Passivo com aposentadorias vai aumentar
A queda dos juros reais terá um efeito indesejado para um grupo de companhias brasileiras. Trata-se de uma perda bilionária ligada à atualização dos compromissos dessas empresas com planos de pensão de benefício definido de seus funcionários, modalidade existente principalmente em empresas estatais e privatizadas.
A queda de 1,5 ponto percentual do juro real dos títulos públicos de longo prazo no último ano deve aumentar o passivo atuarial das empresas em torno de 30%, estima o professor Edson Jardim, do MBA de Gestão Financeira e Atuária da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras). “A cada 1 ponto percentual de queda na taxa de desconto, as obrigações aumentam em cerca de 20%”, diz ele, ressaltando que trata-se de um cálculo aproximado.
Embora o cálculo atuarial seja bastante complexo, envolvendo taxas de desconto, previsão de reajuste de salários, inflação, tábuas de mortalidade e expectativa de retorno para os ativos, a lógica do efeito do juro real menor nas contas das empresas é simples.
Se uma taxa real mais baixa torna mais difícil para cada pessoa acumular recursos para sua aposentadoria – exigindo mais economia, mais tempo de acumulação e diversificação -, o mesmo se aplica, em escala muito maior, para empresas que se comprometeram a pagar valores fixos como remuneração a milhares de ex-empregados depois do desligamento por tempo de serviço. Ou seja, a reserva que o fundo de pensão precisa ter hoje para pagar os benefícios ao longo do tempo tem de ser maior do que em um cenário de juros mais altos.
Apesar de a taxa real de juros ter caído ao longo de todo o ano passado, esses ajustes são feitos apenas anualmente nos balanços (bancos fazem o acerto semestralmente), o que significa que o impacto maior deve ocorrer nos números do quarto trimestre de 2012.
Entretanto, não é possível dizer que a perda será vista no balanço de todas as empresas que possuem esse tipo de plano, ou que oferecem planos de saúde para seus ex-funcionários.
Primeiro porque, a depender do caso específico de cada companhia, o resultado pode ser tanto um aumento do déficit atuarial, ou seja, do passivo, como uma redução de superávit – que algumas vezes sequer é reconhecido como ativo, ficando fora do balanço.
Além disso, a regra atual permite que os efeitos das variações atuariais sejam reconhecidos de três formas pelas empresas: no patrimônio líquido, diretamente no resultado do exercício ou também no resultado, mas somente quando a variação é muito relevante e supera determinada variação.
Esse terceiro método, chamado de “corredor”, deixará de existir a partir deste ano. Mas deve “salvar” muitas empresas de uma perda relevante em 2012 (ver mais sobre este tema nesta página).
O Valor procurou 15 grandes empresas que patrocinam planos de benefício definido que estão entre os maiores do país, mas 11 delas se recusaram a comentar o caso. Por situações específicas dos planos e do sistema de reconhecimento, Vale e Cemig entendem que não haverá impacto relevante em seus balanços, embora no caso da empresa elétrica seja admitido um efeito nos passivos do plano de saúde. O Banco do Brasil, dono do maior plano e do maior superávit atuarial, não fez estimavas, mas explicou detalhes de suas premissas (ver mais nesta página).
Em nota, a Eletrobras disse que “ainda estuda os impactos das mudanças atuariais da obrigação referente aos planos de complementação de aposentadoria” e que “os impactos decorrentes das eventuais alterações das premissas serão conhecidos somente quando da conclusão da avaliação atuarial.”
Conforme amostra levantada pelo Valor com dados dessas 15 empresas, a taxa real média de desconto usada ao fim de 2011 para trazer as obrigações a valor presente ficava pouco acima de 5,5%, o que indica que a maior parte delas usou o prêmio das NTN-Bs de longo prazo do fim daquele ano como referência para os cálculos.
Em dezembro de 2012, os juros reais dessas NTN-Bs tinham caído para perto de 4% ao ano (veja quadro nesta página). Essa é a taxa mais provável que as empresas terão que usar para calcular o passivo atuarial, embora haja discussões para se tentar uma alternativa (ver mais em reportagem nesta página). Tudo mais constante, quanto menor a taxa de desconto, maiores as obrigações a valor presente.
Como parte dos ativos que garantem as aposentadorias dos funcionários dessas empresas, como as próprias NTN-Bs de longo prazo, também se valorizou ao longo do último ano (por causa do mesmo efeito da queda do juro prefixado), o forte aumento dos passivos atuariais será parcialmente compensado.
Com base em um estudo próprio com dados de mercado, a Deloitte calcula que o impacto líquido médio no saldo atuarial será negativo em 12%. “Esse é o efeito ao se assumir um prazo médio de 20 anos para as obrigações. Se ele for mais longo, o impacto é ainda maior”, explica José Domingos Prado, sócio da área de auditoria.
O especialista diz que, por mais que as fundações tenham bastante NTN-Bs na carteira, o impacto do lado dos ativos (que são marcados a mercado no balanço da patrocinadora, embora o registro seja pela curva do papel na maior parte dos fundos de pensão) não deve compensar o aumento dos passivos, porque sempre existe uma diversificação nas aplicações, inclusive de prazo.
A Deloitte não divulga os valores em reais das perdas identificados no estudo, por envolverem dados de clientes. Mas não é exagero dizer que as cifras podem atingir alguns bilhões de reais. O grupo de 15 empresas identificado pelo Valor, por exemplo, possuía obrigações com previdência e planos de saúde que, somadas, superavam R$ 320 bilhões no fim de 2011.
Estudo da Fipecafi e da Ernst & Young com 60 grandes empresas identificou que 36 divulgaram notas explicativas sobre obrigações atuariais. Do total, 11 registram o efeito todo no patrimônio líquido, 8 têm como prática reconhecer as variações integralmente no resultado do período e 14 optam método “corredor”, que também afeta o resultado, mas apenas quando se rompe um colchão que amortiza as variações até certo limite (3 empresas não deram a informação).
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