BC quer saber: qual a taxa neutra de juros?
Uma das justificativas do Banco Central para a redução da Selic seria a diminuição da taxa de juros neutra, aquela que promove crescimento sem pressão inflacionária, da economia brasileira. Como essa é uma matéria controversa, a própria autoridade monetária resolveu assuntar com o mercado.
O BC vai pesquisar entre os agentes que fazem parte do boletim Focus a visão sobre a taxa neutra. A autoridade monetária também quer saber o que houve com essa taxa nos últimos dois anos e o que será dela nos próximos dois anos.
O mesmo tipo de avaliação deverá ser feita sobre a taxa de desemprego natural (NAIRU), aquela que não tem impacto sobre a inflação. Mas o prazo em questão é de cinco anos.
Pesquisa quer avaliar qual é a relação ótima entre Selic e inflação
Também está sendo feita uma terceira pergunta sobre o efeito da nova Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) sobre as expectativas de inflação.
Segundo o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, sempre que o BC lança essas pesquisas, o objetivo implícito é evidenciar algo que está na pauta de discussão sobre política monetária.
Na última dessas pesquisas, o BC perguntou quanto representaria em pontos-base de Selic um aumento na taxa do depósito compulsório (parcela de recursos que os bancos não podem emprestar).
Perfeito lembra que na época essa medida macroprudencial foi adotada no sentido de subir os juros sem efetivamente mexer na taxa Selic.
“A questão de fundo era óbvia. É claro que aumentar o compulsório tem efeito análogo ao aumento da Selic. O que o BC queria era tornar isso evidente de tal sorte que o mercado percebesse que o efeito seria similar”, explica.
No caso atual, não é diferente. De acordo com o economista, mesmo que seja impossível calcular com precisão a taxa de juros neutra, é particularmente claro que essa taxa caiu nos últimos anos no Brasil. Em outras palavras, a potência da política monetária aumentou. Logo, taxas de juros tão altas não são mais necessárias.
O mesmo raciocínio se repete sobre a taxa natural de desemprego. Para Perfeito, levando em conta que temos a menor desocupação da força de trabalho desde 2002 e a inflação não explodiu, fica claro que o país pode ter um desemprego menor sem a contrapartida de inflação maior.
Na avaliação de Perfeito, essas pesquisas do BC são tudo menos simples elementos de sondagem sobre a qualidade de informação e de projeções.
Na verdade, essas pesquisas não são perguntas, mas antes de tudo afirmações. São uma forma mais sofisticada de comunicação entre o BC e os agentes de mercado.
“Minha aposta é de que o Banco Central ao formular essas perguntas já sabe a resposta que vai ouvir. Não são simples perguntas, mas sim uma forma muito clara de comunicação”, acredita Perfeito.
No caso atual, o que BC está tentado fazer é “convencer” o mercado de que tanto o juro neutro quanto o desemprego natural estão caindo.
Dessa forma, seria possível tirar inclinação da curva de juros futuros. Reduzir o custo do dinheiro no longo prazo.
O mercado comprou a ideia de que a Selic cai para um dígito, mas não mostra plena convicção de que a taxa básica pode ficar lá por muito tempo.
Isso se traduz em um aumento na inclinação da curva futura, que, por sua vez, mostra a previsão de retomada dos ajustes de alta na taxa Selic.
O boletim Focus divulgado na segunda-feira conta essa mesma história.
A Selic projetada para o fim do ano é de 9,5%, mas a taxa básica de juros esperada para o fim de 2013 subiu de 10,38% para 10,75%.
Conforme já discutido previamente, não é que o mercado esteja apostando claramente contra o BC. O que o mercado não quer é pagar para ver se autoridade monetária está certa.
Dentro desse contexto, Perfeito ressalta dois pontos.
O primeiro é que acredita ser possível levar a taxa de juros a patamares equivalentes aos de outros países emergentes.
Mas isso é possível se, e somente se, esse movimento de queda da taxa de juros for acompanhado por uma série de medidas que resultem na eliminação de distorções que caracterizam nossa atual estrutura de formação de preços.
Aqui entram os temas desindexação da economia, mudança no perfil do financiamento da dívida pública e alteração na fórmula de remuneração da caderneta de poupança.
O segundo ponto é mais urgente, diz Perfeito. Na ata do encontro de janeiro, o Comitê de Política Monetária (Copom) ressaltou que o Brasil está absorvendo uma quantidade enorme de poupança externa e que esse movimento de fluxo de capitais tende a ser perene.
O resultado desse fluxo tem sua face mais clara na apreciação do real, mas também se manifesta em outras formas de apreciação de ativos.
Na visão do economista, um mercado que deve ter uma pressão altista é, justamente, o mercado de juros. Com taxas em zero, e em muitos casos negativas ao redor do mundo, a rentabilidade dos títulos brasileiros soa mais do que atraente.
Com a maior demanda por esses títulos, especialmente os de prazo mais longo, a tendência é que seu preço suba e que sua taxa de juros recue.
“Esse movimento ainda será sentido com mais força. E o que o BC está fazendo agora é jogar com o consenso de mercado para que ele ocorra mais rápido e para que a curva futura deixe de ser tão empinada”, acredita Perfeito.
Fonte: Eduardo Campos, repórter do Valor Economico (E-mail: eduardo.campos@valor.com.br)