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O que o novo consumidor da China quer?

A Apple causou frenesi na China. É possível achar um Starbucks em praticamente toda esquina das cidades costeiras do país e além. Da Nike à Siemens, os consumidores chineses realmente preferem as marcas ocidentais aos concorrentes domésticos. Com a ascensão dos microblogueiros, a popularidade de bandas de rock como Hutong Fist e Catcher in the Rye, e até mesmo a recente popularidade do Natal, tudo parece apontar para uma ocidentalização crescente.

Mas não se engane com as aparências. O consumidor chinês não está se tornando “ocidental”. Ele está cada vez mais moderno e cosmopolita, mas continua distintamente chinês. Se aprendi algo em meus 20 anos trabalhando como executivo de publicidade na China, é que as marcas ocidentais bem-sucedidas moldam sua mensagem no país para serem “globais” e não “estrangeiras” — para que possam assim incorporar a cultura chinesa.

Entender a cultura de consumo da China é um bom ponto de partida para entender o país em si numa era em que ele se aproxima rapidamente do status de superpotência. Embora a economia e a sociedade chinesas estejam evoluindo velozmente, os fundamentos culturais continuam mais ou menos os mesmos há milhares de anos. A China é uma sociedade confucionista, uma combinação quixotesca de poder patriarcal e mobilidade social. Seus cidadãos são movidos pelo conflito constante entre se destacar e se encaixar, entre ambição e regimentação. Na sociedade chinesa, os indivíduos não possuem uma identidade única que não envolva suas obrigações à sociedade e a obtenção do seu reconhecimento. O clã e a nação são os pilares eternos da identidade. O individualismo ocidental — a ideia de se definir independentemente da sociedade — não existe por aqui.

A velocidade com que os cidadãos chineses têm adotado tudo que é digital é um sinal da mudança no país. Mas o comércio eletrônico, que revolucionou o equilíbrio de poder entre varejistas e consumidores, só decolou mesmo quando a necessidade chinesa de tranquilização foi satisfeita. Até mesmo quando as transações são fechadas pela internet, a maioria das compras é concluída pessoalmente, com o comprador examinando o produto e pagando em dinheiro vivo.

Até mesmo a autoexpressão digital precisa ser segura e encoberta pelo anonimato. Os sites de redes sociais como o Sina Weibo (versão chinesa do Twitter), o Renren e o Kaixing Wang (a versão local do Facebook) se tornaram extremamente populares. Mas seus usuários se escondem com avatares e pseudônimos. Uma pesquisa realizada pela firma de publicidade JWT, onde trabalho, e pela IAC, a holding de internet, constatou que menos de um terço dos jovens americanos concorda com a seguinte afirmação: “Sinto segurança em fazer e dizer coisas [on-line] que não teria coragem de fazer fora da rede”, e 41% deles discordam. Entre os entrevistados chineses, 73% concordaram e apenas 9% discordaram.

Na cultura de consumo da China, há uma tensão constante entre o desejo de se proteger e o de exibir status. Esse conflito explica a existência de duas linhas de desenvolvimento aparentemente conflitantes. Por um lado, vemos um índice de poupança estratosférico, sensibilidade extrema aos preços e aversão aos juros do cartão de crédito. Por outro lado, há a obsessão chinesa com bens de luxo e a disposição de pagar até 120% da renda anual num carro.

Os chineses enfrentam diariamente uma rede de previdência social em frangalhos, a falta de instituições que protejam o patrimônio pessoal, alimentos contaminados e uma série de outros riscos à casa e à saúde. O instinto dos consumidores para projetar status pela exibição de bens materiais é equilibrada pelo comportamento conservador nas compras. A segurança é o mais importante para os consumidores chineses. Até mesmo calças de luxo precisam garantir que não são tóxicas antes de propagandear as virtudes de expressar a individualidade do consumidor de maneira original. A segurança também é uma grande preocupação dos compradores de carros, em qualquer segmento de preço.

Para conquistar os consumidores chineses, as marcas precisam seguir três regras. A primeira e mais importante é que os produtos consumidos em público, direta ou indiretamente, são muito mais caros que os usados no âmbito da vida privada. As principais marcas de celular são multinacionais. As principais marcas de eletrodomésticos, por outro lado, são produtos baratos de fabricantes chineses como TCL, Changhong e Little Swan. Segundo um estudo da varejista britânica B&Q, o chinês comum da classe média gasta apenas US$ 15.000 para equipar um apartamento totalmente vazio de 90 metros quadrados.

Os produtos de luxo são desejados mais como investimentos em status do que pela beleza ou qualidade inerentes. Os chineses são atualmente os consumidores mais ávidos do mundo de produtos de luxo, pelo menos se as viagens para Hong Kong ou Paris forem levadas em conta. Segundo a Global Refund, firma especializada em compras isentas de imposto para turistas, os chineses respondem por 15% dos bens de luxo comprados na França, mas são menos de 2% dos visitantes.

A tendência de exibir os produtos também é um aspecto crucial na forma como as marcas estão se reposicionado para atrair consumidores chineses. Apesar da cultura chinesa do chá, a Starbucks conseguiu se estabelecer como um local público em que as tribos de trabalhadores se reúnem para proclamar sua filiação à nova geração da elite local. Tanto a Pizza Hut quando a Häagen Dazs criaram franquias gigantescas na China voltadas para o consumo fora de casa.

A segunda regra é que os benefícios de um produto devem ser externos e não internos. Até para os bens de luxo, celebrar o individualismo — com noções conhecida dos ocidentais como “o que eu quero” e “como me sinto” — não funciona na China. Os automóveis precisam anunciar que o homem está subindo de vida. A BMW, por exemplo, conseguir adicionar com sucesso a seu slogan mundial “puro prazer de dirigir” uma declaração de ambição ao estilo chinês.

Às vezes, a diferença entre os benefícios internos e externos pode ser relativamente sutil. Os spas e resorts faturam mais quando prometem não apenas relaxamento mas também recarregar as baterias. As fórmulas para bebês promovem a inteligência e não a felicidade. Nos países ocidentais, viver as coisas boas da vida é suficiente; na China, a cerveja pilsner tem que unir as pessoas, reforçar a confiança e promover ganhos financeiros mútuos.

A última regra para posicionar uma marca na China é que seus produtos precisam atender a necessidade de navegar as diferentes correntes da ambição e da regimentação, de se destacar mas ao mesmo tempo se encaixar. Os homens chineses querem ser bem-sucedidos sem quebrar as regras do jogo e é por isso que os mais ricos do país preferem carros da Audi ou da BMW do que vistosas Maseratis.

Os consumidores de luxo querem mostrar que venceram no sistema mas manter a humildade, motivo para o sucesso do logotipo com a estrela de seis pontas da Mont Blanc ou o couro trançado característico da Bottega Veneta — ambos propositalmente discretos. Os jovens consumidores querem ser aceitos e ter estilo, então escolhem marcas da moda mais convencionais como Converse e Uniqlo.

Os pais chineses são atraídos pelas marcas que prometem “aprendizado oculto” para seus filhos: o desenvolvimento intelectual disfarçado de diversão. A Disney vai ser mais bem-sucedida como uma franquia educacional — suas escolas de inglês são um enorme sucesso — do que como parque temático. Os restaurantes da McDonalds’s, templos de alegria infantil nos países ocidentais, se transformaram em parques de diversão acadêmicos na China: o McLanche Feliz tem bonecos do Snoopy usando roupas do mundo inteiro, enquanto o site da rede no país, comandado pelo Professor Ronald, oferece McCursos Felizes de multiplicação. A pasta de amendoim Skippy oferece “delicioso sabor” e “uma maneira inteligente de se preparar um sanduíche”.

Até mesmo a paixão da China pelo Natal — com fortes vendas de fim de ano e onipresente música natalina, até mesmo nos prédios do Partido Comunista — serve para incorporar um ideário distintamente chinês. Papai Noel é símbolo de progresso: ele representa o conforto crescente do país com a nova ordem mundial, que ele está determinado a assimilar sem sacrificar seus interesses nacionais. O Natal se tornou uma maneira de projetar status numa cultura em que a identidade individual é inseparavelmente conectada à aprovação dos outros.

O sonho americano — riqueza e liberdade — é embriagante para os chineses. Mas enquanto os americanos sonham com “independência”, os chineses querem “controlar” seu próprio destino e as oscilações da vida cotidiana. As semelhanças de cunho material entre os chineses a americanos mascaram impulsos emocionais fundamentalmente diferentes. Se as marcas ocidentais podem aprender a visão de mundo da China, talvez o Ocidente inteiro também consiga.

Doctoroff é autor de “What Chinese Want: Culture, Communism and China’s Modern Consumer” (O Que Os Chineses Querem: Cultura, Comunismo e O Consumidor Chinês Moderno). Ele é diretor-presidente para a Ásia Maior da J. Walter Thompson, cujos clientes incluem a Starbucks, a De Beers e a Renren.

marcos

Professor, Embaixador e Comendador MSc. Marcos Assi, CCO, CRISC, ISFS – Sócio-Diretor da MASSI Consultoria e Treinamento Ltda – especializada em Governança Corporativa, Compliance, Gestão de Riscos, Controles Internos, Mapeamento de processos, Segurança da Informação e Auditoria Interna. Empresa especializada no atendimento de Cooperativas de Crédito e habilitado pelo SESCOOP no Brasil todo para consultoria e Treinamento. Mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela PUC-SP, Bacharel em Ciências Contábeis pela FMU, com Pós-Graduação em Auditoria Interna e Perícia pela FECAP, Certified Compliance Officer – CCO pelo GAFM, Certified in Risk and Information Systems Control – CRISC pelo ISACA e Information Security Foundation – ISFS pelo EXIN.