Cresce o uso de celular como carteira no mundo
Os celulares já são ferramentas de comunicação, acesso à internet e entretenimento. Agora, também vão se fortalecer como pequenas centrais de serviços financeiros.
Uma série de acordos firmados entre operadoras, fornecedores de infraestrutura para telecomunicações e instituições financeiras dá mostras de que o uso do telefone móvel como carteira – há muito vislumbrado pelo mercado – começa finalmente a deslanchar. Esse foi um dos temas mais comentados durante o Mobile World Congress, feira de telefonia móvel realizada na semana passada em Barcelona.
Os planos são ambiciosos. “No curto prazo, queremos que 10% das nossas receitas na Ásia venham de serviços financeiros e estou convencida de que vamos chegar lá”, afirmou Kristin Skogen Lund, vice-presidente-executiva da operadora norueguesa Telenor, que também tem negócios no Leste Europeu e no mercado asiático.
Não é pouca coisa. Leve-se em conta que as operadoras de telefonia móvel do mundo todo devem faturar US$ 1,1 trilhão neste ano (projeção da consultoria Wireless Intelligence). Considere-se também que há cerca de 6 bilhões de celulares no planeta e apenas 1 bilhão de contas bancárias. Fica fácil entender o interesse das empresas.
Companhias de perfis diversos se lançaram, nos últimos dias, em uma espécie de corrida do ouro para conquistar um pedaço desse mercado em ascensão.
Durante o Mobile World Congress, a operadora europeia Vodafone anunciou acordo com a Visa para permitir que seus assinantes façam pagamentos com o celular. A MTN, que atua no Oriente Médio e no Norte da África, fechou parceria para usar os serviços de carteira móvel (“m-wallet”) desenvolvidos pela Ericsson. A Isis, joint venture entre as teles americanas AT&T, Verizon e T-Mobile, firmou contrato com as instituições financeiras Chase, Capital One e Barclaycard para que seus clientes possam usar cartões de débito, crédito e pré-pagos pelo celular.
A Visa e a Intel anunciaram parceria para desenvolver, juntas, tecnologias de pagamentos móveis. A Western Union vai integrar sua rede móvel de transferência de dinheiro com os sistemas de pagamento eletrônico da Ericsson, permitindo que as teles ofereçam esse serviço a seus assinantes.
O Citibank anunciou, na feira de telefonia, que vai lançar uma operação de pagamentos móveis no México em parceria com a América Móvil. Na apresentação de Don Callahan, principal executivo de tecnologia do banco, o Brasil aparecia como um dos países para os quais a parceria será estendida. A América Móvil controla a Claro no Brasil. Procurada pelo Valor, a operadora não comentou o assunto até o fechamento desta edição.
Esses são apenas alguns dos acordos relacionados ao tema que foram divulgados durante o evento. A quantidade de anúncios deixa evidente que o interesse das companhias mudou.
Tecnologias de pagamentos e serviços bancários por meio dos celulares já existem há anos. Mas agora estão ganhando maior alcance. “Já estamos nessa área há dez anos. No Japão, já se fazem pagamentos móveis desde 2005, mas agora as condições estão mudando”, afirma Lars Arvidsson, vice-presidente mundial de vendas m-commerce da Ericsson.
As redes de telefonia móvel estão mais potentes para transmitir dados em alta velocidade. Os aparelhos estão mais sofisticados e ganharam maior capacidade de processamento de informações. Paralelamente, o surgimento de novas tecnologias impulsiona o mercado.
Dentre essas tecnologias, o grande destaque é o NFC (sigla em inglês para comunicações de curto alcance). Trata-se de um sistema de transmissão de dados sem fio que permite fazer pagamentos aproximando-se o celular de um ponto de cobrança.
O modelo já está sendo usado, por exemplo, no metrô de Nova York. Em vez de comprar um bilhete físico para usar o transporte, os passageiros entram nas estações aproximando o celular de um leitor NFC instalado nas catracas. Não é preciso inserir senha nem apertar botões.
Até hoje, boa parte dos sistemas de pagamentos móveis em funcionamento no mundo depende da validação por meio de SMS (as mensagens de texto dos celulares).
“O NFC vai ajudar muito. Já imaginou pegar um ônibus e ter de mandar um SMS e esperar a resposta para pagar o bilhete?”, questiona Isaac Nsereko, diretor de marketing da MTN em Uganda. A operadora já oferece sistemas de pagamentos móveis via SMS que são usados por 30% de sua base de assinantes.
Curiosamente, a maior parte dos serviços financeiros via celular está nos países emergentes. Nessas regiões, a dificuldade de acesso da população aos bancos e a ampla presença dos celulares acabaram levando o mercado a se desenvolver com maior rapidez.
Na MTN, os serviços financeiros já constituem um negócio importante. Representam um acréscimo, em média, de US$ 3,5 na receita mensal que cada assinante gera para a operadora.
Segundo Jean-Marie Letort, sócio da Greenwich Consulting, um levantamento com usuários de “dinheiro móvel” em diversos países mostra que pagamentos pelo celular tendem a ser mais populares que outros tipos de transações. Cada usuário faz, em média, 1,5 pagamento por mês. Nas transações bancárias, a proporção cai para 0,6.
“O que aprendemos nos últimos 18 meses é que não dá para criar um serviço genérico. Cada mercado é muito particular”, diz Andy Chong, vice-presidente e principal executivo de marketing da Axiata, operadora asiática que atua em mercados como Sri Lanka, Malásia, Indonésia e Índia. “Existem oportunidades, mas o desafio é grande.”
No Brasil, uma das barreiras a uma expansão mais rápida dos serviços financeiros é de ordem regulatória. As operadoras não podem cobrar, nas contas que mandam aos clientes, serviços que não estejam relacionados à telefonia. Ao mesmo tempo, por norma do Banco Central, somente instituições credenciadas podem prestar serviços financeiros.
O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, afirma que vai se reunir com o presidente do BC, Alexandre Tombini, no dia 13, para tratar do assunto. Para o ministro, a questão pode ser resolvida se a movimentação financeira via celular for atrelada a uma conta bancária. “Se nos entendermos com o BC, a coisa anda mais rápido”, diz.
Na avaliação de Bernardo, as operações financeiras por meio dos telefones móveis podem ser a solução para incluir no sistema financeiro a população de baixa renda que não tem acesso a bancos e os residentes em áreas remotas. Como exemplo, citou o Quênia, onde 20 milhões de correntistas já fazem movimentos bancários via celular. A repórter viajou a convite da Qualcomm
Fonte: Talita Moreira, Valor Economico