Uma crise financeira sem muita culpa
Trata-se de uma pergunta feita repetidamente em quase toda parte, nos Estados Unidos: por que, depois da confusão financeira que resultou em centenas de bilhões de dólares em prejuízos, nenhum dos participantes mais renomados do desastre foi alvo de processo?
E responder a essa pergunta nada tem de simples.
Determinar se os promotores públicos e as autoridades regulatórias foram agressivos o bastante em seus esforços de punir delitos será causa de debate por muito tempo. Todos alegam ter feito o melhor que podiam sob circunstâncias difíceis.
Mas passados diversos anos da crise financeira, causada em larga medida por empréstimos irresponsáveis e por operações de risco excessivo empreendidas pelas instituições financeiras, nenhum executivo importante foi alvo de acusações criminais ou detido, e não emergiu um esforço coletivo do governo para punir os culpados.
A situação apresenta forte contraste com o ocorrido depois da quebra de grande número de instituições de poupança e crédito imobiliário no final dos anos 80.
Depois daquele fiasco, grupos de trabalho especiais do governo encaminharam 1,1 mil casos aos promotores públicos, e os processos resultantes conduziram mais de 800 executivos financeiros à prisão. Entre os mais conhecidos dos condenados estavam Charles Keating, da Lincoln Savings and Loan, no Arizona; e David Paul, do Centrust Bank, na Flórida.
Antigos promotores públicos, advogados, executivos financeiros e funcionários de empresas hipotecárias dizem que os investigadores e as autoridades regulatórias ignoraram as lições do passado sobre como resolver casos de fraude financeira.
FBI
Quando a crise estava começando a se aprofundar, no segundo trimestre de 2008, o Serviço Federal de Investigações (FBI) reduziu a escala de um plano sob o qual deslocaria maior número de agentes de campo para as investigações de fraudes hipotecárias.
Na metade daquele ano, o Departamento de Justiça também rejeitou um apelo pela criação de um grupo de trabalho que se dedicaria a investigar casos relacionados ao colapso do setor hipotecário, o que fez com que as avaliações desses casos complexos contassem com pessoal e verbas insuficientes. O departamento só veio a estabelecer um grupo de trabalho para os crimes financeiros mais tarde, e com atribuições mais genéricas.
Nos meses que precederam a crise, disseram fontes ouvidas, as autoridades regulatórias fracassaram em seu dever essencial de compilar as informações que são tradicionalmente usadas para ajudar a montar casos criminais. Na prática, a mesma dinâmica de regulamentação fraca que ajudou a causar a crise também tornou mais difícil punir as fraudes a ela relacionadas mais tarde.
Até mesmo as ações civis do governo foram limitadas. Em 2009, a Securities and Exchange Commission (SEC, a CVM norte-americana) adotou diretrizes amplamente divulgadas ao pessoal da agência — que não chegaram ao conhecimento do público — recomendando cautela quanto à solicitação de indenizações vultosas contra os bancos que tivessem recebido verbas federais de resgate.
A organização estava preocupada com a possibilidade de que dinheiro dos contribuintes viesse a ser usado para pagar essas indenizações, de acordo com quatro pessoas que conhecem bem as normas mas não estão autorizadas a comentá-las publicamente.
Entre as poucas exceções registradas até agora quanto a processos civis envolvendo executivos financeiros importante está a ação apresentada no ano passado contra os dirigentes do Washington Bank, que faliu e passou ao controle do JPMorgan Chase.
A Federal Deposit Insurance Corp. abriu processo contra Kerry Killinger, presidente-executivo da companhia antes da crise, e dois outros dirigentes, acusando-os de acumular empréstimos de alto risco a fim promover crescimento mais rápido do banco e com isso elevar sua remuneração.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Fonte: GRETCHEN MORGENSON e LOUISE STORY DO “NEW YORK TIMES”, FOLHA DE S. PAULO