O líder em xeque
Você provavelmente já suspeitava, mas agora é um acadêmico consagrado, autor de um best-seller de administração, quem afirma: ter um chefe bom diminui seu risco de ter um ataque cardíaco. Pesquisas publicadas nos últimos dois ou três anos oferecem sólidas evidências. Uma das mais impressionantes, realizada na Suécia, é fruto do acompanhamento de 3.122 profissionais por dez anos. Os resultados são inequívocos. Trabalhadores liderados pelos melhores chefes – homens e mulheres capazes de demonstrar consideração e empatia, de definir objetivos claros e de implementar mudanças de modo humano – sofreram menos infartos ao longo de uma década que seus pares menos afortunados. Um bom líder representa um risco ao menos 20% inferior de problemas cardíacos graves ao longo de 365 dias. Permanecer sob o comando de alguém assim por quatro anos é ainda melhor para a saúde – diminui a probabilidade de infarto em 39%.
Por outro lado, chefes despóticos e irascíveis, conhecidos monstros do ambiente corporativo, deixam as pessoas doentes. Literalmente. Seu impacto negativo sobre a saúde de funcionários está bem documentado em estudos europeus sobre doenças cardíacas. O acompanhamento de 804 operários finlandeses, por exemplo, mostra que aqueles que relataram tratamento injusto pelos superiores morreram mais de distúrbios no coração. O resultado é semelhante ao que surgiu em uma pesquisa com 6 mil funcionários públicos britânicos.
Naturalmente, esse comportamento letal no ambiente de trabalho cobra um custo pesado das organizações. A Zogby, uma consultoria global de pesquisas, estima que o assédio moral já expulsou mais de 20 milhões de americanos de seus empregos. Os que resistem se sentem menos comprometidos com o trabalho, são menos criativos e esforçados, persistem menos em tarefas difíceis e faltam mais. Um estudo em 265 restaurantes de fast-food nos Estados Unidos analisou o impacto de gerentes abusivos sobre os resultados. Constatou-se uma relação direta entre maus-tratos a subordinados e níveis maiores de desperdício de alimentos. Na melhor das hipóteses, empregados humilhados utilizam os ingredientes de modo ineficiente. Na pior, roubam ou jogam fora o que deveriam cozinhar. Assim, o cálculo do custo total de manter um troglodita no comando deveria incluir itens como tratamento de saúde para suas vítimas, perda de produtividade, furtos, erros de procedimento, alta rotatividade do pessoal e gastos com relações-públicas e advogados. Uma empresa de software, nos Estados Unidos, levou a conta a sério e chegou à conclusão de que um único gerente de vendas destrutivo lhe custava US$ 160 mil por ano.
Goste-se ou não, esse tipo de responsabilidade é parte do pacote de “benefícios” dos cargos de liderança. “Os chefes determinam a maneira como as pessoas passam seus dias e se elas sentem alegria ou desespero, trabalham bem ou mal, são doentes ou saudáveis”, afirma o acadêmico americano Robert Sutton, responsável por reunir, interpretar e divulgar essa massa de dados sobre o bem e o mal causado pelos líderes. Professor de administração de Stanford, ele se tornou conhecido como autor de Chega de Babaquice! – Como Transformar Um Inferno em Um Ambiente de Trabalho Sensacional! Seu novo livro nasceu de uma questão instigante: se você é um líder comprometido com o caminho do bem, o que pode fazer a respeito? Bom Chefe, Mau Chefe, que chega ao Brasil neste mês, é uma tentativa de resposta.
Robert Sutton autor de Chega de Babaquice! – Como Transformar Um Inferno em Um Ambiente de Trabalho Sensacional!
“Considere-se culpado até provar ser inocente. Há muitas evidências de que as pessoas não estão atentas às suas fraquezas e, quando chegam a posições de poder, iludem-se ainda mais”, disse Sutton a Época NEGÓCIOS. “Eu começaria com a suposição de que você precisa ouvir melhor.” Bob Sutton tem um blog (“Work Matters”) sobre gestão, ambiente de trabalho e organizações. Leciona em Stanford, faz pesquisas nas áreas de psicologia e administração, compila casos de sucesso (e fracasso) e escreve para a Harvard Business Review. Mas seu diferencial entre os autores de literatura de negócios talvez seja a sem-cerimônia com que trata das verdades dilbertianas da vida corporativa. É o que lhe permite escrever pérolas como “os chefes efetivos sabem que às vezes é melhor deixar as pessoas em paz”. Ou “a melhor administração às vezes é nenhuma administração”, seguidas de diatribes contra microgerenciadores obcecados por controle.
Um de seus heróis é William Coyne, um cientista que dirigiu o departamento de pesquisa e desenvolvimento da 3M por mais de uma década e costumava dizer que “depois que você planta uma semente no solo, não deve desenterrá-la a cada semana para ver como está indo”. Sutton não é nenhum anarquista. Só defende o bom e velho equilíbrio. “Chefes experientes passam seus dias em busca do ponto certo entre intervir demais e de menos, manter um olho atento em quando é necessário usar mais ou menos pressão, intervenção e intimidação”, afirma.
No lugar de empurrar para baixo sua ansiedade e estabelecer prioridades erráticas em reação a estímulos vindos do conselho, dos clientes ou da concorrência, o líder preocupado com a saúde e o desempenho de sua equipe estabelece o curso e administra obstáculos com tranquilidade. “Os melhores chefes pensam e agem como se estivessem correndo a maratona, e não uma prova de velocidade”, diz Sutton. “Criam urgência sem tratar a vida como uma longa emergência.”
A sensação de ser considerado culpado por tudo, do clima tenso no escritório aos problemas de saúde dos subordinados, é efeito colateral de se estar permanentemente na vitrine. “Ser chefe é como ser um primata de status elevado em qualquer grupo: as criaturas abaixo de você na hierarquia observam todos os seus movimentos – e, assim, sabem muito mais sobre você do que você sobre elas”, escreve Sutton. Em bandos de babuínos, um seguidor típico olha para o macho alfa a cada 20 ou 30 segundos. O macaco chefe, porém, presta bem menos atenção a seus subalternos. Sucede mais ou menos o mesmo entre chimpanzés, gorilas e humanos. Estes últimos, porém, têm uma capacidade única de sentir-se superiores a seus pares tão logo vejam-se em situação hierarquicamente privilegiada.
Um pesquisador do comportamento, o psicólogo americano Dacher Keltner, demonstra essa tendência com o “experimento dos biscoitos”. Em um grupo de três pessoas, ele escolhe duas, aleatoriamente, para escrever um texto e uma terceira para avaliar o trabalho delas e determinar seu pagamento. Meia hora depois do início do teste, um prato com cinco biscoitos é servido aos voluntários. Invariavelmente, o “chefe” recém-escolhido já se comporta como o tal. É o primeiro a atacar um segundo biscoito – o que impedirá um dos colegas de repetir – e, não raro, dá-se o direito de mastigar de boca aberta e espalhar migalhas sobre a mesa. É um comportamento humano que se manifesta em diferentes culturas e ambientes, sugerindo que não nascemos para ser líderes generosos.
É difícil pensar em outro momento em que o interesse pelo que fazem os chefes fosse tão grande como hoje. Depois do sucesso do programa de TV O Aprendiz e do bordão “você está demitido”, agora é a vez da série Undercover Boss (“Chefe infiltrado”) virar franquia internacional. Criado pelo britânico Channel 4, o reality show infiltra chefes disfarçados em funções menos nobres em suas próprias empresas. Virou campeão de audiência na americana CBS. Em vez de ver jovens competindo para se tornar o chefão, o público se diverte com as agruras de engravatados provando de seu próprio veneno. Quando aceita participar do programa, o chefe não escolhe onde vai trabalhar ou quem vai treiná-lo. Mais de um CEO acabou chorando na frente das câmeras.
O fenômeno do bullying (abuso repetido, às vezes violento) nas empresas não é estranho aos brasileiros. Nem suas consequências. É o que sugere uma pesquisa sobre comportamentos estressantes dos chefes realizada pelo escritório brasileiro da International Stress Management Association (Isma). Baseada em São Paulo e Porto Alegre, a investigação envolveu mil homens e mulheres de 25 a 60 anos, entre gerentes, executivos e profissionais liberais, em empresas de médio e grande porte. Conclusão perturbadora: as pessoas reagem de diferentes maneiras aos comportamentos abusivos, mas acabam sempre sofrendo consequências físicas e psicológicas do estresse. A maior parcela dos entrevistados (47%) afirma lidar de modo agressivo com assédio moral e outros comportamentos degradantes – 18% admitem reagir com acessos de raiva. Outro grupo estatisticamente expressivo (38%) demonstra comportamento passivo. Ficam irritados, mas não demonstram e ainda dizem sentir culpa.
OS CHEFIOTAS
Dos 47% agressivos, a esmagadora maioria reclama de dores musculares e dor de cabeça, e 78% de cansaço. Mais da metade diz usar medicamentos, e 38% abusam de bebidas alcoólicas. Os engolidores de sapo não se saem muito melhor. A taxa de dores musculares e de cabeça é de 89% entre eles. E um contingente de 35% ainda se queixa de azia e gastrite. O uso de medicamentos para amenizar o estresse é uma prática para 46%, enquanto 31% apelam para o álcool. “Os profissionais que mais somatizam (manifestam no corpo um conflito psíquico) devido ao comportamento de chefes estressados são os que reprimem suas emoções na execução de suas tarefas e expressam algo que não sentem”, afirma Ana Maria Rossi, presidente da Isma Brasil. O desempenho dos funcionários é 30% pior durante e depois do contato com esse tipo de líder.
Não se trata aqui de exigir ambientes de trabalho zen. Uma das práticas elogiadas por Sutton em Bom Chefe, Mau Chefe é o que ele chama de “confrontação construtiva”, a arte de estimular a discussão dentro de uma equipe para fazer a criatividade aflorar. Brad Bird, diretor da Pixar e vencedor de um par de Oscar pelos filmes Ratatouille e Os Incríveis, é uma espécie de guru desse estilo de liderança. Descrito como irascível, porém fascinante, foi contratado para dirigir Os Incríveis com a missão de chacoalhar as coisas na Pixar, que, segundo Steve Jobs e companhia, estava indo bem demais e corria o risco de mergulhar na complacência.
De início, suas exigências para a animação foram desprezadas pela equipe técnica da Pixar. Com elas, dizia-se, o filme levaria dez anos para ficar pronto e custaria US$ 500 milhões. Bird não recuou um milímetro, e apelou para o dissenso.
“Eu disse: ‘Deem-me as ovelhas negras. Quero artistas que estejam frustrados. Quero aqueles que têm outra maneira de fazer as coisas, que ninguém está ouvindo’”, afirma o diretor. Segundo Sutton, a equipe de Bird tinha choques constantes e construtivos regidos por ele. “Quero que vocês abram a boca e esvaziem as gavetas. Vamos analisar suas cenas na frente de todos”, disse Bird logo que chegou. “Todos serão humilhados e incentivados juntos. Se houver uma solução, quero que todos a escutem, para que possam acrescentá-la ao seu ferramental.” A experiência deu resultado, e os renegados da Pixar produziram Os Incríveis dentro do prazo e por menos de US$ 100 milhões.
Há boas razões para a cruzada movida por companhias do mundo todo contra os chefes idiotas, ou “chefiotas”, na expressão cunhada por Sutton. Uma das melhores é a intolerância da Geração Y. “Na minha época, a empresa escolhia quem iria trabalhar para ela”, diz José Carlos Grubisich, presidente da ETH Bioenergia, empresa produtora de etanol controlada pela Odebrecht. “Hoje, é o jovem que sai das boas escolas quem escolhe a empresa. E, dentro dela, com que líder quer trabalhar.”
Há muita psicologia e muito coaching a serviço da humanização das lideranças. No fundo, porém, é pura sabedoria popular. “A máxima para mim é: nunca trate os outros como você não gostaria de ser tratado”, diz Grubisich. Ele assumiu a primeira posição de liderança na Rhodia, no início de sua carreira, aos 26 anos. Diz, no entanto, não ter enfrentado a desventura típica de quem começa a mandar cedo e descobre, ao amadurecer, que tornou-se impetuoso e agressivo demais. Isso, acredita, por ter começado a trabalhar em uma empresa de cultura francesa, teoricamente pautada por uma lógica mais humanista do que a americana, muito focada no resultado financeiro. “Nunca tive um líder que não tenha me respeitado, criado condições para que me desenvolvesse e me ensinado que eu não sabia tudo”, diz Grubisich. “Todos sempre tiveram essa postura de equilíbrio, respeito e exigência.”
Nas próximas páginas, destacamos algumas das práticas que Sutton associa aos chefes do bem. Entre elas, transparência nos momentos ruins, como quando é preciso fazer um corte de pessoal. Algo que no longo prazo faz com que o chefe mereça a confiança de sua equipe. Ou autoconhecimento, para perceber que é humano misturar poder com agressividade e, por isso, é preciso encontrar meios de controlar o tirano que habita as almas corporativas. O incentivo à discussão aberta e produtiva, ao modo de Brad Bird. E reuniões em pé, porque tempo, além de dinheiro, pode ser energia e saúde para as empresas. Agradecimentos_CODBR/Hermann Miller; VR e Sergio K
Fonte: Alexandre Teixeira (texto). Foto Thomas Susemihl. Ilustração Tato Araújo, Revista Época
PROF. MARCOS,
Muito bom esse texto do SR. ROBERT SUTTON, e realmente nas empresas onde existem CHEFES
COM EMPATIA, A PRODUTIVIDADE É MUITO MAIOR ASSIM COMO A HARMONIA, em empresas ou deptos.
em que o CHEFE É MONOCRÁTICO E “CHEFIOTA”, A PRODUÇÃO CAI A ZERO, A HARMONIA entre os
empregados não existem, a auto-estima fica rebaixada, a humilhação fica fulcrada no cerebro fazendo
com que esse empregado jamais esqueça e viva em paz. Ocasiona aumento da pressão arterial, stress,
angustia, depressão, e não se apaga o registro de tudo o que viveu, enfim, se torna um INFERNO O AMBIENTE DE TRABALHO. Parabens, pela apresentação destes dados sobre o ambiente de trabalho.
DRA. DONIZETE WOLFF