Nos EUA pós-crise, classe média evita bancos
A família Russell ganha cerca de US$ 230.000 por ano, com Charles Russell, de 43 anos, trabalhando como analista de sistemas para a Microsoft Corp. Segundo o Departamento do Censo dos Estados Unidos, isso coloca a família no grupo de 5% com maior renda entre os domicílios americanos.
Mas a riqueza da família de Kirkland, Estado de Washington, pode não ser evidente, ao ver a maneira como Russell administra suas finanças pessoais. Ele não tem conta em banco; desistiu de ter, irritado com as taxas administrativas e multas de cheque especial. Em vez disso, para as operações do dia-a-dia ele usa um cartão de débito oferecido pela NetSpend Holdings Inc.
“Não tenho necessidade, desejo nem vontade de ir a um banco normal”, diz Russell, acrescentando que o cartão oferece uma poupança com um juro competitivo.
Os americanos de classe média estão passando menos tempo nos saguões dos bancos tradicionais que seus pais frequentavam, Hoje, 8,2% dos domicílios do país – quase 12 milhões – estão gerindo suas finanças sem recorrer a um banco, de acordo com dados baseados no Censo que a Federal Deposit Insurance Corp., a agência de seguro de depósitos dos EUA, conhecida como FDIC, divulgou semana passada. No relatório de 2009, essa fatia era menor: 7,7%.
Outros 24 milhões de famílias, definidas pelo governo como “sub-bancárias”, têm conta em banco, mas também têm atividades fora do sistema bancário formal, usando notas promissórias, cartões pré-pagos e outros meios alternativos, segundo conclusões da FDIC. Essa população que abandonou os bancos, ou utiliza pouco os seus serviços, compõe 28,3% das famílias americanas, diz a agência. É um ligeiro aumento em relação aos 25,6% que se encaixavam nessas categorias em 2009.
Alguns são motivados pela irritação com os encargos bancários, incluindo taxas de cheque especial que custaram aos americanos um total de US$ 31,6 bilhões em 2011, segundo a firma de pesquisas Moebs Services Inc. Outros são estimulados pelo aperto de crédito causado pela crise financeira e por uma perda de confiança nas instituições tradicionais. Os que são atraídos para novas opções não bancárias, como as firmas NetSpend e Green Dot Corp., elogiam os benefícios da nova tecnologia e dos novos serviços, tais como alertas enviados por mensagens de texto em tempo real.
O fenômeno mostra como o comportamento do consumidor mudou nos cinco anos desde o início da crise financeira global. Antes, o governo americano tentava atrair milhões de cidadãos sem conta bancária – normalmente os que ganham salários mais baixos – para as instituições financeiras convencionais. Não ter ou não usar uma conta bancária era um indicador de dificuldades econômicas.
Os números da FDIC são a mais recente prova de que os americanos estão agindo de forma diferente. Um relatório recente do Federal Reserve, o banco central dos EUA, mostra que o endividamento do consumidor recuou em julho, pela primeira vez em quase um ano, em US$ 3,28 bilhões com ajuste sazonal, atingindo US$ 2,71 trilhões, embora o governo diga que os gastos dos consumidores subiram. O declínio reflete principalmente uma queda de 6,8% nas dívidas de cartão de crédito. A informação está em concordância com um estudo de agosto feito pelo Federal Reserve de Cleveland, uma das sedes regionais do Fed, que concluiu que o grupo de pessoas sem cartão de crédito cresceu de 18% para 24% nos últimos quatro anos.
Adam Solis, de 39 anos, é um exemplo típico dessa nova mentalidade. Ele ganha cerca de US$ 55.000 anuais trabalhando para uma concessionária de serviços públicos de Los Angeles, ficando, assim, logo acima da renda familiar mediana dos EUA. Ele tem uma conta corrente e de poupança em uma cooperativa de crédito, mas prefere usar um cartão de débito Green Dot, que pegou em uma drogaria da rede Walgreens. Citando as altas taxas bancárias e o desejo de controlar melhor seus gastos, ele deposita centenas de dólares no cartão a cada mês.
“Vejo isso como um negócio de longo prazo”, diz Solis.
Os cartões de débito pré-pagos, oferecidos tanto pela NetSpend como pela Green Dot, são o veículo de pagamento que mais cresce no país, de acordo com o Federal Reserve. Os clientes compram o cartão em supermercados e lojas de conveniência e depositam dinheiro no cartão, usando-o então para pagar por uma ampla variedade de serviços e de compras – exatamente como fariam com um cartão normal de crédito ou de débito.
A Green Dot foi criada em 1999 visando a oferecer um cartão a adolescentes que queriam fazer compras on-line. Em vez disso, acabou atraindo principalmente clientes adultos com histórico de crédito problemático, que não se qualificavam para ter um cartão normal. Com o estímulo de uma relação exclusiva com a rede Wal-Mart Stores Inc., o número de cartões ativos em circulação cresceu para cerca de 4,4 milhões, tornando a Green Dot a maior empresa de cartões de débito pré-pagos nos EUA.
No ano passado a empresa comprou o Bonneville Bank, banco regional de Utah, dando-lhe o novo nome de Green Dot Bank. A aquisição permitiu à Green Dot emitir seus próprios cartões, em vez de ter que depender de parceiros.
Hoje, a Green Dot informa que a renda mediana dos clientes é de cerca de US$ 45.000, ou quase o dobro do que era há sete anos; cerca de metade dos usuários depositam seu salário diretamente no cartão. Esses dados “mais do que nunca, provam que este é um produto de amplo alcance”, diz o diretor-presidente Steve Streit.
Um cartão Green Dot custa até US$ 4,95 em uma loja de varejo, mais uma taxa mensal de manutenção de US$ 5,95, dependendo do uso. Não há taxa mensal se o cliente depositar US$ 1.000 ou mais dentro desse período, ou se o cartão for usado 30 vezes. As recargas, feitas on-line ou em lojas, podem custar até US$ 4,95 cada, dependendo do método.
Muitas empresas estão vendendo os cartões como uma alternativa para uma conta corrente e relatam que os clientes estão depositando neles, diretamente, seus salários.
A Pew Charitable Trusts estima que o total que passa por esses cartões vai alcançar US$ 201,9 bilhões em 2013, em comparação com US$ 28,6 bilhões em 2009. Grupos do setor e consultores de crédito dizem que uma grande razão para o aumento no interesse por esses cartões é que eles não permitem que o cliente gaste mais do que o seu saldo.
Russell tinha uma conta bancária em 2007, quando era corretor de imóveis na Califórnia. A recessão afundou o mercado imobiliário, e também suas finanças. Vieram então as diversas taxas e multas bancárias e ele fechou a conta. Um novo emprego no Estado de Washington exigiu que ele tivesse alguma conta para depósitos diretos. Ele pensou em procurar um banco, mas sua esposa sugeriu um cartão pré-pago da NetSpend, rival da GreenDot.
O cartão vem com um seguro da FDIC de até US $ 250.000, proteção contra fraudes e uma taxa de juros de poupança que é “competitiva, ou um pouquinho mais alta, que a dos bancos tradicionais”, diz Russell.
Toda essa atividade está chamando a atenção dos bancos tradicionais. Alguns estão elimnando taxas, enquanto outros procuram aprofundar o relacionamento com os clientes.
O Regions Financial Corp., um dos maiores bancos americanos em ativos, agora oferece aos clientes vários serviços, como pequenos empréstimos, desconto de cheques e cartões pré-pagos. A renda média dos clientes que usam os novos produtos da Region: US$ 50.000 por ano. O J.P. Morgan Chase & Co., o maior banco do país em ativos, começou a vender cartões de débito pré-pagos nos últimos meses. A American Express Co. agora também vende cartões pré-pagos. No material de marketing, a Amex usa o slogan: “Você gasta como dinheiro vivo, mas sente que pertence a um clube”.
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