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Compliance ainda é uma grande novidade para muitos

Alguns dos livros do professor

As questões de implementar processos de compliance teve início nos anos 60, justamente quando a Securities and Exchange Commission (SEC) passou a instituir diversas obrigações na contratação de oficiais de conformidade (compliance officers), justamente para a criação de procedimentos internos de controles, capacitação de pessoal e na implementação de monitoração das operações, com o modelo na simplicidade de evidenciar o objetivo de auxiliar as áreas de negócios a obter a efetiva supervisão, portanto, foi justamente o mercado financeiro que acabou sendo o primeiro setor a exigir a regulamentação das empresas para obter credibilidade dos investidores e dar segurança às ações.

Já no ano de 1997, o Comitê da Basileia divulgou os 25 Princípios para uma Supervisão Bancária Eficaz, valendo a pena destacar os termos do princípio de número 14, os quais determinam que os supervisores da atividade bancária devem certificar-se de que os bancos/instituições financeiras tenham controles internos adequados para a natureza e escala de seus negócios. Importante, salientar que estes controles devem incluir melhoria nos processos de negócio, evidenciando a delegação de autoridade e responsabilidade:

  • Segregação de funções que envolvam comprometimento da instituição financeira, distribuição de seus recursos e contabilização de seus ativos e obrigações;
  • Reconciliação desses processos financeiros;
  • Salvaguarda de seus ativos, que vão além da informação e imagem;
  • Funções apropriadas e independentes de auditoria interna e externa; e
  • E o compliance para testar a adesão a esses controles, bem como a leis e regulamentos aplicáveis.

Mas no ano seguinte, em 1998, começa a era dos controles internos, em que o Comitê da Basileia, em sua publicação dos 13 Princípios da Supervisão pelos Administradores e Cultura/Avaliação de Controles Internos, tem como principal fundamento a “ênfase na necessidade de Controles Internos efetivos e a promoção da estabilidade do Sistema Financeiro Mundial”.

Neste mesmo período, no Brasil, inicia-se com a publicação, pelo Congresso Nacional, da Lei 9.613/98, que dispõe sobre crimes de lavagem e ocultação de bens, a prevenção da utilização do Sistema Financeiro Nacional para os atos ilícitos previstos na referida lei e cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), a unidade de inteligência financeira brasileira, órgão integrante do Ministério da Fazenda. Este órgão possui um papel central no sistema brasileiro de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo, tendo a incumbência legal de coordenar mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à lavagem de dinheiro, disciplinar e aplicar penas administrativas e receber, examinar e identificar ocorrências suspeitas.

Nesta mesma necessidade de mudança, o Conselho Monetário Nacional (CMN), já observando os conceitos dos 13 Princípios Concernentes à Supervisão pelos Administradores e Cultura/Avaliação de Controles Internos do Comitê da Basileia, publicou a Resolução n. 2.554/98, que dispõe sobre a implantação e a implementação de sistema de controles internos e deu início aos estudos sobre a Basileia II – regras prudenciais e Declaração Política e o Plano de Ação contra Lavagem de Dinheiro, adotados pela Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o problema mundial de drogas em Nova York.

Mas não para por aí, podemos citar mais alguns marcos legais que contribuíram para que o compliance se consolidasse como instrumento de ética e integridade nos negócios, a começar pela lei norte-americana Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), promulgada em 1977, cujo propósito era controlar o pagamento de propinas a funcionários públicos estrangeiros e, assim, restaurar a credibilidade do mercado interno nos Estados Unidos.

E o escândalo da ENRON, também proporcionou uma revolução nos princípios dos controles internos, compliance e auditoria, com mais uma lei para empresas americanas e empresas com negócios e ações na bolsa norte-americana, foi a Sarbanes-Oxley (Public Company Accounting Reformand Investor Protection Act), de 2002, que marcou a importância de um ambiente de controles internos efetivos e da severidade das punições ao seu descumprimento.

Dentro deste período de mudança, veio à tona outra diretriz igualmente importante, a Lei n. 11.638 de dezembro de 2007, determinando que as empresas brasileiras elaborem suas demonstrações financeiras de acordo com as normas internacionais de contabilidade (International Financial Reporting Standard – IFRS, na sigla em inglês), o que permitiu ao investidor estrangeiro obter informações mais claras, e a MP n. 449/2008, convertida na Lei n. 11.941/2009, a qual estabeleceu o Regime Tributário de Transição (RTT) de apuração do lucro real, que trata dos ajustes tributários decorrentes dos novos métodos e critérios contábeis introduzidos pela Lei n. 11.638, fazendo com que as mudanças e os impactos fossem melhor identificados em suas demonstrações financeiras e contábeis.

E como sempre acontece, a cada mudança regulatória, todos os órgãos reguladores iniciam as mudanças em seus normativos, e com o advento da Instrução CVM 480/2009, impôs-se às companhias o dever de publicar anualmente o Formulário de Referência e, dessa forma, possibilitou-se maior e melhor divulgação das práticas e da estrutura de governança e controles.

Neste item, podemos dizer que a necessidade se fez valer, tendo em vista que a nossa imagem no que tange a corrupção não é das melhores, e a Operação Lava Jato provou isso na sequência, os órgãos reguladores internacionais, o Brasil implementou a Lei n. 12.846/2013, de 1º de agosto de 2013, conhecida como Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa, que instituiu, a responsabilização objetiva administrativa e civil das pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos que sejam cometidos em seu interesse ou benefício, contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

E importante salientar que por “responsabilização objetiva pela prática de atos lesivos”, entenda-se que serão investigados, processados e punidos, nas esferas civis e administrativas, todos os que estiverem envolvidos e/ou forem beneficiados pelas práticas de corrupção, independentemente de culpa.

Portanto, podemos dizer que a corrupção pode ser entendida como a promessa, oferecimento, pagamento ou autorização de pagamento ou qualquer outra coisa de valor a um funcionário ou agente público. Não está necessariamente relacionada, pois, ao pagamento de dinheiro em espécie e, tampouco, se exige a entrega efetiva do que foi oferecido ou prometido para que se caracterize o ilícito. A mera oferta ou promessa de vantagem indevida, mesmo que ainda não cumprida, já caracterizam condutas que acarretam a responsabilização da empresa no âmbito da Lei Anticorrupção.

A lei é aplicável às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente. Vale salientar que, quando punidas pela Lei Anticorrupção, as empresas são obrigadas a ressarcirem integralmente todos os prejuízos decorrentes dos atos de corrupção praticados.

Além disso, sua imagem será fatalmente manchada em virtude de a lei determinar a publicação das decisões condenatórias em meios de comunicação de grande circulação, como jornais e cartórios. A publicidade dessas decisões poderá desencadear rupturas contratuais e desistências por parte de potenciais clientes, fornecedores, parceiros e investidores, proporcionando a efetivação do intangível legal, que se materializa logo após a vinculação de imagem ao fato ilegal, prejudicando a reputação dos negócios.

Mas a lei é complementar a todos os processos, pois é preciso esclarecer que ela não afasta a incidência das demais leis que regulamentam o tema em outras esferas, como a Lei n. 8.666/93 (Lei de Licitações), a Lei n. 12.462/11 (Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC) e, obviamente, o Código Penal Brasileiro.

Finalmente, em âmbito nacional, cabe mencionar o estabelecimento advento do Decreto n. 8.420/2015, que regulamenta a Lei Anticorrupção, e a Lei n. 13.303/2016, comumente conhecida como a Lei das Estatais.

Parece claro, portanto, que o compliance tem, sim, relação com o combate à corrupção. Por outro lado, é fundamental dizer que esta premissa não esgota o grau de importância que ele exige e evidência na mudança na forma de se fazer negócios em nosso país.

* Marcos Assi CCO e CRISC é professor e consultor da MASSI Consultoria e Treinamento – Prêmio Anita Garibaldi 2014 e Prêmio Giuseppe Garibaldi 2016, Comendador Acadêmico com a Cruz do Mérito Acadêmico da Câmara Brasileira de Cultura, professor de MBA na FECAP, Saint Paul Escola de Negócios, Centro Paula Souza, UNIMAR, FADISMA, SUSTENTARE, entre outras, autor dos livros “Controles Internos e Cultura Organizacional”, “Gestão de Riscos com Controles Internos”, “Gestão de Compliance e seus desafios” e “Governança, riscos e compliance” pela Saint Paul Editora e “Compliance como implementar” pela Trevisan Editora.

marcos

Professor, Embaixador e Comendador MSc. Marcos Assi, CCO, CRISC, ISFS – Sócio-Diretor da MASSI Consultoria e Treinamento Ltda – especializada em Governança Corporativa, Compliance, Gestão de Riscos, Controles Internos, Mapeamento de processos, Segurança da Informação e Auditoria Interna. Empresa especializada no atendimento de Cooperativas de Crédito e habilitado pelo SESCOOP no Brasil todo para consultoria e Treinamento. Mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela PUC-SP, Bacharel em Ciências Contábeis pela FMU, com Pós-Graduação em Auditoria Interna e Perícia pela FECAP, Certified Compliance Officer – CCO pelo GAFM, Certified in Risk and Information Systems Control – CRISC pelo ISACA e Information Security Foundation – ISFS pelo EXIN.