CVM quer estimular a criação de comitês para fiscalizar os auditores
Espécie de conselho fiscalizador das atividades de auditores internos e externos, o comitê de auditoria é uma ferramenta de governança que, no Brasil, foi adotada por apenas 17% das empresas listadas na bolsa, segundo levantamento da KPMG.
Depois de terem ficado de fora da reforma do Novo Mercado – segmento em que a adesão sobe para 38% -, esses comitês estão de volta à pauta das companhias de capital aberto.
Até o dia 15, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o mercado de capitais brasileiro, receberá sugestões para sua proposta de ampliar de cinco para dez anos o prazo do rodízio obrigatório de firmas de contabilidade. A contrapartida exigida das empresas será a estruturação de um comitê estatutário de auditoria.
“Nosso objetivo é evitar ativos que não existem ou passivos desconsiderados nas demonstrações financeiras das companhias”, resume Alexsandro Broedel, diretor da CVM.
Segundo ele, os comitês deverão, por exemplo, verificar se as estimativas em relação às provisões das empresas estão corretas. “Não é o mesmo trabalho do auditor. É uma visão mais macro, fundamental para aproximar os dados da realidade das companhias”, justifica Broedel.
Uma vez que a instalação do comitê não será obrigatória como nos Estados Unidos, os efeitos da proposta da CVM no curto prazo ainda são pouco evidentes.
As companhias que quiserem aderir ao rodízio ampliado já na rotação do próximo ano deverão estruturar o órgão ainda em 2011. Na balança, esse custo pode não compensar o benefício.
Para Leonardo Guimarães Correa, diretor financeiro da construtora MRV, o rodízio “dá trabalho, mas não é uma dificuldade intransponível”.
Por isso, no caso da MRV, o estímulo da CVM deve não ser suficiente. “Não vamos formar um comitê de auditoria só para ter um prazo maior com a mesma firma”, explica Correa.
O executivo integra o comitê de risco da MRV, que, dentre outras atividades, supervisiona o trabalho dos auditores. “Na prática, já fazemos grande parte das tarefas a que o comitê de auditoria se propõe”, diz.
A proposta da CVM frustrou às expectativas das empresas, segundo o presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), Antônio Castro. “Esperávamos que a formação de comitê livrasse as empresas do rodízio definitivamente, e não apenas aumentasse o seu prazo”, explica Castro, que, por causa disso, não consegue estimar ainda os impactos da proposta da CVM.
O Instituto de Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) compartilha dessa mesma opinião. “Entendemos que a formatação do comitê de auditoria seria o gancho perfeito para a CVM abrir mão do rodízio. Foi isso que fez o Banco Central com as instituições financeiras de capital aberto”, afirma a presidente do Ibracon, Ana Maria Elorrieta. “Vamos levar essa sugestão à CVM”, complementa.
A adesão ao rodízio ampliado pela companhia não desobrigará a firma de auditoria independente de fazer a rotação do responsável técnico, diretor, gerente da equipe a cada cinco anos, no mínimo. “Isso é contornável. O rodízio de firma é o que causa instabilidade ao mercado”, afirma Ana Maria.
Além do Brasil, Índia, Cingapura, Coreia do Sul e Itália exigem que as companhias abertas façam a rotação de auditores independentes. O prazo varia em cada um desses países.
Na minuta de instrução que está em audiência pública, a CVM aponta dois estudos acadêmicos recentes que, utilizando dados oriundos da realidade brasileira, apresentaram evidências favoráveis ao rodízio: a tese “Determinantes da qualidade das auditorias independentes no Brasil”, de Guillermo Oscar Braunbeck (USP) e o relatório “Avaliação da rotatividade dos auditores independentes”, de Juliano Assunção e Vinicius Carrasco (PUC- RJ).
Após a crise financeira global, a exigência de rotação de firmas de auditoria passou a ser cogitada nos países da União Europeia. Até novembro, a Comissão Europeia (CE) deve se pronunciar sobre o assunto.
O que se sabe, de antemão, é que não há nenhum consenso no mercado. De modo geral, as companhias e firmas de contabilidade se incomodam com a curva de aprendizado na transição de uma firma para outra. Mas o tema é tão polêmico que encontra divergências dentro da própria classe de auditores.
Enquanto as multinacionais de auditoria são contra o rodízio, algumas empresas menores enxergam o momento de troca de firmas como uma oportunidade de se reposicionar no mercado, diluindo a concentração das “Big Four” (KPMG, Ernst & Young, Deloitte e PricewaterhouseCoopers). Até hoje, no entanto, não há evidências que comprovem essa hipótese.
Para o presidente da Baker Tilly, Osvaldo Nieto, o rodízio é, antes de tudo, um benefício de governança aos acionistas das companhias, assim como o comitê de auditoria. “Para o mercado como um todo, o rodízio é positivo sim”, acredita Nieto.
Fonte: Marina Falcão, Valor Economico