BC critica decisão do Cade sobre contratos de exclusividade na concessão de empréstimos consignados
O Banco Central avaliou que a decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) de abrir investigação sobre os contratos de exclusividade na concessão de empréstimos consignados pelos bancos é “juridicamente inadequada” e provoca insegurança no mercado financeiro.
“A postura do Cade poderá trazer insegurança jurídica para o Sistema Financeiro Nacional e isso não é bom para a credibilidade sistêmica”, afirmou ao Valor o procurador-geral do BC, Isaac Sidney Menezes Ferreira.
Para ele, o Judiciário já deu a orientação de que a competência para analisar fusões bancárias é do BC. Por isso, o Sistema Financeiro não poderia ficar sujeito a dois órgãos reguladores. “Eu entendo como pouco eficiente a regulação por dois órgãos”, disse Ferreira. “O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi bastante enfático ao dizer que essa competência sempre foi do BC”, reiterou o procurador-geral do BC. Ele se referiu à decisão que foi tomada no julgamento da compra do BCN pelo Bradesco, em agosto de 2010. O Cade multou os bancos, pois eles não notificaram o órgão antitruste sobre o negócio. Os bancos recorreram à Justiça e, ao fim, o STJ decidiu que, na dúvida entre a aplicação da Lei do Sistema Financeiro (nº 4.595) e a Lei Antitruste (nº 8.884), deve prevalecer a primeira, pois ela é específica para o setor.
O procurador-geral do Cade, Gilvandro Araújo, acredita que a competência entre os órgãos é complementar e ambos poderiam atuar em fusões e casos de condutas anticompetitivas de bancos. Araújo defendeu uma aproximação com o BC para que a atuação de cada órgão em processos envolvendo os bancos fique bem definida. “Eu acho que é possível um diálogo com o BC”, disse o procurador-geral do Cade. “Seria muito bom que houvesse uma tranquilidade na aplicação de normas de prevenção e repressão a infrações à ordem econômica no Sistema Financeiro”, completou.
A disputa sobre quem deve atuar nos processos envolvendo a concorrência no setor aumentou depois que o Cade abriu processo contra o BB, no último dia 31. O BC proibiu a exclusividade no consignado em circular de 14 de janeiro deste ano. Mas, para a instituição, não é possível investigar essa prática antes de a circular entrar em vigor justamente porque ela não estava proibida. O BC informou ao órgão antitruste que nada poderia fazer com relação aos contratos anteriores à circular. A partir dessa comunicação, o Cade decidiu investigá-los com base na Lei Antitruste. Essa investigação pode levar o órgão antitruste pode punir o BB com multa que vai de 1% a 30% do faturamento do banco.
O mais provável, em caso de multa, é que o Cade aplique a punição mínima de 1%, pois o BB nunca foi condenado por infração à concorrência, e restrinja o faturamento aos ganhos do banco no crédito consignado. Mesmo nessa hipótese, o valor seria alto. O Cade estima que o mercado de consignado movimenta R$ 140 bilhões por ano e o BB teria 32% dessa fatia. Ou seja, R$ 44,8 bilhões. A multa de 1% resultaria, portanto, em R$ 448 milhões. Seria mais do que a multa que foi imposta à AmBev por causa de contratos de exclusividade com pontos de venda (R$ 352 milhões).
Outro ponto de conflito é que o BC acredita que o Cade deveria seguir o parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que, em 2001, determinou que a competência para a análise de fusões e casos de condutas anticompetitivas é do próprio BC.
Esse parecer foi assinado pelo presidente da República – na época, Fernando Henrique Cardoso – e, portanto, vincula os órgãos da Administração Pública.
Fonte: Juliano Basile, Valor Economico