Bancos brecam venda de carteira
Bancos como Bonsucesso, BMG, Matone e Morada estão diante de um desafio maior para encontrar fontes alternativas de captação de recursos para financiar sua atividade de concessão de crédito. Levantamento feito pelo Valor em balanços de instituições ativas na modalidade de crédito consignado indica que essas estão entre as instituições mais dependentes da venda de carteiras a bancos maiores para se financiar, prática conhecida como cessão de crédito.
O levantamento mostra que em 2010, alguns bancos tiveram mais da metade das receitas de intermediação financeira originada da venda de carteiras. O BMG obteve R$ 1,9 bilhão de resultado com esse tipo de operação, a maior parte com coobrigação, representando 52,4% da receita intermediação financeira. No Bonsucesso, foram R$ 396,7 milhões, o equivalente a 60%. O Matone, no terceiro trimestre, reportou resultado com cessão de R$ 46 milhões ou 59% da intermediação. O Morada, no quarto trimestre, teve R$ 21 milhões de ganhos de cessão, 47% da intermediação. Outros têm parcela menor da receita vinda da venda de carteiras, como Banco Mercantil de Crédito (15%) e Rural (5%).
No caso do BMG e do Bonsucesso já se nota esforço para buscar outras fontes, com emissões de dívida subordinada. O BMG está com uma operação na rua para emitir eurobônus de sete anos. O Bonsucesso fez uma emissão no último trimestre de 2010 e recentemente informou a intenção de reter mais ativos no balanço, que trariam mais rentabilidade futura.
Bancos que possuem um grande grupo financeiro em seu capital acionário, como Votorantim e Cacique, não foram pesquisados.
Procurados, BMG e Matone, este último recém adquirido pelo Banco JBS, não quiseram comentar, enquanto os executivos do Bonsucesso estavam em apresentações a investidores no exterior.
Rodar a máquina do crédito graças à venda de carteiras está ficando mais difícil. As instituições de pequeno e médio porte, que antecipam gordas receitas quando vendem seus ativos de crédito com coobrigação – cláusula em que o risco de inadimplência permanece com o cedente – têm de reduzir o passo agora ou vão amargar perdas expressivas quando exibirem seus balanços sob os parâmetros de uma regra contábil que entra em vigor em 2012.
Pela resolução 3.533 do Banco Central, já adiada três vezes, a partir de janeiro todo estoque de crédito cedido sem transferência de risco vai ter que voltar para o ativo das instituições e os resultados apurados com a venda revertidos. As carteiras passarão então a gerar receitas à medida em que as parcelas sejam pagas pelos tomadores, embora o dinheiro da venda desses créditos a outros bancos continue entrando no caixa antes. A alteração traz, entretanto, impactos imediatos para a alavancagem.
Assim, nos resultados do primeiro trimestre, alguns bancos já devem mostrar um menor ritmo na concessão de empréstimos, não só pelas medidas de aperto ao crédito baixadas pelo governo, mas também pelas mudanças à vista na contabilização das cessões. “A cessão, hoje, tem um efeito imediato no resultado, gera lucro robusto e melhora Basileia (o índice de capitalização mínimo), possibilitando novas alavancagens”, diz o economista da Lopes & Filho, João Augusto Frotta Salles. “Mas isso é um defeito do sistema, os bancos não podem ter isso como estratégia. O crédito foi feito para correr o seu tempo de maturação e assim as instituições podem absorver seus resultados.”
O rombo contábil no PanAmericano e as medidas que duplicaram o requerimento de capital para operações longas de consignado e veículos à pessoa física, em dezembro, já impuseram um freio às cessões, reduzindo o ímpeto dos bancos de gerar novos créditos. O aumento do IOF na semana passada só completou o pacote. “Se o modelo de negócio for o mesmo de 2010 e não existir outro instrumento de captação de longo prazo que substitua a cessão, pode haver um efeito nos resultados”, diz o presidente da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), Renato Oliva.
“O que se percebe é que instituições que têm um modelo de cessão muito pesado começam a fazer exercícios para trabalhar diferente, com uma estrutura de preços compatível com as carteiras que queiram carregar.”
Num momento em que a liquidez ficou estruturalmente mais restrita, o nível de geração de negócios também já não é o mesmo. O diretor de um grande banco de varejo que costuma comprar carteiras de crédito diz que há menos interesse de bancos tradicionais de consignado e veículos de vender ativos porque também eles estão emprestando menos.
Há bancos como Cruzeiro do Sul e Paraná Banco que já vinham modificando o mix de captação. “Desde 2008 temos trabalhado para evitar solavancos na contabilidade e optamos por buscar outras fontes. Teríamos uma rentabilidade melhor do que 14% (sobre o patrimônio) se optássemos pela cessão”, diz o diretor de relações com investidores do Cruzeiro do Sul, Fausto Guimarães. No quarto trimestre de 2010, 51,7% dos recursos do banco vieram de depósitos a prazo, 22,6% de captações no exterior e só 12% de cessões. A venda de ativos para fundos de recebíveis tem sido outra fonte, com participação de 11,4% nesse bolo (mas sem coobrigação).
No caso do Paraná Banco, que não fez cessões em 2010, o entendimento é que essa não é uma forma eficiente de captar recursos, segundo Cristiano Malucelli, diretor de relações com investidores. O banco, diz, não faz cessões porque: a) custa caro (acima de 130% do CDI), b) assume a inadimplência da carteira cedida (coobrigação), c) permanece com os custos administrativos dos contratos cedidos.
Fonte: Adriana Cotias, Valor Economico