Trabalhar em empresa investigada por corrupção mancha o currículo?
A experiência profissional em uma empresa de renome poderia ser um trunfo no currículo ou uma oportunidade de crescer na carreira, mas acaba se transformando em “pedra no sapato” quando o local em que se trabalha aparece no noticiário associado à forte palavra “corrupção”. Pagamento de propina a políticos, lavagem de dinheiro, desvio de verba pública e participação em cartel são alguns dos crimes que, indiretamente, afetaram os planos de quatro profissionais ouvidos pela reportagem do UOL. Eles são ex- colaboradores de citadas no mensalão e na Operação Lava Jato e preferiram não se identificar ao fazer seus relatos.
“Não tenho como tirar isso do meu currículo” João*, 47, agente do mercado financeiro Um telefonema de um colega do trabalho, no começo de 2016, anunciou o baque. João passava o primeiro dia de férias numa praia quando foi avisado sobre a chegada de policiais ao escritório da empresa, uma corretora de valores em São Paulo: “A gente não pode entrar nem para pegar a escova de dentes na gaveta. A Polícia Federal está aqui e lacrou as portas”, disse a ele o colega.
A Tov Corretora, onde ele atuava como assistente de custódia, realizava transações financeiras, em nome de clientes, envolvendo compra e venda de ações e operações de câmbio. Citada por doleiros durante a Operação Lava Jato, foi liquidada pelo Banco Central em janeiro de 2016 por suspeita de violações legais como a prática de lavagem de dinheiro. Embora tivesse uma função interna, sem contato externo com o dinheiro do cliente, João foi demitido, assim como a maior parte dos empregados que ele conhecia. Ao final das férias, após sete anos na empresa, ele foi orientado a encerrar as carteiras dos clientes e a fazer as transferências financeiras necessárias. Três dias depois, foi desligado pelo RH.
“Tudo isso [a investigação] aconteceu na corretora de câmbio, que lidava com venda e compra de dólares, e eu trabalhava na corretora de valores, que tratava com ações. Eu não tinha acesso a esta parte de câmbio, ficava até em outro prédio, mas as duas corretoras têm o mesmo nome, o mesmo dono”, ele afirma. “Não imaginava que eu iria perder o emprego”
Há um ano e meio, João tenta voltar ao ramo com o qual trabalha desde o início dos anos 1990. Sem salário fixo e sem os benefícios da carteira assinada (plano de saúde, vale-refeição e outros), a renda caiu. Para pagar as contas, ele transformou um hobby, a fotografia, em trabalho e é motorista de aplicativo. “Eu mandei vários currículos, penso em voltar para esse mercado, é o que eu sei fazer, mas, por enquanto, não tive nenhuma resposta. Não quero nem pensar que isso é por eu ser ex-funcionário da corretora, tenho medo de ser prejudicado por isso, de o nome da empresa pesar mais que o meu currículo”, ele diz.
“A crise atrapalhou, mas a empresa era uma corretora bem ranqueada, e eu acho que o fato de estar envolvida em corrupção tem a ver com isso. É uma área bem restrita, as pessoas conhecem [o caso].” Omitir a passagem pela Tov do currículo não é possível, porque foi seu último emprego formal. “Isso seria uma vantagem no meu currículo, que sofreu uma reviravolta. Eu tenho que colocar a minha experiência lá, porque são sete anos. Não teria como justificar uma ausência nesse período”, conclui.
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