CVM vai monitorar fundos de recebíveis

A autarquia quer avaliar com mais profundidade eventuais conflitos de interesses nas estruturas e funcionamento desses fundos, suas políticas de gestão de liquidez e de comunicação com o mercado.
Segundo o gerente de acompanhamento de fundos estruturados da CVM, Claudio Maes, apesar de melhorias recentes na regulação, o segmento de FIDCs ainda carece de avanços. Entre as principais vulnerabilidades, na opinião dele, está a verticalização de algumas estruturas, em que instituições do mesmo grupo financeiro atuam como administrador e custodiante de carteiras com direitos creditórios originados dentro de casa.
“Não é proibido uma mesma instituição atuar como banco, distribuidor e asset, mas as atividades têm de ser segregadas”, afirma. Ele admite, contudo, que a atual regulação dá brecha para operações em conflito de interesses. O caso recente do Banco PanAmericano, alvo de uma fraude contábil de R$ 4,3 bilhões, evidencia os riscos desse tipo de estrutura.
Originador de recebíveis de, pelo menos, dois fundos abertos, o PanAmericano era também o administrador e o responsável pela cobrança dos créditos, com o dinheiro, muitas vezes, passando pela tesouraria do próprio banco. Isso só mudou quando os problemas com o banco vieram à tona, provocando pesados resgates nos fundos por cotistas receosos com perdas. Com a finalidade de acalmar os investidores, a nova diretoria do banco decidiu transferir para a Caixa a administração dos fundos. “Para resolver a questão do conflito de interesses, é preciso mexer na regra”, alerta Maes.
A gestão de liquidez dos fundos abertos é outro foco de preocupação da CVM, por conta da estratégia de investimentos em ativos de crédito. Na supervisão realizada no último ano, verificou-se que, assim como havia instituições com metodologias sofisticadas para evitar a deterioração do patrimônio por conta de resgates de curto prazo, uma parcela dos gestores não contava com nenhuma política. Maes afirma que, de dez instituições monitoradas no último ano, três apresentaram problemas e devem continuar sendo acompanhadas pela CVM. Nos fundos do PanAmericano, que são abertos, o banco teve de intervir para honrar os resgates, tanto injetando liquidez via cotas subordinadas como recomprando créditos.
A área de supervisão também vai continuar monitorando a atuação das instituições tanto na hora da compra dos ativos como na avaliação de preço e constituição de provisões para recebíveis de difícil liquidação. “Dar preço a ativos de fundos estruturados sempre vai ser um evento de risco, pela falta de liquidez”, diz Maes. A última fiscalização, segundo relatório da CVM, mostra que, mesmo depois da publicação de um ofício-circular com orientações sobre procedimentos para provisões, ainda há problemas, o que reforça a necessidade de manter o trabalho.
A CVM, ao escolher os FIDCs para a supervisão temática do plano bienal de 2011/2012, pretende ainda verificar o atendimento às novas normas, reunidas na instrução 484 do ano passado.
Com o objetivo de dar mais transparência às operações, os demonstrativos trimestrais dos fundos deverão trazer informações sobre os impactos de eventos de recompra, substituição ou pré-pagamento dos recebíveis no patrimônio e rentabilidade. Os administradores também deverão tornar públicas quaisquer informações sobre o fundo. “A prestação de informações extra-rotina ainda precisa melhorar”, diz Maes.
Essa análise torna-se relevante, segundo destaca a autarquia, uma vez que se trata de fundos estruturados que utilizem engenharias financeiras inovadoras e complexas. Esse é o caso dos FIDCs que investem em recebíveis originados de operações de “factoring”, como é o caso do fundo da Porto Forte. Esse segmento ganhou até um capítulo a parte no plano de supervisão temática da CVM para os próximos dois anos. O motivo, segundo a autarquia é “a forte migração das atividades de fomento mercantil, uma indústria que nunca foi regulado, para o FIDC”. Apesar de relativamente novos, os fundos de factoring já fizeram vítimas. É o caso do Union National, que no ano passado virou notícia ao causar prejuízo de mais de R$ 800 milhões a cotistas.
Fonte: Alessandra Bellotto, Valor Economico