Como uma disputa de acionistas derrubou a Usiminas
Em uma manhã de setembro de 2014, o conselho de administração de 10 integrantes da Usiminas se reuniu no nono andar de uma torre de vidro e aço em São Paulo.
Na sala, os membros discutiram sobre a demissão do presidente-executivo e de dois vice-presidentes após auditorias terem determinado que receberam pagamentos excessivos.
A batalha dali em diante ficou clara, segundo apurou a Reuters junto a várias pessoas que participaram da reunião.
De um lado, o grupo japonês Nippon Steel, parte da Usiminas desde a fundação da empresa há 60 anos, insistiu na demissão dos executivos.
Em defesa dos executivos ficou a empresa para qual trabalharam antes, Ternium, grupo siderúrgico que é parte do conglomerado ítalo-argentino Techint. A Ternium ingressou no grupo de controle da Usiminas em 2012 para ter presença no maior e mais protegido mercado de aço do continente.
O impasse marcou o agravamento de um conflito entre os dois controladores da Usiminas que só parece estar se resolvendo este ano, após a empresa ser obrigada a pedir suspensão de obrigações financeiras bilionárias junto a bancos e diante da possível divisão da companhia entre os sócios, afirmaram fontes com conhecimento do assunto à Reuters.
Decisões de conselho desde então têm sido marcadas por declarações públicas discordantes mas, diante da gravidade da situação financeira, nesta segunda-feira houve uma rara decisão unânime na aprovação de um aumento de capital de 1 bilhão de reais a ser feito ainda neste semestre.
A mais tensa disputa corporativa vivida no Brasil nos últimos anos foi intensificada por um choque de culturas e suspeitas mútuas sobre contratos com fornecedores, segundo entrevistas da Reuters com uma série de executivos e ex-funcionários da companhia, incluindo membros do conselho de administração, líderes sindicais e advogados.
A Usiminas parou de produzir aço em Cubatão, desacelerou trabalho em minas e demitiu milhares de trabalhadores, em meio a problemas agravados pela pior recessão no Brasil em décadas.
“Foi mais longe do que o senso comum diria para ter ido”, disse um ex-membro do conselho de administração da Usiminas sobre o conflito entre Nippon Steel e Techint.
Nippon Steel, Ternium e Techint não comentaram o assunto.
Com cerca de 25 mil funcionários a empresa disse que a usina de Cubatão parou temporariamente de produzir aço bruto diante da demanda em queda e que todos os contratos com fornecedores, incluindo os acertados com controladores, passam por processo de tomada de preço. A empresa não respondeu sobre outros assuntos.
TENSÃO INEVITÁVEL
Fontes afirmaram que a tensão foi inevitável desde que a Techint, por meio da Ternium, entrou em 2012 para o grupo de controle da Usiminas, fundada no fim da década de 1950 pelo governo brasileiro para produção de aço plano.
A empresa foi parte relevante da industrialização do Brasil, mas também para a diplomacia do Japão pós-guerra, conforme a empresa que depois se tornou a Nippon Steel transferiu tecnologia, equipamentos e know-how para a Usiminas em um momento em que poucos países abriam suas portas para o Japão.
Quando a Usiminas foi privatizada em 1991, a Nippon Steel se tornou uma de suas maiores acionistas. E a Ternium teve de compartilhar o controle da empresa com o maior grupo siderúrgico japonês quando o grupo Techint aceitou pagar 2,7 bilhões de dólares para ter uma fatia de 27,7 por cento com direito a voto.
A participação embutiu ágio de 83 por cento sobre o preço das ações da Usiminas na época, refletindo as perspectivas de crescimento da economia brasileira e da demanda por aço.
Mas o Brasil desacelerou e estagnou, ficando claro para a Ternium, que tem siderúrgicas no México e na Argentina, pagou caro pelo negócio. O resultado foi uma pressão para melhora da produtividade, com a urgência do novo sócio ficando fora de sincronia com o restante do controle da siderúrgica, disseram várias fontes da empresa.
Com os investimentos iniciais da Nippon Steel amortizados há anos, o grupo japonês tinha menos apetite por mudança radicais.
“Muito do que a Ternium queria fazer precisava ser feito, mas eles tentaram fazer isso muito rápido e sem ter consenso adequado”, disse um ex-executivo da Usiminas que trabalhou próximo da nova chefia na época da entrada da Techint.
A Ternium levou seus próprios executivos para tocarem um plano de redução de custos na Usiminas. Argentinos, incluindo o então presidente-executivo Julián Eguren, depois demitido, e mexicanos ganharam postos de alto escalão na siderúrgica.
As mudanças, embora aprovadas pelo conselho, irritaram brasileiros bem como japoneses, que tinham orgulho no treinamento e promoção de mão-de-obra local, segundo fontes simpáticas à Nippon Steel.
Um brasileiro veterano há 25 anos na área de mineração disse à Reuters que pediu demissão porque não suportava o novo chefe vindo da Ternium, afirmando que tinha de ouvi-lo praguejando constantemente e que forçava mudanças que o restante da equipe de gestão não concordava. “Ele era muito mal educado”, disse.
Além da equipe, a Ternium estava insatisfeita com o que via como potencial conflito de interesse no relacionamento próximo da Nippon Steel como fornecedora da Usiminas.
Equipamentos fornecidos à siderúrgica brasileira, a maior parte do Japão, eram vistos como sofisticados, mas a Ternium questionava os preços e o momento para a aquisição deles.
A nova gestão da Usiminas argumentava que um novo laminador de tiras a quente poderia ter sido obtido a um custo 30 por cento inferior, segundo o ex-executivo sênior. O equipamento foi comprado por 1 bilhão de dólares pouco antes da Ternium assumir sua fatia na Usiminas.
Por um tempo, as reformas da Ternium na Usiminas pareceram ter dado certo. De julho de 2012 a janeiro de 2014 o preço da ação da Usiminas saltou 150 por cento, com a empresa melhorando geração de caixa e reduzindo alavancagem.
“Faltou humildade de ambas as partes, mas tenho que reconhecer que os japoneses fizeram grandes esforços para uma solução. Tinham aceitado 85 por cento dos temas propostos pela Ternium”, disse outro ex-executivo da Usiminas.
Os pagamentos descobertos pelas auditorias, porém, se mostraram inaceitáveis. Fontes simpáticas à Nippon Steel afirmaram que a Ternium se recusou a recuar e aceitar que seus executivos tinham violado termos da Usiminas.
Auditorias internas e externas, conduzidas por Ernst & Young e Deloitte, mostraram que os bônus pagos aos executivos não foram devidamente aprovados, embora os valores considerados como indevidos variem.
Fontes próximas da posição da Ternium afirmam que a Nippon Steel usou uma brecha imaterial de procedimento como justificativa para tomar o controle sobre a gestão da Usiminas no episódio de demissão dos executivos.
A partir daí, os dois grupos racharam, não tendo conseguido concordar em abril de 2015 sobre um novo presidente do conselho da Usiminas, que acabou sendo assumido por Marcelo Gasparino, que representa acionistas fora do grupo de controle.
E com o agravavamento da crise da indústria brasileira, a Usiminas passou a ter prejuízos e fluxo de caixa livre negativo.
USINA FECHADA
Numa tarde de outubro em Cubatão, o telefone do prefeito da cidade tocou. Após se apresentar, o presidente-executivo da Usiminas, Romel Erwin de Souza, afirmou que a usina na cidade iria parar de produzir aço, disse o vice-prefeito Fabio Inácio. “Não tivemos tempo para nos preparar”, disse.
Em março, a produção da usina tinha parado e cerca de 2 mil pessoas já tinham sido demitidas.
Na sede do sindicato de metalúrgicos de Santos e região, dezenas de trabalhadores faziam fila para acertar recebimento de verbas indenizatórias. O presidente do sindicato, Florêncio Resende de Sá, disse que a categoria foi pega pelo que considera uma batalha entre Argentina e Japão.
“O fechamento da usina resultou de crise de administração, não do aço”, disse, esperando que a usina em Cubatão seja reaberta no caso de divisão da Usiminas entre Nippon e Ternium.
Sob tal acerto, a usina da Usiminas em Ipatinga (MG) ficaria com a Nippon e a Ternium ficaria com a unidade em Cubatão, disse uma fonte próxima do assunto no final de março.
Tomando café no aeroporto de Santos Dumont, no Rio de Janeiro, o presidente do conselho da Usiminas, Gasparino, sorri quando é lembrado de uma entrevista concedida à Reuters há cerca de um ano em que esperava mostrar avanços a essa altura.
“Eu viajei para o Japão, foi à Buenos Aires duas vezes. Tentei trazer nova equipe, tentei melhorar a governança, trouxe interessados em compra de ativos.” Ele admitiu que seu papel nos próximos 12 meses pode envolver gerir a divisão da companhia.
Porém, para Marcelo Santos, 44, que trabalhou em Cubatão por 20 anos, já é muito tarde. Sentado no sindicato ele se lembra do momento da demissão. “Do dia para a noite, estava tudo acabado”.
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