A morte anunciada da agência bancária
Em dez anos, o Brasil vai ter nas ruas metade das agências bancárias que tem hoje. E a tendência é que elas sejam cada vez mais raras. Essa é a previsão do australiano Brett King, conhecido no segmento financeiro como o futurista dos bancos. King presta consultoria a instituições financeiras em todo o mundo sobre como a tecnologia vai mudar a relação das pessoas com seus bancos.
As novas gerações só vão ao banco quando são obrigadas. É por isso que as agências vão evoluir para serviços de assistência técnica, onde os clientes irão raramente, quando têm um problema sério em suas contas. De resto, o banco vai estar no celular. Nem mesmo para investir, o olho no olho será necessário. O cliente diz o prazo e quanto quer ganhar e o algoritmo faz a alocação. Haverá uma divisão entre estruturação, mais regulada e realizada por bancos como os de hoje, e distribuição, em que a experiência do cliente será online e poderá ser feita por novas empresas de tecnologia, disse King em entrevista exclusiva ao Valor.
O último livro de King, “Breaking Banks”, ficou entre os três mais vendidos da Amazon nos EUA, na França, no Canadá, na Alemanha e na Austrália. Há quatro anos, ele criou um dos primeiros bancos digitais americanos, o Moven. Nada de agências, gerentes, tudo no celular. King conta já ter tido conversas com Itaú e Bradesco para fazer uma parceria no Brasil. Ele esteve no país neste mês para palestrar na Expert 2015, conferência que reuniu 1,5 mil profissionais e agentes autônomos da XP em Atibaia. Veja a seguir os principais trechos da conversa.
Valor: Como vão ser, para você, os bancos do futuro?
Brett King: A principal diferença é que o banco vai se tornar tecnologia em primeiro lugar e banco em segundo. Não se tratam mais de canais e produtos, mas de clientes e experiências. O desafio para a maior parte dos bancos do mundo que são competidores estabelecidos é que a forma que têm entregado produtos até agora é em agências. No Reino Unido, nos Estados Unidos e na Austrália, as pessoas vão à agência somente uma vez por ano e em geral porque o banco diz que é necessário. Elas não querem mais ir à agência e dizem: por que não posso fazer pelo meu celular?
Valor: Quanto tempo falta para essa mudança?
King: Globalmente, são investidos cerca de US$ 3 trilhões por ano em imóveis e pessoal para agências. Vai levar um tempo para mudar. Uma grande quantidade de investimentos em dispositivos móveis acontece agora, mas os antigos sistemas dos bancos não foram construídos para ser tempo real. Os bancos inteligentes começaram a substituir seus sistemas legais poucos anos atrás, mas é um trabalho gigante. É por isso que companhias que não têm esse legado e estão vindo com novas tecnologias têm vantagem. Elas não têm que substituir o antigo para serem viáveis. Estamos falando de serviços como MPesa e Paypal, com mais de um bilhão de pessoas fazendo transações por celular dia a dia. E essa é a mais rápida mudança em modalidade de pagamento que já vimos na história.
Valor: Você defende que a tecnologia traz mais eficiência. Mas, em um primeiro momento, os investimentos são vultosos?
King: Na Moven, já investimos US$ 12 milhões e estamos prestes a investir outros US$ 12 milhões. Não é barato e, diferentemente de outras companhias de tecnologia, como Facebook ou Whatsapp, se eu quero ir para um novo país no serviço bancário, tenho que observar regulamentações diferentes. É por isso que decidimos ter parceiros bancários em cada país, no lugar de tentar crescer sozinhos. Acredito que um dos caminhos que vai emergir é o de novas companhias, lidando com os clientes por meio dos dispositivos móveis, conectados a bancos.
Valor: E no futuro só vão ficar as companhias de tecnologia?
King: Possivelmente. Ou talvez os grandes bancos vão adquirilas. Vimos recentemente o BBVA comprar a startup Simple [que oferece serviços bancários online] por US$ 117 milhões. Isso vai se tornar mais e mais comum. Os bancos vão perceber que, se quiserem construir essa tecnologia sozinhos, isso vai tomar deles muito mais tempo e dinheiro do que a aquisição de uma startup. Ao longo do tempo, a tendência vai ser separar distribuição e estruturação em duas camadas. A distribuição vai ser por telefone e outros dispositivos móveis. Os produtos, o risco e a regulação vão estar por trás. A experiência não vai ser tão regulada quanto a estruturação.
Valor: Essa evolução não esbarra no acesso da população a dispositivos móveis?
King: Na África, 30 países já têm mais contas em bancos online do que em bancos físicos. Nos próximos dez anos, vamos bancarizar 2 bilhões de pessoas por meio do celular. Os bancos acham difícil pensar assim. Eles pensam: as pessoas querem ir às agências, vamos construir mais. Uma vila muito pobre do Quênia, por exemplo, tem um único celular para todos. Lá o SIM Card é a nova conta bancária. Eles tiram o chip do telefone e guardam na meia. E assim também se protegem dos roubos.
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