativos e milhares de clientes.
No mundo darwinista da alta finança, ninguém deveria estar derramando lágrimas. Como Frank Partnoy, um professor de direito e finanças na universidade de San Diego, fala: “O fracasso ilustra o quanto os mercados financeiros significam fé e confiança. Quando você perde isso, já era.”
No entanto, existem outras lições a serem aprendidas com a morte da MF Global:
— Buracos contábeis têm que ser fechados e a supervisão, melhorada.
A MF Global escondeu suas operações de risco através de uma transação complexa chamada “recompra no vencimento”, penhorando títulos para terceiros em troca de empréstimos, com a promessa de comprá-los de volta na data de vencimento deles.
Isso possibilitou à companhia tirar bilhões de dólares em títulos europeus do seu balanço tratando-os como vendas. Também excluiu a aposta europeia da carteira de valores sujeitos a riscos, uma medida de operação de risco.
A PricewaterhouseCoopers, auditora da MF Global, não quis comentar. Mas dois especialistas em contabilidade, Edward Ketz, da Universidade da Pensilvânia, e Tom Selling, do blog Accounting Onion, disseram que as recompras já foram na melhor das hipóteses uma operação de cunho duvidoso na melhor da hipóteses.
Na opinião deles, o Conselho de Padrões de Contabilidade Financeira, conhecido pela sigla Fasb, um observador da indústria, deveria ter resolvido os problemas, como a ambígua noção de “venda” nas recompras, quando um problema parecido surgiu depois da quebra do Lehman Brothers Holdings Inc. Em um comunicado, o Fasb disse que as orientações revisadas em abril deixaram “substancialmente mais difícil” para as companhias “tratarem acordos de recompra como vendas fora do balanço.”
Antes que outras empresas acabem em dificuldade, o Fasb deveria declarar “as recompras na maturidade” ilegais ou forçar as companhias a serem muito mais honestas em relação ao riscos fora dos balanços.
— Firmas financeiras não-bancárias deveriam ter um regulador centralizado
Companhias menores são reguladas por uma colcha maluca de agências. Com não menos que quatro reguladores já de olho na MF Global – mas nenhum realmente monitorando os riscos cotidianos – a verdadeira situação da empresa passou despercebida.
A medida da Finra em junho foi claramente a resposta correta, mas nenhum regulador tomou isso como uma conclusão lógica e pediu a redução das apostas da MF Global na Europa.
O colapso da MF Global realça a importância de se ter um regulador centralizado para as pequenas firmas – como o Federal Reserve, o banco central americano, para os grandes bancos. Um único órgão seria responsável por assegurar que as divulgações são transparentes e as finanças sólidas.
— Os responsáveis pela regulamentação devem levar em conta tanto as firmas que não oferecem risco “sistêmico” quanto os bancos “grandes demais para fracassar”
O esforço regulatório pós-crise se concentrou nas grandes instituições. O fim da MF Global validou essa abordagem porque não causou uma apreensão no mercado no estilo do Lehman.
Os reguladores que redigem atualmente as milhares de regras necessárias para implantar a lei Dodd-Frank de reforma do sistema financeiro americano deveriam considerar os efeitos do foco deles nos grandes bancos no sistema bancário “sombra”, ou paralelo.
O risco financeiro é como um líquido enchendo uma bolsa plástica: se ele é espremido num canto, vai se mexer para todos os lados, aumentando a pressão em outras áreas. Para evitar que o saco estoure, os investidores e reguladores precisam monitorar onde está o risco.
Graças a MF Global, eles agora sabem o lugar onde não deveria estar: enterrado na página 78.
Fonte: Francesco Guerrera, WSJ