Operações da Kodak no país agonizam e imagem da Kodak esmaece no país
O comerciante José Carlos Bueno nunca passou perto de Rochester, a cidade do Estado de Nova York que há mais de cem anos abriga a sede da Kodak. Apesar disso, o terremoto digital que há anos começou a sacudir a maior companhia mundial de fotografia também afetou seu negócio – uma loja de produtos e serviços fotográficos localizada em uma rua de comércio tradicional no bairro de Pirituba, na zona oeste de São Paulo.
Aberta há 16 anos, quando a câmera analógica e os filmes fotográficos reinavam, a loja de “seu” Bueno – como ele é conhecido no bairro – ainda se concentra na fotografia, mas muitas prateleiras estão tomadas por óculos e celulares. A revelação de filmes tornou-se uma sombra do passado. O volume de serviço, que chegou a 500 rolos por dia, hoje não passa de 10. Apesar disso, o logotipo da Kodak continua estampado na fachada do estabelecimento, como um símbolo dos tempos áureos. “A marca ainda tem peso e as pessoas a associam à fotografia de qualidade”, diz o comerciante.
Há quatro anos Bueno deixou de ter um relacionamento comercial direto com a Kodak. Por contrato, a loja deveria vender apenas produtos da marca. Em contrapartida, a companhia americana estava obrigada a enviar, com frequência, representantes comerciais e de tecnologia. As duas coisas deixaram de acontecer.
O caso é um indicador do grau de abatimento da Kodak no mercado brasileiro, reflexo da crise global enfrentada pela companhia. No Brasil desde 1920, a Kodak transformou o país em uma base de operações relevante, com a produção local de papel fotográfico e câmeras. Hoje, sobrou pouca coisa da força de outrora.
Procurada pelo Valor, a assessoria da Kodak no Brasil pediu que a solicitação fosse encaminhada à agência de relações públicas da companhia nos Estados Unidos, que não respondeu aos pedidos de entrevista.
Em São José dos Campos (SP), a Kodak usa apenas dois dos 24 prédios que ocupam uma área de mais de 800 mil metros quadrados e anteriormente eram exclusividade da companhia. Nesses edifícios estão concentrados o estoque e a equipe administrativa. As demais instalações foram transformadas em um centro empresarial, alugado pela Kodak a outros condôminos. O número de empregados no município, diz um funcionário que prefere não se identificar, não ultrapassa 40 pessoas. Quando ocupava todo o complexo, a companhia chegou a ter 500 funcionários no local.
A fábrica de São José dos Campos, na qual a Kodak produzia papel fotográfico e produtos químicos, foi fechada em 2005. Uma parte da equipe foi transferida para Manaus, onde a companhia já tinha uma unidade para corte e embalagem de papel fotográfico, além de linhas destinadas a microfilmes e papel térmico.
Essas atividades prosseguem em Manaus, mas a força de trabalho passou por uma redução significativa. Quando inaugurou a fábrica, em 1988, trabalhavam na unidade 350 pessoas, segundo dados da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa). Hoje, restam 54, conforme apurou o Valor. A unidade, construída em uma área de seis mil metros quadrados, teve um investimento inicial de US$ 132,5 milhões, de acordo com informações da Suframa.
Em 2006, a Kodak começou a montar câmeras digitais em Manaus para reduzir o preço do produto. Na época, o Brasil era o único país do mundo, à exceção da China, a contar com uma operação da Kodak desse tipo. A experiência mostrou-se bem-sucedida, informou a Kodak na época. A projeção de vendas feita para cinco meses foi cumprida na metade do tempo, o que levou a empresa a obter permissão da matriz para iniciar a montagem de outro modelo. Mais tarde, a Kodak também iniciou uma operação na Argentina.
Desde o início, a produção de câmeras da Kodak no Brasil foi feita sob regime de produção terceirizada. A companhia contratada foi a americana Jabil, especializada em manufatura sob encomenda.
Agora, é difícil saber como está a produção. No início do mês, a Kodak decidiu abandonar globalmente a montagem de câmeras e filmadoras. Com a decisão, a expectativa é que o contrato com a Jabil, que também produz equipamentos para Fuji e Nikon no Brasil, seja encerrado.
Segundo o Valor apurou, a produção da Kodak já havia diminuído no início do ano, antes mesmo do anúncio internacional. À época, uma pessoa próxima à companhia afirmou que a queda no ritmo de produção era um ajuste natural relativo ao primeiro trimestre e que a expectativa era de retomada. Procurada, a Jabil não quis conceder entrevista sobre o assunto.
Com o fim da produção de câmeras e o enfraquecimento das demais operações industriais no Brasil, um dos poucos pontos fortes que restavam para a companhia no país era a rede de lojas Kodak Express, que servia de elo com o consumidor.
Em meados da década passada, atordoados pela onda digital, as empresas tradicionais de fotografia viram nas redes especializadas a oportunidade para disseminar os “minilabs”. Acreditava-se que parte dos negócios migraria para esses quiosques de autoatendimento. O cliente entraria na loja com o cartão de memória de sua câmera e, sozinho, poderia escolher e imprimir suas fotos favoritas. O cenário não se confirmou. Com o advento das redes sociais e o fenômeno dos celulares com câmera, compartilhar imagens transformou-se em uma febre digital. Pouca gente anima-se a levar as imagens para o papel.
No caso da Kodak, ressentidos com o “sumiço” dos representantes comerciais, muitos lojistas começaram a procurar outros fornecedores de tecnologia. “Passamos a comprar com distribuidores e a usar produtos de outras empresas, como a Hewlett-Packard “, afirma Akio Tony Miyasaka, dono de uma loja em Ribeirão Preto (SP). Segundo o comerciante, as relações com a Kodak começaram a azedar quando a companhia passou a fazer exigências de volume. “Já não compensava mais comprar com eles”, diz Miyasaka.
Em 2008, a Kodak tinha mais de mil lojas Kodak Express no país. O número atual é desconhecido e não se sabe quantas delas mantêm a marca na fachada, mesmo sem relações comerciais com a empresa. Como “seu” Bueno, esse é o caso de Miyasaka. Para adaptar-se à era digital, sua loja, estabelecida em 1949, mudou para um espaço menor, mas continua a carregar tanto o sobrenome da família como a logomarca da Kodak. Em um mundo marcado por transições profundas como o da fotografia, ainda há lugar para relacionamentos antigos, mesmo aqueles que estão por um fio.(Colaborou Virgínia Silveira, de São José dos Campos)
Fonte: Bruna Cortez, Valor Economico