O país dos conselheiros
O Brasil complexo do futuro presidente, visto por quem ajuda empresas a formular e executar estratégias.
O primeiro ano de mandato do próximo presidente da República não será nada fácil. A parte mais difícil virá com a pressão por reformas e pela aplicação de um ajuste fiscal. Há muito a fazer para destravar definitivamente o desenvolvimento do país, melhorar sua infraestrutura e elevar o nível de qualificação profissional dos brasileiros. Essa, em linhas gerais, é a visão compartilhada por 15 conselheiros de administração de grandes e médias empresas ouvidos pelo Valor. Pelas respostas percebe-se que há um clima de cautela no ar.
Nas palavras de Roberto Teixeira da Costa, conselheiro do grupo SulAmerica, “a sensação é difusa”. Em síntese, a campanha eleitoral se desenrolou sem definição de propostas concretas e demonstração de sua viabilidade. Por telefone, da Alemanha, onde participava de um evento sobre oportunidades de investimento, ele disse que todos querem saber para onde o país vai. “A curiosidade é enorme, mas as eleições ainda deixam uma incógnita no ar”.
Teixeira da Costa encerrou a apresentação que fez em Dusseldorf dizendo que os progressos obtidos pelo Brasil na área macroeconômica são irreversíveis. “O Partido dos Trabalhadores ganhou consciência do valor da moeda. Por isso, não acredito que haja espaço para invenções nesse campo”, disse ao Valor, ao se referir a uma eventual vitória da candidata Dilma Rousseff (PT), favorita nas pesquisas de opinião, na disputa com José Serra (PSDB). “A dificuldade está na falta de carisma dos dois candidatos, e isso pesa na hora de enfrentar decisões difíceis.”
Roberto Teixeira da Costa: “A dificuldade está na falta de carisma dos dois candidatos, e isso pesa na hora de decisões difíceis”
Para Álvaro de Souza, presidente do conselho de administração da companhia aérea Gol, a vitória de Dilma Rousseff, a princípio, permitirá ao governo fazer as reformas com mais conforto, em razão da composição do Congresso. “A principal questão a ser atacada no curtíssimo prazo é a da valorização excessiva do real e a necessária queda dos juros.” No médio e longo prazos, o objetivo prioritário deve ser a reforma tributária. “Sem ela, não criaremos as condições para dar solidez ao projeto de nação desenvolvida.”
Souza vê mais semelhanças do que diferenças no perfil dos dois candidatos. “Ambos defendem maior participação do Estado.” Isso, a seu ver é um problema, sobretudo para o setor aéreo. “A questão da infraestrutura dos aeroportos não está clara. Ninguém fala em privatização e não conheço um plano que nos dê tranquilidade sobre o que vai ser feito para eliminar esse gargalo.”
Em dois temas abordados, há uma visível maioria de opiniões a favor de intervenções do governo. Um deles é um ajuste fiscal agressivo e imediato para abrir espaço a uma política monetária que conduza à redução mais rápida dos juros (12 apóiam a medida e 3 são contra).
Gilberto Mifano: “Equilíbrio fiscal é prioritário, com redução da carga tributária e reforma do sistema previdenciário”
“A questão do equilíbrio fiscal é prioritária. Ela se desdobra em duas outras, que são a redução da carga tributária e a reforma do sistema previdenciário”, afirma Gilberto Mifano, presidente do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
Para o economista João Pinheiro Nogueira Batista, o ajuste fiscal vai resolver o problema da valorização do real e reduzir a taxa de juros. Ex-presidente da Bertin S.A., ex-dirigente da Petrobras, ele integra o conselho de administração do Grupo Cerradinho de Açúcar, Álcool e Energia e os conselhos consultivos da Signatura Lazard e Roland Berger Strategy Consultants.
Entre os poucos que não defendem uma ação fiscal agressiva está Laércio Cosentino, presidente do conselho de administração da Totvs, uma das principais empresas de tecnologia, com forte atuação no exterior. “Em vez de agressivo, o ajuste deve ser bem planejado. O governo pode apontar que vai reduzir os juros e fazer com que isso ocorra na velocidade adequada. Temos que manter o fluxo de capitais positivo para o Brasil.”
José Guimarães Monforte: “Crédito subsidiado não cria competitividade. Importante é o investimento em infraestrutura”
Outra questão em que a balança se inclina para o lado do “sim” é a da adoção de políticas setoriais para estimular o investimento em áreas prioritárias (11 a favor e 4 contra). Nogueira Batista, no entanto, faz a ressalva de que não deve haver assistencialismo. “É preciso olhar para as cadeias produtivas e estabelecer as medidas necessárias.” Cosentino alerta para a necessidade de um planejamento adequado de curto, médio e longo prazos. “A Coreia é um bom exemplo: consegue envolver todos os agentes econômicos em uma direção planejada.”
Entre os 4 que se opõem à adoção de políticas setoriais, José Guimarães Monforte é enfático: “Crédito subsidiado não cria competitividade.” Para ele, o ideal é haver investimentos públicos em infraestrutura, para aumentar a disponibilidade de insumos e ampliar o sistema de logística. Monforte é conselheiro da Natura, Promon e Vivo.
Embora esteja na ordem do dia, a adoção de outras medidas administrativas, além das intervenções do Banco Central, para segurar o câmbio divide opiniões, com vantagem para aqueles que concordam (9 a 6) com a iniciativa. Monforte acredita que é melhor operar anticiclicamente do que adotar medidas intervencionistas. “É preciso atacar as ineficiências de exportações, tanto fiscais como burocráticas. Qualquer intervenção na entrada é dor de cabeça na saída.”
Laércio Cosentino: “É necessário um planejamento adequado. A Coreia é um bom exemplo do que se pode fazer nessa direção”
Teixeira da Costa observa que o limite para compra de dólar está se esgotando. “Não há alternativa, a não ser a tributação ou estabelecer um período de carência para os estoques de capital.” Para ele, a sensação que se tem no exterior é de que o mundo está sem moeda. “O real ficou forte demais. O governo terá de gastar menos e investir mais.”
Cosentino recomenda medidas mais ligadas ao comércio do que ao capital. Para ele, só seria justo deixar o câmbio ao sabor do mercado se todos fizessem o mesmo. “Não é o caso da China, que, além disso, está montada em reservas de trilhões de dólares.”
O desafio para o novo presidente é muito parecido com o que enfrentam os conselheiros. Em resumo, tudo tem a ver com senso de oportunidade e gestão de risco. A questão é fazer o que precisa ser feito, e com urgência. As respostas às perguntas formuladas pelo Valor indicam claramente que a visão sobre o futuro é positiva. Por isso, os conselheiros acreditam que o momento é oportuno para resolver os velhos e crônicos problemas estruturais do país, como a falta de poupança interna e mais recursos para investimentos.
“O próximo presidente não escapará de enfrentar a questão das reformas”, diz Cosentino. Ele compara a situação do país à de uma locomotiva que ganhou velocidade e que não pode ser parada a qualquer momento. “Temos um muro lá frente, e se não o derrubarmos, vamos bater.”
Para Nogueira Batista, o começo de tudo é a reforma política. “Sem ela, as outras mudanças não acontecem.”
Se, no curto prazo, a questão a ser atacada tem a ver com mais eficiência do setor público e maior capacidade de investimento, no médio e longo prazos, o desafio principal está relacionado à educação. A questão é apontada como prioritária pelos conselheiros. Para eles, tão importante quanto eliminar os gargalos na infraestrutura é evitar um “apagão” de mão-de-obra, representado por insuficiência de profissionais qualificados.
A questão educacional é vista além da fronteira da qualificação profissional específica, proporcionada pelas empresas com investimento em treinamento e capacitação. “Hoje, há dificuldade para executar os projetos, por falta de executivos e gente qualificada”, diz o engenheiro Richard Doern, conselheiro em cinco empresas do setor de transporte e logística, educação e agronegócio. “Temos um cenário exuberante de oportunidades, mas enfrentamos o risco de faltarem recursos humanos em nível gerencial e técnico para aproveitá-las.”
Há quase unanimidade em eleger a educação como questão prioritária para o próximo governo. Entre os que pensam assim está o consultor Paulo Conte Vasconcellos, membro dos conselhos de administração da Eliane S.A. – Revestimentos Cerâmicos, da Jamef Transportes Ltda. e do Grupo Seculus. “Cada vez mais, a gestão de pessoas é um fator de diferenciação competitiva. As empresas brasileiras têm carências de talentos em todos os níveis e o crescimento econômico poderá ser limitado se não houver uma melhoria no nosso sistema educacional, desde o ensino fundamental até a pós-graduação.”
Fonte: Edson Pinto de Almeida, Valor Economico