BM&FBovespa une finanças e sustentabilidade no balanço
Na tentativa de chamar a atenção de analistas e investidores para questões de sustentabilidade, a BM&FBovespa vai divulgar pela primeira vez, hoje, na reunião de apresentação de seus resultados, um relatório que integra informações financeiras e não financeiras. “Por enquanto será apenas uma prestação de contas unificada, a fim de provocar os analistas, ainda não dá para usar o tempo da reunião para discutir sustentabilidade”, reconhece a diretora de sustentabilidade da BM&FBovespa, Sonia Favaretto.
A grande expectativa da companhia é que, com a divulgação simultânea do balanço financeiro e dos resultados nas áreas de governança corporativa, social e ambiental, analistas e investidores comecem a considerar essa nova agenda na avaliação de preço das ações e na tomada de decisão de investimento. “Se deixássemos para divulgar o relatório de sustentabilidade depois do balanço financeiro, como é prática do mercado, essas informações continuariam restritas a especialistas”, diz Sonia.
Hoje, as informações não financeiras só chegam ao mercado cerca de dois a três meses depois da divulgação do balanço, quando os analistas já incorporaram os novos dados nas suas contas e atualizaram suas recomendações, destaca a diretora. Ainda assim é preciso avançar, continua Sonia. O relatório integrado, por enquanto, é apenas a junção das informações, sem relacioná-las. Fica por conta do analista fazer a correlação entre os balanços de sustentabilidade e o financeiro.
Como avaliar o impacto das práticas de sustentabilidade no resultado financeiro das empresas é a grande questão. Ainda são poucas as instituições no país que levam em conta esses critérios na análise. “Os analistas estão sensíveis às questões socioambientais, mas é preciso criar métricas de avaliação”, diz Sonia. “Essa não é uma conta fácil de se fazer e, por enquanto, não há comprovação de que a sustentabilidade aumenta o valor da empresa”, diz o principal executivo da HSBC Global Asset Management, Pedro Bastos. Mas ele ressalta que há indícios de que melhores práticas de sustentabilidade vão criar valor para a empresa no longo prazo, ou pelo menos passivos menores.
O HSBC faz essa avaliação em nível global. Segundo Bastos, a análise envolve os riscos e as oportunidades que podem impactar os resultados financeiros das companhias. A falta de políticas de gestão ambiental, exemplifica, pode atrasar a obtenção de licenças para iniciar novos negócios, criando mais custos. Na outra ponta, empresas ecoeficientes conseguem economia de custos, ao reduzir gastos com energia e água. “Trata-se de uma visão mais holística da empresa, que ajuda na tomada de decisão do investimento”, diz.
Pela metodologia global da instituição, as empresas recebem notas segundo suas práticas de governança corporativa e responsabilidade socioambiental, à semelhança de uma avaliação do risco de crédito. A partir daí, a companhia pode ter maior ou menor participação nas carteiras do HSBC. A principal avaliação é a financeira, segundo Bastos, mas a companhia pode ter mais ou menos peso e até ser vetada de um portfólio dependendo da nota. A tomada de decisão é feita em comitê com a participação do analista de sustentabilidade e do analista financeiro setorial. No Brasil, a asset já avaliou 80 empresas e a meta é chegar a 150.
A Fator Corretora é outra que utiliza critérios de sustentabilidade na análise de investimento. A avaliação é baseada, principalmente, em critérios qualitativos, por conta da dificuldade de quantificar impactos para a sociedade e meio ambiente. “Por ora não há como dar prêmio ou desconto para uma ação em função dos compromissos da empresa com a sustentabilidade”, afirma o analista de investimentos Iago Whately. Porém, segundo ele, se na avaliação qualitativa se chegar à conclusão de que determinada prática pode impactar receitas ou custos, esses dados são incorporados nas premissas para estimar linhas do balanço financeiro.
Esse tipo de avaliação, afirma Whately, tem peso maior ou menor dependendo do setor de atuação da companhia, e é feito a partir de uma decisão institucional da casa de análise. Não é a divulgação simultânea das informações financeiras e não financeiras que vai fazer diferença, acredita o analista. “Mas quanto mais informação, melhor”, diz.
A BM&FBovespa já está discutindo com a Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) a criação de um modelo de análise de empresa que incorpore critérios de sustentabilidade. As conversas só estão começando, afirma a presidente da Apimec Nacional, Lucy Sousa. “Para o analista, a sustentabilidade ainda é algo intangível, mas essa é uma discussão que não pode ser desconsiderada”, diz. “Está claro que desastres ambientais podem reduzir o lucro de uma empresa ou até causar prejuízo.”
Hoje, a Apimec faz a primeira reunião com um comitê formado por chefes de análise experientes, representantes de casas especializadas em análises, corretoras ligadas a grupos financeiros e independentes. “Uma das missões será provocar os analistas a refletir sobre métricas de sustentabilidade”, conta Lucy. Entre as alternativas, segundo ela, seria considerar para as empresas integrantes do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) um custo de capital mais baixo nos cálculos de avaliação do valor justo da companhia.
As discussões sobre integrar os resultados financeiros com os de sustentabilidade ocorrem em âmbito mundial. Em meados do ano passado, o projeto Contabilidade para a Sustentabilidade (A4S), liderado pelo príncipe Charles, e a ONG Iniciativa Global para Relatórios (GRI) anunciaram a formação do Comitê Internacional para Integração de Relatórios (IIRC), com representantes da sociedade civil, dos setores empresarial, da contabilidade, regulação, entre outros. O Brasil tem dois representantes, entre eles a Natura.
A missão do IIRC é trabalhar num modelo contábil padrão, que seja aceito globalmente, para medir e reportar desempenhos nas áreas ambiental, social e de governança integrados aos resultados financeiros. Sonia, da BM&FBovespa, diz que a meta do comitê é submeter essa proposta para o G20.
“No cenário atual, o que temos são algumas companhias que de fato acreditam na importância do tema e investem nisso, enquanto outras estão esperando para ver o que vai acontecer. A questão é saber se a comunidade internacional consegue se juntar para tratar o assunto”, diz Dennis Nally, presidente mundial da firma de auditoria e consultoria PwC, que participa do conselho do IIRC. “O desafio está no desenvolvimento desse modelo holístico de balanço, que envolverá informações financeiras, ambientais, de recursos humanos e de gestão de risco, além de como fazer a transição sem sobrecarregar as empresas.” (Colaborou Nelson Niero)
Fonte: Alessandra Bellotto, Valor Economico