Contabilidade: Norma de seguros ganha peso com envelhecimento
Debaixo do peso e dos escândalos ocasionais envolvendo práticas abusivas de vendas, há uma nobreza nas companhias de seguros de vida. Num mundo corporativo que sempre vive de um trimestre para o outro, elas são um bastião da mentalidade de longo prazo – e a fonte mais provável dos produtos financeiros de que as populações em envelhecimento precisam para tornar a longevidade uma benção, em vez de uma maldição.
Para resolver esse desafio, o setor precisa ser capaz de produzir demonstrações financeiras que não assustem os investidores com sua falta de transparência. Foi com isso em mente que as autoridades normativas contábeis respiraram fundo hás duas semanas e retomaram uma das mais contestadas reformas surgidas da crise financeira de 2008.
O Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb, na sigla em inglês), responsável pelo padrão contábil IFRS, usado na União Europeia, e em várias outros países, incluindo o Brasil, está pensando em reescrever a IFRS 9, uma nova regra que determina como bancos e seguradoras devem registrar os ativos financeiros nos seus balanços.
A contabilidade das companhias de seguros de vida tem a reputação de ser impenetrável. “As pessoas não entendem como o lucro emerge desses negócios”, afirma Francesco Nagari, um especialista da Deloitte. Da forma como está, a nova regra tornaria os lucros mais voláteis e confusos ao criar um descompasso irreparável entre o modo como o ativo e o passivo das seguradoras são medidos, dizem os contrários à medida.
A reforma do Iasb deve entrar em vigor em 2015, tendo sido elaborada apressadamente, no compasso do colapso de vários bancos em 2008. Ela formou a primeira parte de um conjunto de regras que em última instância vai regular todos os aspectos da contabilidade dos instrumentos financeiros dentro do IFRS.
Diante da reação política que o Iasb já enfrentou por causa da questão, a revisão está sendo cuidadosa. A Comissão Europeia recebeu mal a primeira parte da IFRS 9 quando ela foi concluída no fim de 2009, afirmando que queria analisar todas as reformas associadas antes de tomar uma decisão sobre sua adoção.
A concessão do Iasb poderá reabrir um debate mais amplo sobre a avaliação dos ativos financeiros aos preços de mercado, e não pelo custo histórico. Muitos europeus são hostis ao “valor justo”. Essa prática vem recebendo a culpa pelo aumento dos problemas de liquidez dos bancos; recentemente, a crise da dívida soberana na zona do euro tornou o problema ainda mais delicado.
No entanto, as necessidades das seguradoras provavelmente fazem o risco valer a pena. “O papel que a indústria dos seguros tem na sociedade sempre foi importante e vai ficar ainda mais importante no futuro”, diz Nagari. Uma reformulação limitada da IFRS 9, para amenizar a volatilidade, também colocaria os responsáveis pelos padrões contábeis mais em linha com os reguladores de seguros da Europa.
Dito isso, ainda não está nem um pouco claro se a reorganização ampla das normais contábeis para o setor global de seguros terá o efeito desejado de permitir às seguradoras bancar seus negócios com custos menores. Os detalhes dessas reformas complexas ainda estão sendo trabalhados pelo Iasb juntamente com o Financial Accounting Standards Board, sua contraparte americana.
Em uma conferência sobre seguros em Nova York há poucas semanas, o retorno emitido pelos investidores foi cauteloso, ou mesmo pessimista. O risco de ficar “impossível” investir no setor foi mencionado. Para alguém que espera ter uma pensão adequada daqui algumas décadas, é melhor que esse não seja o caso.
Fonte: Adam Jones | Financial Times, Valor Economico