Como a Kodak foi de ícone da fotografia a fiasco empresarial
Depois de passar o último século como uma das mais influentes marcas americanas, a Kodak Co. está entrando para o rol dos fiascos empresariais.
A empresa de 131 anos que massificou a fotografia no século XX e criou a primeira câmera digital em 1975 pode já em fevereiro entrar com pedido de concordata, segundo pessoas a par do assunto. Ela ainda está tentando vender sua carteira de patentes para evitar uma carteira de patentes segundo essas pessoas – mas já começou a agir para o caso de não dar certo, inclusive conversando com bancos para levantar cerca de US$ 1 bilhão em financiamento para manter-se em pé durante a concordata, disseram as pessoas.
Um porta-voz da Kodak disse que a companhia “não comenta rumores ou especulações do mercado”.
Só o fato de a Kodak estar contemplando uma concordata representa um último revés para uma empresa que já dominou a indústria, atraindo engenheiros talentosos de todo o país para a sua sede em Rochester, no Estado de Nova York, e despejando dinheiro em pesquisas que produziram milhares de descobertas na área de fotografia e outras tecnologias.
Foi a empresa, por exemplo, que inventou a câmera digital em 1975, mas nunca capitalizou a nova tecnologia.
Na busca por alternativas para o seu lucrativo mas decadente negócio de filmes, a Kodak flertou com químicos, produtos de limpeza e equipamentos médicos nas décadas de 80 e 90, antes de decidir se concentrar em impressoras comerciais nos últimos cinco anos, sob o comando do diretor-presidente Antonio Perez.
Nenhuma das suas novas empreitadas gerou dinheiro suficiente para financiar a mudança de curso e cobrir as pesadas obrigações com funcionários aposentados. A concordata pode ajudar a Kodak a se livrar de algumas dessas obrigações, mas a sua opção pelas impressoras tem ainda que se provar viável, o que põe em dúvida o destino dos seus 19.000 empregados.
Tal incerteza na Kodak seria inconcebível tempos atrás, quando o seu quase monopólio no negócio de filmes gerava altas margens que a empresa dividia com os funcionários. O fundador da Kodak, George Eastman, começou a tradição dos “dias de salário e dividendos”, nos quais a empresa pagava bonificações sobre os resultados para todos os empregados, que então usavam os cheques para comprar carros e comemorar em restaurantes chiques.
Ex-funcionários dizem que a empresa era a Apple Inc. ou a Google Inc. do seu tempo. Robert Shanebrook, de 64 anos, que entrou na empresa em 1967 e era mais recentemente seu gerente mundial de produtos para filmes fotográficos profissionais, lembra-se dos jovens talentos no vasto campus corporativo. No almoço, eles lotavam o auditório para assistir a um filme, enquanto outros jogavam basquete nas quadras da empresa.
“Tínhamos essa opinião sobre nós mesmos […] de que éramos invencíveis”, disse Shanebrook.
Os problemas da Kodak remontam à década de 80, quando a companhia sofreu com concorrentes estrangeiros que roubaram a sua participação no mercado de filmes. A empresa teve a seguir que lidar com o surgimento da fotografia digital e dos smartphones.
Foi só há uns dez anos que o humor começou a azedar, disse Shanebrook. Em 2003, a Kodak anunciou que ia parar de investir em filmes. “Eu não quis ficar lá para esse final triste”, disse ele.
Desde que Perez, que antes chefiava o negócio de impressoras da Hewlett-Packard Co., assumiu o leme da Kodak em 2005, a empresa teve prejuízo em todos os ano menos um. Seus problemas atingiram o clímax em 2011, quando a estratégia de Perez de negociar patentes e licenças para levantar dinheiro deixou de funcionar.
Na esperança de tapar o buraco, a Kodak colocou algumas das suas patentes digitais à venda em agosto. Mas com potenciais compradores temendo que a Kodak pedisse concordata, a iniciativa de vender a carteira perdeu fôlego.
O primeiro sinal de pressão aguda no caixa veio no fim de setembro, quando a Kodak sacou US$160 milhões das suas linhas de crédito, num momento em que havia dito a investidores que iria acumular caixa. Tal passo provocou queda nas ações e levantou novas dúvidas sobre a viabilidade da empresa.
Logo a seguir, a Kodak contratou advogados e consultores especializados em reestruturação para ajudá-la a consertar suas finanças.
A empresa e o seu conselho vêm durante meses considerando uma possível concordata. Consultores disseram à Kodak que isso facilitaria a venda das patentes e provavelmente permitiria à companhia pedir um preço mais alto, disseram pessoas a par da situação. Os custos com pensões e planos de saúde de aposentados seriam também mitigados na concordata, ainda segundo essas pessoas.
Durante uma reunião de dois dias com o conselho, gerentes e consultores da empresa em dezembro, executivos foram informados sobre como a Kodak se financiaria durante o processo de concordata, caso não tenha sucesso na venda das patentes, disse uma pessoa a par do assunto.
A Kodak vem negociando com bancos como J.P. Morgan Chase & Co., Citigroup Inc. e Wells Fargo & Co. financiamentos para a situação conhecida como “devedores em permanência na gestão”, a fim de manter a companhia operando durante a concordata, disse uma pessoa a par da situação. A Kodak também discutiu um pacote de financiamento para a concordata com detentores dos títulos da sua dívida, e com um grupo liderado pela firma de investimento Cerberus Capital Management LP, disse essa pessoa.
Perez decidiu apostar o futuro da companhia em impressoras de jatos de tinta para uso comercial e pessoal. Mas esse saturado mercado mostrou-se duro de ser penetrado, e a Kodak está pagando caro para subsidiar vendas enquanto forma uma base de consumidores.
A empresa continua sendo um anão num mercado dominado por gigantes como a HP. A Kodak está em quinto no ranking mundial, com uma fatia de 2,6% do mercado de impressoras, de acordo com a firma de dados de tecnologia IDC.
À medida que a empresa trabalha no seu plano de reestruturação, um ponto-chave para os credores é se vale a pena manter vivo o negócio de impressoras, ou se o grosso do valor da companhia está nas suas patentes.
Eastman, o fundador da Kodak, suicidou-se aos 77 anos no que é hoje um museu em homenagem a ele e ao legado da Kodak na fotografia. A carta que ele deixou dizia: “Para os meus amigos, o meu trabalhado está consumado. Para que esperar?”
Fonte: Mike Spector e Dana Mattioli | The Wall Street Journal, Valor Economico