Balanços: Dólar foi o vilão, mas crise é que preocupa
Foi o trimestre do dólar, já era sabido. A alta de quase 19% entre julho e setembro causou um estrago de R$ 19,74 bilhões no resultado financeiro – a conta das demonstrações de resultados na qual se registram o pagamento de juros e as variações cambiais sobre as dívidas em moeda estrangeira -, comparado a uma perda de apenas R$ 1,27 bilhão no mesmo trimestre do ano passado.
As contas foram feitas pelo Valor utilizando-se os resultados divulgados até sexta-feira por 176 companhias com ações em bolsa, com base no banco de dados da consultoria Economática e nas informações das empresas disponíveis no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
O impacto financeiro no lucro líquido, que serve como base para pagamento de dividendos, foi grande: o conjunto de empresas não financeiras acumulou R$ 18,61 bilhões na última linha, uma queda de 34% em relação aos R$ 28,34 bilhões de lucro líquido da mesma amostra de companhias no terceiro trimestre de 2010.
O impacto no lucro só não foi maior porque as empresas ainda venderam mais, em volume financeiro, do que no ano passado. As receitas operacionais líquidas somaram R$ 225,45 bilhões, um aumento de 16% na comparação com o terceiro trimestre de 2010.
Mas, como os custos subiram mais, o lucro antes do resultado financeiro, de R$ 41,49 bilhões, ficou praticamente empatado com o lucro operacional do ano anterior.
O fato é que esse empate preocupa mais do que a goleada do dólar. O que as empresas e os investidores querem saber a partir de agora é se a crise global vai começar a castigar os balanços nesses dois pontos delicados: as vendas e os custos.
Os executivos costumam argumentar que o efeito cambial é apenas “contábil”. De fato, a dívida é corrigida pelo novo patamar no fim de cada trimestre, mas a empresa só paga efetivamente no dia do vencimento. No entanto, as demonstrações financeiras são elaboradas no regime de competência, e não no de caixa, o que quer dizer que os efeitos têm que ser reconhecidos quando ocorrem.
A diferença é que o acionista tem um ideia do que está por vir, e não só a fotografia do que já aconteceu.
Além disso, os bancos costumam usar algum indicador, como dívida em relação ao patrimônio ou ao lucro operacional antes de juros, impostos, depreciação e amortização, na hora de emprestar dinheiro às empresas.
O aumento da dívida pode disparar esses gatilhos, fazendo com que o tomador tenha que antecipar o pagamento ou renegociar o contrato, geralmente em condições menos favoráveis.
Foi o que aconteceu com a fabricante de papel e celulose Suzano. Sua relação entre dívida líquida e lucro operacional atingiu 4,2 vezes. Se o indicador voltar a esse patamar neste trimestre, a companhia terá que renegociar as condições de uma operação de R$ 500 milhões de debêntures ou pagará antecipadamente os títulos.
“Não imaginamos que isso vá acontecer, mas estamos preparados para pagar antecipadamente se necessário”, disse Antônio Maciel Neto, diretor-presidente, quando a empresa divulgou seus resultados.
Empresas como Braskem, de petroquímica, Fibria, de celulose, e a mineradora Vale registraram despesas financeiras líquida acima de R$ 2 bilhões no trimestre. Na Marfrig, o resultado financeiro foi negativo em R$ 1,36 bilhão. Boa parte disso deve ser “devolvida” neste trimestre, já que o real se valorizou desde então.
Em alguns setores, os custos realmente foram os vilões das margens operacionais e em outros as receitas não avançaram com a mesma intensidade.
Laércio Cosentino, presidente da Totvs, fabricante de softwares de gestão empresarial que sofreu perda de margem operacional no trimestre, citou o aumento do custo de mão de obra como uma questão relevante. Por um lado, lembrou ele, é um sinal importante para a economia do país, mas é preciso ficar atento para que isso não prejudique a competitividade dos produtos nacionais.
No segmento de varejo de moda, por exemplo, houve indicação de queda de fluxo nas lojas. A principal justificativa das empresas foi o inverno “maluco”, que provocou um desencontro entre a demanda dos consumidores e as coleções.
Tanto o presidente da Renner, José Galló, quanto o da Hering, Fabio Hering, negam maiores preocupação com o cenário econômico doméstico. Por isso, mantiveram os planos de expansão para este ano – a Hering abrirá um total de 86 novas unidades e a Renner, 30 de sua principal bandeira.
Apesar do otimismo, Galló entende que o sentimento dos consumidores pode ter sido afetado pela forte variação cambial provocada pelas preocupações com o cenário internacional.
Já Fabio Hering acredita que mudanças nos hábitos dos brasileiros, com avanço da renda e do emprego, são definitivas. (Colaborou Marina Falcão).
Fonte: Nelson Niero e Graziella Valenti, Valor Economico