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Compliance precisa mudar práticas de gestão e de liderança para funcionar

canstockphoto8056973Muitos dos esforços para enfrentar o desafio da ética, minimizar os graves desvios e evitar os escândalos nas empresas tendem a ter resultados muito limitados se não considerarmos a necessidade de se repensar fundamentalmente as práticas de gestão e o estilo de liderança.

Em nossa coluna da semana passada, falamos que algumas das novas tendências atuais de compliance podem ter pouco sucesso. Mais controles, mais códigos de conduta tão detalhados e minuciosos quanto inócuos, hotlines para estimular denúncias que geram desconfianças e poucos resultados práticos, comunicações internas com explicitação de crenças e valores que poucos levam a sério… Tudo isso parece ter pouca eficácia.

O setor público vem, há décadas, implementando códigos de ética, leilões eletrônicos e outros para orientar suas compras. E o que vemos são escândalos e desvios por todos os lados. Mas como lidar, então, com essas sérias questões de roubos, práticas desonestas e ilegalidades nas empresas em geral? Quais são as abordagens e alternativas possíveis?

Precisamos enfrentar o desafio do compliance com um novo sistema de gestão e um diferente estilo de liderança. O pensamento e as práticas lean (enxutas) têm algumas ideias sobre isso.

Antes de qualquer coisa, compliance pode ser visto de uma forma ampla. Significa cumprimento, concordância, obediência e submissão. A definição e o cumprimento das regras ou, como preferimos dizer, dos padrões são elementos centrais da gestão lean.

Devemos ter padrões para tudo o que é importante. Padrão não é igual a burocracias e controles inúteis e irrelevantes. Tem a ver com a maneira como se faz o trabalho para atingir um determinado nível esperado de desempenho. Mas é preciso ir além de simplesmente definir esses padrões. Precisamos saber se eles estão sendo cumpridos. Assim, devemos ter condições de perceber, a cada momento, como as atividades (e o desempenho) estão se comportando com relação ao previsto ou esperado.

Nossa premissa é acreditar que as pessoas, em sua grande maioria, estão interessadas em fazer um bom trabalho. Se há ilegalidades ou anormalidades, isso significa que há algo profundamente equivocado com os processos utilizados nas empresas e/ou nos pressupostos e valores da liderança.

As duas questões centrais para lidar com problemas de compliance, então, são liderar pelo exemplo e mudar as práticas de trabalho e de gestão.

1. Liderar pelo exemplo

Compliance não é só para os outros. Deve começar na direção. A liderança precisa começar a tornar suas práticas transparentes, estabelecendo propósitos claros e prioridades alinhadas. Transparência deve ser para todos, mas começa de cima. Para isso, a direção pode usar práticas já conhecidas da gestão lean, como, por exemplo, a gestão visual.

Empresas lean mais avançadas têm uma “sala de guerra” estratégica onde os principais indicadores são dispostos abertamente, e seu desempenho, acompanhado em reuniões periódicas. E a mesma ideia vale para tudo o que é relevante. Transparência começa de cima. Em alguns hospitais, começa-se colocando indicadores em quadros visíveis, a começar pelos indicadores do negócio. Mas isso não basta.

Se há conflitos de interesse na direção e se a empresa não decidiu enfrentá-los, aos menos essas relações podem ficar transparentes para os interessados. Por exemplo, se um médico que está na direção de um hospital contratar os serviços de sua própria empresa, as formas de remuneração, os acordos e regras, o desempenho e a avaliação podem estar abertos a todos os diretamente envolvidos e interessados.

O propósito de uma empresa precisa focalizar nas necessidades dos clientes, naquilo que é efetivamente valor para eles. A direção precisa ser capaz de criar um sistema de gestão que estabeleça claramente a conexão do trabalho de cada colaborador com esse propósito.

2. Mudar as práticas de trabalho e de gestão

Todas as atividades relevantes, tudo aquilo que impacta diretamente o cliente e o desempenho da empresa, precisam ter a mesma abordagem de definir padrões, expor os desvios e resolver. Por exemplo, entre tantas práticas organizacionais relevantes na área da saúde, podemos querer saber: como está o consumo de combustível das ambulâncias e veículos? Ou como estão os erros das áreas de contabilidade em relação aos das contas a pagar ou a receber? Estamos pagando mais exames do que necessário? Como está o desempenho na cura dos pacientes de cirurgias? Como estão evoluindo as taxas de infecção hospitalar? E as taxas de reinternações não programadas?

Em todos esses temas, podem existir – e frequentemente ocorrerão – desvios ou problemas com relação ao esperado ou previsto, aquilo que definimos como padrão. Para isso, uma gestão visual pode envolver tanto o trabalho sendo realizado como os indicadores esperados. E, evidentemente, o desempenho real em uma cadência coerente com aquilo que está sendo acompanhado.

Essa “gestão visual” da qual falamos é muito diferente do que muitos hospitais vêm adotando, que é a prática de expor indicadores passivos que refletem dados “antigos”, distantes do momento presente. Assim, pouco sentido ou efeito prático têm. Muito diferente disso, a “gestão visual” no sistema lean deve ser capaz de expor os problemas e gerar ações de melhoria imediatas.

A gestão visual deve, assim, servir para expor problemas ou desvios entre o esperado e o real. E estimular a todos os envolvidos que se engajem em sua resolução. E também a se comprometer a fazer melhorias. Sem isso, os padrões viram ficção, burocracia e se tornam irrelevantes. E gestão visual vira poluição visual, papel nas paredes cheias de informações pouco relevantes e usadas, como ocorre com a “gestão à vista”, praticada hoje em boa parte dos hospitais.

Pode ser necessário um mapa de riscos de desvios financeiros, assim como há mapas de risco de segurança ou itens que potencialmente afetam a qualidade ou a ergonomia. Igualmente, precisam tornar-se instrumentos vivos e úteis, não servindo apenas para ticar “checklists” inócuos. E pode ser necessário ter algumas auditorias. Mas elas podem fazer parte do sistema de gestão, enfatizando tanto os indicadores quanto os processos.

Problemas de compliance em geral ou especificamente ligados a questões de desvios financeiros não se combatem com mais controles, mais burocracia, mais auditores. E muito menos achando que se deve mudar a natureza humana criando pessoas mais éticas, honradas e honestas. Combate-se com mais transparência nos processos de gestão concretos.

Em outras palavras, muito mais eficaz é criar uma gestão onde as práticas ajudem a tornar o trabalho e o desempenho mais transparentes, começando de cima. Assim, compliance passa a ser uma ideia presente em tudo de importante que a empresa faz. Sem isso, as iniciativas em curso, por mais bem-intencionadas que possam ser, estarão fadadas ao insucesso e, assim, serão mais uma técnica passageira de gestão, como muitas que já conhecemos.

*José Roberto Ferro é presidente do Lean Institute Brasil

Fonte: http://epocanegocios.globo.com/colunas/Enxuga-Ai/noticia/2016/10/compliance-precisa-mudar-praticas-de-gestao-e-de-lideranca-para-funcionar.html

marcos

Professor, Embaixador e Comendador MSc. Marcos Assi, CCO, CRISC, ISFS – Sócio-Diretor da MASSI Consultoria e Treinamento Ltda – especializada em Governança Corporativa, Compliance, Gestão de Riscos, Controles Internos, Mapeamento de processos, Segurança da Informação e Auditoria Interna. Empresa especializada no atendimento de Cooperativas de Crédito e habilitado pelo SESCOOP no Brasil todo para consultoria e Treinamento. Mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela PUC-SP, Bacharel em Ciências Contábeis pela FMU, com Pós-Graduação em Auditoria Interna e Perícia pela FECAP, Certified Compliance Officer – CCO pelo GAFM, Certified in Risk and Information Systems Control – CRISC pelo ISACA e Information Security Foundation – ISFS pelo EXIN.