Concessão de crédito recua de novo em janeiro
A tendência de redução do ritmo de crédito à pessoa física, capturada nas estatísticas de dezembro do Banco Central (BC), se acentua em janeiro. Em veículos, um dos segmentos mais afetados pelas medidas de restrição à oferta de dinheiro – com maior exigência de capital para operações acima de 24 meses ou entrada maior pelo consumidor -, o que se nota é que o número de licenciamentos que, sazonalmente cai 20% neste mês na comparação com dezembro, tinha recuado 35% até sexta-feira. Segundo o presidente da Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef), Décio Carbonari, tal termômetro pressupõe uma desaceleração importante para as carteiras de crédito de veículos em 2011. As estimativas da entidade são de que os portfólios cresçam a uma taxa de 10%, o que vai representar metade da expansão observada em 2010, quando o saldo atingiu R$ 188,6 bilhões.
“É uma quebra de ritmo substancial, mas ainda assim é um bom número”, diz Carbonari. Como o preço dos financiamentos ficou mais caro no dia seguinte às medidas do BC, no início de dezembro, parte dos consumidores optou por dar uma entrada maior para ter acesso às taxas mais baixas, mas ele conta que os financiamentos de 100% do valor do bem não desapareceram da praça. No cômputo geral, o último mês do ano ainda foi promissor para o setor. “Quem pretendia trocar de carro não mudou a sua programação por causa da elevação dos juros, já tinha comprador para o seu usado, além do dinheiro extra do décimo terceiro salário.”
O resultado é que dezembro foi mês de vendas recordes de veículos, com expansão de 3% dos saldos de veículos à pessoa física, acima até dos 2,2% observados em dezembro de 2009. Na média diária de concessões de financiamentos houve, porém, um recuo de 13,7% em dezembro, enquanto no mesmo mês do ano anterior houve acréscimo de 8,6%.
As medidas de restrição à oferta de crédito, que combinaram reforço de capital nas carteiras de consumo com compulsórios e aperto monetário, são um pacote agressivo para os bancos e isso vem sendo transferido para os preços, ao mesmo tempo em que os prazos médios têm sido encurtados, segundo o diretor de crédito do Banco do Brasil (BB), Walter Malieni. Como tal encarecimento reduz a capacidade de endividamento do tomador, os volumes desembolsados tendem a ser naturalmente menores. A consequência é que as instituições devem direcionar esforços para o segmento corporativo, especialmente o de pequenas e médias empresas. “A concorrência vai ser maior para compensar, mesmo que parcialmente, a rentabilidade perdida com as medidas.”
A demanda das grandes empresas, na sua visão, não deve se arrefecer porque os projetos de infraestrutura em portos, aeroportos e concessões rodoviárias precisam começar a ser concretizados já em 2011 para fazer jus aos eventos esportivos da Copa do Mundo e Olimpíada, que terão sede no Brasil em 2014 e 2016.
Com o recuo de 14,4% na média diária de concessões nas carteiras de pessoa física, dezembro foi disparado o pior mês de 2010, mas ainda não está claro se essa dinâmica vai se repetir em janeiro e nos próximos meses, segundo o economista-sênior da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Jayme Alves. Para ele, esse é o começo do impacto do aperto e será preciso mais alguns meses para sentir se foi apenas uma parada técnica ou se a demanda volta gradualmente. “Com o Brasil operando em nível de emprego recorde e a massa salarial pesando positivamente, pode haver uma recuperação.” Pela sondagem da entidade, em dezembro os bancos trabalhavam com expectativa de expansão de 16,7% para o crédito à pessoa física neste ano, mas ele não descarta uma revisão.
Outubro e novembro foram meses de aceleração das concessões, com crescimento em dois dígitos, o que explica o freio de dezembro, mas isso não quer dizer que 2011 será um ano sem disponibilidade de crédito, diz o economista do Santander Cristiano Souza. “As medidas foram mais setoriais, haverá certa moderação no ritmo de expansão, mas o impacto mais abrangente será pela alta da Selic.”
Fonte: Fernando Travaglini e Adriana Cotias, Valor Economico