Governança Corporativa: Com independentes, debates no conselho ficam enriquecidos
Há dez, vinte anos, as reuniões de conselho de administração eram quase formalidades.
“Os números da empresa eram passados, eu fazia uma apresentação sobre o cenário macroeconômico, naquela época muito mais imprescindível do que hoje. Em seguida saíamos todos para almoçar, em clima de rever amigos, sempre acompanhados por um bom vinho”, conta o ex-ministro Maílson da Nóbrega, atualmente no conselho de sete empresas abertas.
“Já hoje, existe cada ‘chato’ participando dessas reuniões”, diverte-se Maílson, que se apressa em explicar que não usa o termo chato no sentido pejorativo.
“A presença de muitos conselheiros que representam investidores ou ligados a fundos de investimento trouxe uma imensa melhora aos debates”, diz.
Segundo ele, como esse representante está olhando o interesse do cotista dele, ele “mergulha mais nos números, busca mais informações, faz mais questionamentos, traz mais demandas”.
Guilherme Affonso Ferreira, diretor da Bahema Participações e hoje em seis conselhos, pode ser considerado um desses representantes que vêm de fundos e são chamados de independentes. Atuando no mercado já há trinta anos, ele conta que, na década de 80, as assembleias e reuniões de conselho eram “mera ficção”.
“Naquela época, a maioria das companhias possuía um controle familiar marcante e o acionista sequer era visto como um sócio. Era muito mais comum ver parentes distantes, tias e primos, muitas vezes constrangidos, que pouco entendiam do negócio, mas tinham vaga no conselho”, conta Ferreira.
Agora, ele diz que as reuniões estão muito mais dinâmicas e atraentes, uma vez que os participantes pedem muitas informações e cobram mais do que antes.
Ferreira tem uma atuação ativista no mercado doméstico, com uma primeira experiência marcante na Eternit, que se transformou em uma companhia sem controle definido nos anos 90 e passou a ser gerenciada por um grupo de conselheiros, que juntaram suas participações.
Ele destaca também que nos últimos anos a profissionalização tem marcado a vida das empresas e a participação da família, embora ainda seja marcante, diminuiu.
“O mercado amadureceu, a legislação conspirou a favor, as companhias ficaram mais fracionadas e agora o investidor tem capacidade de ser mais ativista, mas precisa de recursos comprometidos com o longo prazo.”
Ferreira só discorda de conselheiros que representam cotistas serem classificados como independentes.
“Estou nas companhias porque investi dinheiro nelas através dos fundos que administro. Se eu não tivesse recursos aplicados, não teria interesse legítimo de estar participando e atuando junto à administração”, afirma. Ele ressalta que, para ter voz nas empresas é necessário uma participação acionária relevante.
“Pode haver simpatia entre os conselheiros, mas isso não é garantia de que votarão juntos.”
O professor Wesley Mendes da Silva, da FGV, a pedido do Valor, elencou os conselheiros que acumulavam mais postos em 2010. Maílson manteve a liderança, embora dividida com outros três executivos. O professor não fez análises sobre a atuação dos conselheiros, apenas as identificou as ligações entre os componentes. Mas, na avaliação de Mendes da Silva, seria importante que as companhias avaliassem não apenas a parcela de independentes em seus conselhos, mas que também acompanhassem a forma como esse órgão estabelece laços com outros órgãos.
Ferreira afirma que consegue tempo para se dedicar aos diversos conselhos exatamente porque tem participação nas empresas. “O que pode acontecer é em algum momento mais delicado, ter de dedicar tempo maior a uma companhia”, diz, citando como exemplo recente o episódio entre Pão de Açúcar, do qual é conselheiro, e o Casino.
O ex-ministro Alcides Tápias afirma que hoje dedica-se praticamente integralmente às atividades de conselheiro.
“Se eu não conhecer o negócio, não vou para um conselho. Tenho que saber fazer as perguntas certas “, resume Tápias.
“Eu sou um chato. Eu pergunto o que percebo que não será questionado. Quero aprender todos os dias. Quando faço uma pergunta, sei quatro respostas possíveis para ela. Dependendo da explicação, posso fazer outras 12.”
Já Maílson esclarece que assim que recebe um convite deixa claro que sua contribuição como conselheiro se dá na análise de cenário macroeconômico, que procura adaptar ao segmento de atuação de cada empresa.
Ele tem para seu trabalho os estudos realizado pela sua consultoria, a Tendências.
“No começo as pessoas me convidavam pelo meu nome e reputação e também em função da minha experiência no governo e de vida. Até mesmo porque, naquela época, conhecer o ambiente político e entender o cenário macro era crucial, pois a situação econômica era outra”, afirma o ex- ministro.
Ainda hoje, ele avalia que a compreensão do cenário macroeconômico é considerada muito valiosa em alguns casos. “Uma empresa estrangeira, por exemplo, ou aquela ligada ao setor de commodities.”
Fonte: Valor Economico