Variações do câmbio impõem cautela
Na ponta do lápis ainda falta muito, mais de 30% de queda, para o dólar atingir R$ 1, como aconteceu nos anos 1990. Se a desvalorização frente ao real chegará a esse patamar ou não, os especialistas não arriscam dizer. O concreto é que a moeda americana já é negociada pelos empreendedores brasileiros na casa dos R$ 1,59, nos novos contratos de exportação.
O governo até que tentou conter a queda ao anunciar aumento de 4% para 6% na alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para capital estrangeiro aplicado em operações de renda fixa, além da elevação de 0,38% para 6% na alíquota do IOF cobrada sobre a margem de garantia para investimentos estrangeiros no mercado futuro (derivativos). As medidas, contudo, surtiram pouco efeito e as reclamações se multiplicam nos mais variados segmentos. Dados da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados) revelam que as empresas exportadoras foram obrigadas a elevar o preço médio do calçado nacional em 27,2%, assim, as vendas no exterior caíram 15,8% nos últimos meses, com uma redução de 33,8% no volume de pares embarcados.
“As intervenções conseguem diminuir a velocidade da valorização do real frente à moeda americana, mas não freiam totalmente o processo”, afirma Daniel Motta, professor de estratégia e economia do MBA Executivo do Insper. “Para gerar o resultado esperado pelos exportadores seria necessário o Banco Central ter um volume de reservas muito grande, o que não acontece”.
Entre 2001 e 2007, a valorização do real em relação ao dólar foi de 45%, já descontadas as variações de preços no Brasil e nos EUA. Nesse período, a moeda brasileira foi a que mais ganhou valor frente à moeda americana em todo o mundo. Pouco mais de três anos depois, o cenário não dá sinais de mudanças, pelo menos até o final deste ano. Segundo Silvio de Campos Neto, economista da Tendências Consultoria, em 2010 a valorização do real frente ao dólar foi de 4,3%. “Este ano, o ritmo acelerou e o acumulado de 2011 já soma 5%”, afirma Neto. “A nossa expectativa é que a moeda americana feche em dezembro na casa dos R$ 1,70.”
Diante desse cenário, a saída para os empreendedores é aprender a conviver com a nova realidade. A tarefa é mais árdua para as pequenas e médias empresas que, muitas vezes, insistem em brigar por preço, exportando produtos de baixo valor agregado. Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio destacam que das 19 mil empresas exportadoras do país, 11 mil são micro e pequenas. “Apesar do alto volume o resultado em faturamento é muito baixo, apenas 2% de tudo o que o país fatura com exportações resultam de negócios feitos por esse grupo de empresas”, afirma Gilberto Campião, consultor do Sebrae-SP.
“Soma-se a todos esses fatores o fato de a maioria das empresas não saber exatamente quais são os seus custos de produção e os níveis de rentabilidade”
Na visão dos especialistas, a desvalorização do dólar frente ao real é apenas uma ponta do iceberg que envolve a falta de competitividade das empresas brasileiras no mercado global. O problema é mais amplo, segundo Marcos Assi, da Daryus Consultoria, especializada em gestão de riscos. Passa pelo Custo Brasil que envolve alta carga tributária, falta de incentivos para produção e exportação, além de questões de infraestrutura. “Soma-se a todos esses fatores o fato de a maioria das empresas não saber exatamente quais são os seus custos de produção e os níveis de rentabilidade”, afirma o consultor.
Portanto, quem quiser fazer da exportação um canal efetivo de vendas – e não uma saída esporádica para alavancar os negócios quando o dólar está favorável – terá de fugir da guerra de preços, agregar valor aos produtos, saber exatamente o peso dos custos e compor uma tabela de preços para exportação que não signifique uma simples conversão do real para a moeda americana.
É o que tem feito Eduardo Durante, 39 anos, dono da Durante Importadora e Exportadora, de Goiânia (GO), que trabalhou com uma variação de 15% a mais sobre a cotação do dólar no fechamento do contrato de exportação de mármores e granito para os EUA. “Foi a forma que encontrei para ter uma certa gordura nas negociações e não ser surpreendido com novas perdas caso o real se valorize de novo”, diz o empresário. “Mas isso só foi possível porque trabalhamos com produtos de primeira qualidade e alinhamos muito bem toda a logística de entrega para o distribuidor”.
Desde 2007 no mercado, a empresa espera que este ano as exportações respondam por 30% do negócio. “Este é o momento para marcar território e firmar parcerias de olho no futuro, já que a maioria dos empreendedores prefere deixar de exportar com o dólar desfavorável a ganhar pouco”, afirma Durante.
Essa também é a estratégia das empresas ECKO Brazilis, Sonho de Criança e Tamanho de Gente, todas de São Paulo, representadas nos mercados do Oriente Médio pela empresária Katia Timani, 43 anos, dona da exportadora KNS-BR, com sede na capital paulista. “Temos clientes no Baren, Líbano, Dubai, Emirados Árabes e estamos prestes a fechar exportações para Israel e Katar”, diz Katia. “Em todos os países trabalhamos com uma margem de 5% a 10% gordura no valor dos produtos, porque sem negociação não há contrato”. Segundo ela, o cliente precisa ter a sensação de levar alguma vantagem no valor. E isso as três empresas só conseguem oferecer porque trazem a composição dos custos muito bem azeitada.
Para Antonio Carlos Manfredini, do departamento de Economia da FGV-Eaesp, as estratégias adotadas pela Durante e as empresas representadas pela exportadora KNS-BR estão mais do que certas. “Reconquistar um mercado abandonado porque as margens estreitaram dá muito mais trabalho do que abrir uma nova frente”, declara. “O momento é ideal não só para plantar sementes com colheita futura, mas também para se tornar mais competitivo. O dólar baixo facilita a compra de máquinas e insumos que podem ajudar a melhorar a produção e baixar custos, diminuindo o peso do câmbio no fechamento dos contratos.”
Há cinco anos à frente da Orbis Shoes, com sede em Franca (SP), Lilian Melo, 42 anos, exporta desde 2007 para os EUA, Arábia Saudita, Coreia e países do Mercosul. Ao longo desse tempo, aprendeu na prática que não pode depender exclusivamente do câmbio para internacionalizar seus negócios. “Desde o final de 2008, quando o dólar chegou a R$ 1,80, passamos a trabalhar melhor nossos custos internos a fim de manter o produto competitivo”, diz Lilian. Desde então, a empresa negocia prazos de pagamento aliados a maiores volumes de compra de matéria-prima com os curtumes, importou máquinas para aumentar a produtividade e colocou novas cláusulas no contrato de exportação.
“O período entre a assinatura do contrato e a entrega do pedido varia de dois a três meses”, afirma. “Assim, travamos o dólar entre R$ 1,70 e R$ 1,80 com o aval do cliente. Se a moeda americana permanecer nesse patamar, para cima ou para baixo, não é preciso renegociar o contrato, caso contrário, sentamos para discutir.”
Outra estratégia foi a abertura, no fim de 2010, de uma loja própria para engordar as vendas no mercado interno. Com uma produção de 500 pares de calçados de couro por dia, a empresa espera vender 90 mil pares no mercado externo, 20% a mais que em 2010.
Fonte: Kátia Simões, Valor Economico