Ataques digitais desfazem mito de que Mac é inviolável
“Mac não pega vírus” – você pode não ser fã de tecnologia, mas é bem provável que já tenha ouvido essa frase em alguma conversa relacionada ao computador pessoal da Apple. Os donos de Macintosh – ou Mac, como são conhecidos os micros da marca – nunca se preocuparam muito com os vírus que sempre atormentaram os usuários do Windows, sistema operacional da Microsoft e padrão dominante no setor. Mas esse sossego, ao contrário do que muita gente pensa, não se deve a nenhuma blindagem da Apple contra ameaças cibernéticas. O Mac foi deixado em paz pelo simples fato de que sua base de usuários era tão pequena frente ao Windows que as gangues digitais não demonstravam interesse em criar códigos nocivos, como os vírus, para atingi-lo.
Na semana passada, porém, o sinal vermelho tocou. Um vírus, batizado de FlashBack, infectou cerca de 670 mil Macs no mundo, sendo 2,3 mil deles no Brasil. Variação de um código nocivo criado para o Windows, a praga foi considerada a primeira infecção maciça de computadores da Apple. Mas esse não é um episódio isolado. Cada vez mais, o Mac tem sido alvo de ataques. Só em 2011, o número de ameaças para essa plataforma aumentou 35%, segundo a companhia de antivírus Kaspersky.
O interesse dos hackers pelo Mac é resultado de uma série de fatores, que vai do aumento da base instalada de computadores Apple aos poucos cuidados tomados pelos usuários da marca, que não costumam usar antivírus ou adotar procedimentos básicos de segurança.
“Os criminosos digitais seguem a lei de mercado. Se existem mais usuários, por que não atacar?”, afirma Ascold Szymanskyj, vice-presidente de operações e vendas na América Latina da F-Secure , uma companhia de segurança digital. O aumento das ameaças para Mac, segundo várias empresas de antivírus ouvidas pelo Valor, começou a ganhar força no fim de 2010.
Uma característica da Apple, em particular, está atraindo a atenção dos hackers. Apesar de diferentes, o iOs, sistema operacional do iPhone e do iPad, e o Mac Os, do Macintosh, têm uma estrutura parecida, dizem os especialistas, o que facilita o trabalho dos criminosos. “Os núcleos dos dois sistemas contém de 80% a 90% de códigos idênticos. As funções e vulnerabilidades são praticamente as mesmas, o que facilita o desenvolvimento de ameaças comuns aos dois ambientes”, diz José Matias, gerente de suporte técnico para a América Latina da McAfee. A lógica é simples: com o ganho de popularidade do iPhone e do iPad, os hackers enxergam vantagens em desenvolver um vírus que poderá ser adaptado facilmente para uso em outra categoria de produtos.
O próprio modelo de negócios da Apple acaba sendo um chamariz para os criminosos digitais. Os aplicativos disponíveis para usuários da marca ficam centralizados em serviços como a App Store, de programas para iPhone e iPad, e Mac App Store, de softwares para Mac. “Os hackers veem nesse ecossistema a possibilidade de infectar mais rapidamente um número maior de máquinas”, afirma Matias, da McAfee.
Outro risco, avaliam os especialistas, é que a Apple não permite que empresas de software façam, diretamente, atualizações nos programas instalados nos computadores de seus usuários – ao contrário do que ocorre no caso do Windows. As modificações têm de ser autorizadas pela própria Apple. A questão é que, frequentemente, essas atualizações corrigem vulnerabilidades e fecham a porta para os hackers. Como a Apple leva mais tempo para autorizá-las, os usuários ficam expostos por um período maior.
De acordo com Fábio Assolini, gerente de softwares nocivos da Kaspersky, foi exatamente isso que ocorreu na onda de ataques na semana passada. A fabricante de softwares Oracle detectou uma vulnerabilidade na linguagem Java, usada para desenvolver páginas na internet, e passou a oferecer uma atualização que corrigia o problema. “A Apple fez essa atualização 49 dias depois de ela ter sido repassada pela Oracle”, diz o analista. Procurada pelo Valor, a Apple não quis comentar o assunto.
Para piorar, os hackers têm apostado nos chamados ataques multiplataforma. Isso significa que os criminosos digitais já conseguem elaborar pragas que atingem diferentes sistemas operacionais. Já existem códigos nocivos extremamente elaborados, que conseguem verificar em tempo real se o alvo é um PC com Windows ou um Mac, explica Alberto Medeiros, especialista em segurança e ameaças cibernéticas da Trend Micro. “O que difere é apenas a forma de infecção, mas o processo para o hacker direcionar esse ataque a um determinado sistema é muito rápido. A mudança de código nesse estágio é mínima”, afirma o especialista.
Confiantes na marca, usuários ignoram riscos
Diante da escalada dos ataques aos computadores Macintosh, grande parte dos desenvolvedores de antivírus ouvidos pelo Valor começou a lançar sistemas de proteção voltados especificamente a esse ambiente, no fim de 2010. Da mesma forma, essas companhias contam hoje com equipes dedicadas exclusivamente aos Macs. A adoção desses antivírus, no entanto, ainda não reflete o aumento dos riscos, dizem os especialistas.
Segundo José Matias, gerente de suporte técnico para a América Latina da McAfee, ainda há muita resistência entre os usuários da Apple quando o assunto é segurança. Esse comportamento, diz ele, está ligado ao fato de que a companhia é um dos únicos exemplos no mercado de tecnologia no qual a compra de um equipamento está mais relacionada à paixão pela marca do que às características do produto. “Mesmo com o aumento dos incidentes, esses consumidores continuam dizendo que são notícias plantadas pela mídia”, diz Matias.
Leonard Bonomi, diretor de suporte e serviços da Trend Micro, estima que apenas 10% dos usuários de Mac têm algum sistema de antivírus instalado em suas máquinas. No Brasil, ele observa que o maior nível de adoção está no mercado empresarial, pois as companhias têm investido em ambientes mistos, dotados de PCs e Macs, com predomínio do Windows. “O número de Macs é bem menor nessas empresas. Por outro lado, as máquinas da Apple geralmente são usadas por executivos de alto escalão, o que amplia a preocupação com a segurança”, afirma.
A participação do antivírus para Mac nas receitas ainda é pequena na Trend Micro. A relação é de 2%, ante 98% dos sistemas voltados para Windows, conta Bonomi. No entanto, ele prevê que esses números vão ganhar novos contornos em médio prazo. “Chegar a uma fatia de 15% em dois anos não é nenhum absurdo”, acrescenta.
Com uma divisão de receita similar à da Trend Micro, a Eset registrou um salto de 20% nas vendas de antivírus para Mac no primeiro trimestre de 2012, se comparado a um ano antes. O gerente-geral da empresa no Brasi, Camillo Di Jorge, diz que o plano é lançar mais dois ou três produtos para esse ambiente ainda neste ano.
Seguindo a lógica dos ataques que não discriminam os sistemas operacionais, a AVG tem em seu portfólio um produto disponível tanto para Windows quanto para Mac, que identifica sites infectados. O objetivo é lançar um sistema específico para Mac em breve, diz Mariano Sumrell, diretor de marketing da AVG no Brasil.
Fonte: Bruna Cortez e Moacir Drska, Valor Economico