BC quer credores em resgates
O Banco Central prepara um anteprojeto de lei com novos mecanismos para lidar com eventuais problemas de solvência de bancos, preenchendo, assim, vácuo criado pela extinção do Proer, o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional, em 2001. Uma das propostas é que dificuldades financeiras sejam equacionadas com recursos da própria instituição, de seus acionistas, grandes credores e grandes depositantes, sem uso de dinheiro público.
Os regimes especiais de resolução devem ser ampliados e o BC somará instrumentos às atuais possibilidades de intervenção, liquidação extrajudicial e regime de administração especial temporária.
“O marco legal em desenvolvimento visa garantir a continuidade dos serviços e da estrutura financeira necessária ao bom funcionamento da economia real em caso de problema de solvência em alguma instituição sistemicamente importante”, diz o diretor de organização do sistema financeiro do Banco Central, Sidnei Correa Marques.
A nova legislação pretende abarcar um aspecto que se mostrou crítico durante os resgates de grandes instituições internacionais desde a crise de 2008: o uso de recursos públicos.
Marques considera fundamental que uma solução desse tipo de problema seja realizada com os recursos das partes envolvidas, algo preconizado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e pelas recomendações do Conselho de Estabilidade Financeira (FSB, na sigla em inglês) em seus princípios básicos – que são os elementos considerados necessários para um regime de resolução competente.
Entre as novas ferramentas, a que mais chama atenção é o modelo que está em fase de intensa discussão internacional depois de sua adoção na reestruturação da dívida da Grécia e no resgate aos bancos do Chipre, o chamado ‘bail-in’.
Com esse regime, a ideia é fazer com que um banco insolvente seja recapitalizado com recursos do seu próprio passivo, sem a necessidade de aportes do governo.
É o oposto do ‘bail-out’, que esteve diariamente no noticiário da crise de 2008 e que levou o Tesouro de diversos países a situações críticas em função dos gigantescos recursos públicos injetados no sistema financeiro.
No regime de ‘bail-in’ as perdas são absorvidas, primeiro, com recursos dos acionistas, se isso não for suficiente, entram no jogo os instrumentos híbridos de capital e dívida. Se, ainda assim, a instituição permanecer desenquadrada, parte-se para a conversão de determinados tipos de créditos em ações. Pela proposta, os clientes que estiverem protegidos pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC) não serão afetados.
No Brasil, a crise de 2008 não custou um centavo do contribuinte no resgate de instituições financeiras. Mas o país já teve seu momento de ‘bail-out’ com o Proer e o Proes em meados da década de 90. Com a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2001, ficou vetado o uso de recursos públicos para salvar instituições financeiras. A legislação que o BC propõe tem como base o artigo da LRF que prevê legislação específica para tratar desses assuntos.
Outra possibilidade em discussão é a criação de “empresas ponte” para receber ativos e passivos da instituição em liquidação. Dessa forma, o BC conseguiria buscar um modelo de saneamento conhecido como “banco bom” e “banco ruim”, no qual os ativos bons são separados dos podres e vendidos. Outra ferramenta pode ser a suspensão temporária, por parte do BC, das exigibilidades de créditos contra a instituição que está sob intervenção.
O anteprojeto também traz instrumentos da Lei de Falências para o arcabouço legal do BC. Entre eles está a criação do conselho de credores, que avaliaria as propostas do liquidante, reduzindo, assim, questionamentos jurídicos posteriores sobre a venda de ativos. Ainda está prevista uma figura de “não sucessão” de ônus, ou seja, o comprador da chamada “parte boa” de uma instituição não herda os passivos da “antiga instituição”.
“A nova lei deverá permitir o encerramento mais célere das liquidações extrajudiciais, reduzindo o impacto negativo no sistema e permitindo que os credores recebam mais rapidamente”, diz Marques.
Para o BC, esse é o momento oportuno para essa revisão legal, pois o sistema financeiro está maduro e conta com uma série de mecanismos de proteção. “Além disso, todos os países do G-20 estão trabalhando nesse esforço conjunto para o aperfeiçoamento de seus regimes de resolução”, diz Marques.
O que não sofrerá alteração é a estrutura de responsabilização. Seguiriam em vigor a indisponibilidade de bens dos controladores e administradores, a instauração de inquéritos administrativos, e a participação do Ministério Público na apuração dos casos.
Para ampliar a discussão sobre os sistemas de resolução, o BC realiza, nesta segunda e terça-feira, um seminário internacional sobre o tema. O presidente Alexandre Tombini discursa na abertura.
Esse projeto se soma a outros estudos em andamento dentro do BC e que formarão um novo marco legal para o sistema financeiro. Há projetos visando maior poder coercitivo à autoridade monetária, por exemplo. Todas essas propostas estão em discussão com Fazenda, CVM e Susep, mas a palavra final caberá ao Congresso.
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