Contabilidade: EUA caminham rumo ao padrão contábil IFRS
O caminho dos Estados Unidos rumo ao padrão de contabilidade internacional, adotado no Brasil e em mais de cem países, recebeu dois sinais importantes nesta semana.
O positivo – ao menos para aqueles que sonham com um padrão contábil global único – é que o Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb), órgão com sede em Londres que escreve as normas conhecidas pela sigla IFRS, anunciou que pode considerar uma mudança na regra contábil internacional que trata de instrumentos financeiros, com o objetivo de deixá-la mais próxima da visão americana.
O sinal negativo, embora não oficial, é um possível atraso no anúncio da Securities and Exchange Commission (SEC), órgão regulador do mercado de capitais dos EUA, sobre se o país seguirá ou não no processo de adoção do IFRS, que está previsto para este ano – que tem pouco mais de 50 dias para acabar.
A disposição do Iasb de pelo menos avaliar a conveniência de mudar o IFRS 9, pronunciamento que trata de classificação e mensuração de instrumentos financeiros, foi comemorada por Leslie Seidman, presidente do Fasb, órgão americano que edita as normas contábeis conhecidas como US Gaap.
“Não sei qual será a decisão final, mas sem dúvida é um passo muito positivo para que a gente possa tentar reduzir nossas diferenças nessa área”, disse ela, que participou de um evento organizado pela Standard & Poor`s em Nova York na segunda-feira. Ao mesmo tempo que tentava evitar antecipar o caminho que será seguido por seus colegas de Londres, Leslie não conseguia esconder seu entusiasmo.
Alcançar um ponto comum sobre a regra contábil de instrumentos financeiros é considerado um ponto fundamental para que o US Gaap e o IFRS fiquem mais próximos.
E o Fasb já mostrou alguma flexibilidade, ao recuar de uma proposta apresentada em 2010 em que sugeria que praticamente todos os ativos e passivos financeiros de uma empresa fossem registrados pelo valor de mercado – ao contrário do que defendia o Iasb. Pela abordagem mais recente do Fasb, alguns empréstimos, a dívida da própria empresa e depósitos poderiam ser registrados pelo custo.
Já o Iasb vinha relutando em rever o IFRS 9 porque a norma foi editada há apenas dois anos, depois de ampla discussão pública, ainda que seu uso obrigatório só esteja previsto para 2013, com possibilidade de adiamento para 2015.
O que o Fasb rejeita categoricamente no IFRS 9, com base nos comentários que recebeu do público, é a possibilidade de se ter ativos financeiros que sejam negociados em mercados organizados registrados pelo custo amortizado. Na regra internacional isso é permitido se a entidade evidenciar que, no seu modelo de negócio, a ideia é manter os ativos até o vencimento e receber seus fluxos financeiros – como os juros de um título de dívida, por exemplo.
Em relação à agenda da SEC para decidir se os EUA seguirão ou não um processo de adoção ou adaptação ao IFRS, um eventual atraso não está definido oficialmente e tampouco significa que o órgão regulador americano está pendendo mais para dizer não ao padrão internacional.
Segundo James Kroeker, chefe da área de contabilidade da SEC, que também participou do evento da S&P, o fato é que o processo de convergência das normas entre Fasb e Iasb andou de forma mais lenta do que a prevista quando a SEC divulgou, em 2010, que tomaria uma decisão sobre o assunto ainda em 2011.
“Não é uma visão negativa sobre o que foi feito neste ano até agora, mas que achávamos que o avanço seria maior. Ainda que as razões [para o atraso no processo] sejam legítimas”, disse ele, acrescentando que o mais importante é ter um “ponto de partida sólido”.
Ele se recusou, no entanto, a dizer se seus comentários significavam, na prática, um adiamento do anúncio sobre o IFRS. “Essa é uma decisão da diretoria.”
Em 2010, a agenda de discussão do Fasb e do Iasb era mais ampla, mas alguns assuntos foram retirados da pauta, para que os órgãos concentrassem os esforços em áreas chave como instrumentos financeiros, reconhecimento de receita e leasing. Dada a complexidade dos temas, optou-se por colocar novamente em audiência pública alguns desses pontos antes da edição dos novos pronunciamentos.
Um ponto dentro da área de instrumentos financeiros que a SEC gostaria de ver resolvido e hamonizado é a contabilização das operações de proteção (hedge) contra variações de preços.
Mas para Leslie, a presidente do Fasb, não há como tratar desse assunto sem antes definir a classificação e mensuração dos instrumentos financeiros. “No meu ponto de vista, a contabilidade de hedge não está entre as principais prioridades. Acho melhor chegar a um acordo sobre a parte básica da regra contábil de instrumentos financeiros, para depois ir para o hedge”, afirma.
Faltam ainda questões práticas para a decisão da SEC. A equipe de Kroeker ainda está elaborando o plano de trabalho que será usado como base para a decisão final dos diretores do órgão, o que ele promete se esforçar para concluir nas próximas semanas. Mas mesmo que o documento fique pronto, é possível que a diretoria da SEC queira ter um tempo maior para avaliar as informações apresentadas pela área técnica.
Nesse relatório, serão apresentados, entre outros pontos, um mapeamento detalhado sobre as diferenças que ainda existem entre US Gaap e IFRS, bem como um estudo sobre a consistência da aplicação do padrão contábil internacional em diferentes países. Esse último ponto, aliás, que também está em pauta no Brasil, foi destacado por Kroeker durante sua apresentação.
“Não basta ter o pronunciamento [único global]. Temos que ter consistência no processo de auditoria em todo mundo e também por parte dos reguladores”, disse, citando o caso da contabilização dos títulos da dívida grega de diferentes formas na Europa no segundo semestre, o que levou o presidente do Iasb, Hans Hoogervorst, a escrever uma carta alertando o órgão europeu que fiscaliza o mercado de capitais para o problema.
Fonte: Fernando Torres | Valor Economico
