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Controle e disciplina

Dez dias após ter se sagrado campeão do mundo com a seleção brasileira de futebol, em 1994, Carlos Alberto Parreira estava na Espanha, comandando o Valência. Este é o maior arrependimento profissional do ex-técnico, de 69 anos, que guarda o recorde de ter levado seleções a seis mundiais. “Fazia 24 anos que o Brasil não ganhava uma Copa e nem fiquei aqui para desfrutar daquele momento. Fiz uma besteira, mas tudo para cumprir um compromisso assumido antes da disputa”, diz. Planejar e seguir rigorosamente uma ideia – no mundial de 2006, a demora em substituir jogadores levou torcedores brasileiros a crises de nervos – são traços tão fortes da personalidade de Parreira que não poderiam estar ausentes de sua vida financeira. Seu perfil? Nem é preciso ser bom de chute para adivinhar: conservador.

O investimento preferido de Parreira sempre foram os imóveis. É dos aluguéis que vêm os rendimentos com os quais ele conta para uma aposentadoria tranquila. “É isso que me dá sossego”, afirma. São imóveis comerciais, entre lojas e salas, todos na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, aos quais Parreira dedicou 60% do seu patrimônio. Com a parcela que não imobilizou, o ex-técnico se permite ousar, aplicando 80% no mercado acionário e 20% em empresas de capital fechado. Na bolsa, ele revela preferir as chamadas “blue chips” (ações de alta liquidez), entre elas Ambev e Itaú Unibanco. Conta ainda que os papéis da Petrobras deixaram recentemente o seu portfólio. “Está tão politizada que cansei e saí”, explica. Para minimizar os riscos, busca diversificar. “Tem consumo, siderurgia, saúde, commodities, financeiro… Se amanhã uma não der certo, a outra dá.”

Parreira estima que tenha comprado suas primeiras ações por volta de 1995. Lembra-se bem do primeiro tombo. Foi em 1998, quando havia uma crise no mercado financeiro internacional, iniciada na Rússia, e o Brasil vivia internamente um momento de incerteza política, com a disputa à presidência entre Fernando Henrique Cardoso e Lula. O ex-técnico viu seu portfólio perder 70% do valor. Ficou algum trauma? “Não, eu sabia que estava em um mercado de risco e tinha como viver sem aquilo”, conta. Ele jura que não precisou vender os ativos e “realizar” o prejuízo. Esperou os preços se recuperarem.

Curioso é que não foi a renda variável, mas o mercado imobiliário, o responsável pelo arrependimento de Parreira no universo das finanças. E justamente no primeiro investimento. Foi na década de 70, quando comprou ainda na planta uma loja em um dos primeiros shoppings projetados no Rio, próximo ao estádio do Maracanã. “Quatro anos depois, antes de entregarem, a empresa foi à falência e a obra ficou 20 anos parada”, relembra. Ele diz que a companhia que comprou o shopping fez um novo layout, com a justificativa de uma demanda do Corpo de Bombeiros, e sua loja simplesmente desapareceu. “Isso é coisa de Brasil. Eu tinha a escritura, o registro de imóveis e a loja sumiu”, comenta ele, que enfrenta até hoje uma disputa na Justiça sobre o caso.

Apesar do aborrecimento, ele não desistiu de apostar em imóveis. “A gente vai aprendendo, né? Aprendi a comprar em boa localização e com boas construtoras”, afirma. A partir de então, considera ter alcançado sucesso em 90% de suas apostas imobiliárias, sem detalhar exatamente quantas foram. “Fiz muitos outros investimentos, em uma época em que as pessoas até não recomendavam isso, porque os imóveis estavam com os preços parados, e acabou sendo bom.” Ele destaca uma sala comprada em 2005 em um edifício empresarial chamado Londres, também na Barra da Tijuca. “O preço quase quadruplicou em sete anos.”

Parreira teve muitos momentos de glória, mas diz nunca ter se deslumbrado com a fama. Os pontos altos, para ele, são as Copas do Mundo de 1970 e 1994, em que foi preparador físico e técnico da seleção brasileira campeã, respectivamente, e o Campeonato Brasileiro de 1984, que ganhou à frente do Fluminense. “Os oito anos no Kuait também foram muito especiais”, afirma o ex-técnico, que levou a seleção do país à Olimpíada de Moscou em 1980 e à Copa do Mundo de 1982. Em geral contido, Parreira emociona-se ao falar do carinho que recebe na terra que o conhece como “Carlos”. Até hoje, em suas viagens, é reconhecido pela população local.

Junto com o sucesso, veio o dinheiro. Parreira, entretanto, diz ter mantido o controle. “Eu sou uma pessoa simples, pé no chão.” Mas não há mesmo o que transforme o Parreira poupador em um gastador? “Trabalhei fora do Brasil quase 25 anos e tive contato com esse mundo do luxo. Tenho um Rolex e um Cartier, nada mais do que isso”, afirma, em referência a duas das marcas de relógio de maior prestígio internacional.

Ele tem ainda uma casa em Angra dos Reis (RJ), onde reúne a família, e um Audi A6, comprado em 1998, quando o modelo foi lançado no Brasil. “Tenho um carro mais novo, mas o Audi já é um xodó, peça de colecionador.” Pensa em ampliar a coleção? “Não”, responde rápido. “Carro é passivo e só dá despesa, não traz renda”, diz ele, repetindo o conselho que dá aos jogadores de futebol. No início da carreira, até comprar seu primeiro apartamento, Parreira passou nove anos com um fusquinha, comprado aos 24 anos

Finanças no mundo esportivo

Além de ouvir os conselhos minuciosos sobre passes e fragilidades do oponente, os jogadores de futebol que trabalharam com Parreira levavam de brinde noções de finanças. “Sempre dei conselhos, embora eles não ouçam muito a gente”, diz, conformado. “Mas tem uns três ou quatro que tenho a satisfação de terem me ouvido”, afirma, sem citar nomes. Segundo ele, colegas de profissão também o procuram. “Alguns técnicos me ligam e dizem: ‘ah, Parreira, o que eu faço’?.” É quando ele desfila suas recomendações de investimentos. “E eles se deram muito bem”, garante.

Um dos conselhos financeiros de Parreira é planejar. “Toda vez que eu comecei um trabalho do início, com perdão da redundância, planejando e estruturando, as coisas deram certo. Quando você pega no meio do caminho e fica querendo consertar aquele pau torto, dificilmente consegue”, comenta. A outra dica, principalmente para os jogadores que vão morar fora, é estar sempre em dia com o Leão. “A Receita fica muito atenta às pessoas que trabalham no exterior.” A preocupação com o Fisco soa como herança do tempo em que Parreira trabalhava na Secretaria de Finanças, cargo que deixou quando decidiu cursar educação física, para desespero da família. “Na minha época, todo mundo lutava e trabalhava para formar um filho médico, engenheiro ou advogado. Quando eu disse que ia fazer educação física, nos anos 60, foi um choque na família.”

Aposentado dos gramados, Parreira agora quer ensinar a disciplina que o ajudou a chegar à aposentadoria com tranquilidade. Ele será parceiro da corretora XP Investimentos em um braço de consultoria financeira especializado em atletas. Os jogadores têm se descontrolado diante dos salários cada vez mais polpudos? Depois de pensar um pouco, ele responde: “Eu os perdoo. Sabe por quê? Não temos educação financeira. Às vezes, eles vêm de ambientes muito humildes e de repente se veem envolvidos com milhões de reais, milhões de euros… É muito dinheiro, e o cara não sabe o que fazer com aquilo”.

No seu caso, diz Parreira, a infância também foi marcada pela simplicidade. “Nunca passamos fome, mas minha família era muito humilde, minha mãe não trabalhava e meu pai morreu muito cedo.” Para ele, no entanto, toda essa situação o ajudou a se manter centrado. “O que a gente adquiriu não quer perder”, diz, antes de refletir sobre o que é sucesso. “Para uns é carro, fama… Para outros é conseguir manter uma condição de vida, pagar as contas, educar os filhos.” No seu caso, afirma, é poder manter o padrão depois de ter trabalhado a vida toda. “Acho que isso é um grande sucesso.”

Parreira anunciou sua aposentadoria em dezembro de 2010, 43 anos depois de ter iniciado a carreira como preparador físico do clube São Cristóvão, do Rio de Janeiro, com 24 anos. A decisão veio em sua sexta Copa do Mundo, à frente da seleção da África do Sul, logo após o último jogo, contra a França. “Voltei para o hotel e falei: caramba, são 43 anos, nove copas – seis como técnico, duas como preparador físico e uma como observador da Fifa (Federação Internacional de Futebol) – eu tenho que voltar e parar”. Sente falta? “Sinto muita, mas a vida é feita de mudanças, de ciclos. Estou envolvido emocionalmente com o futebol, mas não mais ligado profissionalmente.”

Apesar de ter deixado os gramados com uma situação financeira confortável, Parreira não se acomodou. Além das transações com imóveis e da parceria com a XP, acaba de se tornar sócio de uma empresa de consultoria em comércio exterior, a Next Global. Os negócios se somam a uma participação minoritária na academia de ginástica Bodytech. “É uma maneira de ficar ligado, atento e ativo fisicamente e mentalmente.” A nova fase, entretanto, tem regras. Nada de passar mais de uma ou duas semanas fora do Rio de Janeiro. Muito menos de aceitar outro convite para ser técnico. “Acabou, porque eu não abro mais mão dos meus sábados, domingos, de ficar junto com a família e com meus quatro netinhos.”

Segundo ele, ainda não é possível projetar a paixão pelo esporte nos netos, duas meninas e dois meninos. “Eles até gostam de jogar futebol, fazem aula uma vez por semana, mas não tem jeito, essa é a geração Y, dos videogames”, diz. Ouvindo uma algazarra ao fundo, a repórter pergunta se são os netos. “Não, foram umas crianças que passaram. Vim visitar uma netinha, mas nem subi. Se eu subir, acabou, não tem entrevista.” Mais uma vez, ele prova sua disciplina.

Fonte: Valor Economico

marcos

Professor, Embaixador e Comendador MSc. Marcos Assi, CCO, CRISC, ISFS – Sócio-Diretor da MASSI Consultoria e Treinamento Ltda – especializada em Governança Corporativa, Compliance, Gestão de Riscos, Controles Internos, Mapeamento de processos, Segurança da Informação e Auditoria Interna. Empresa especializada no atendimento de Cooperativas de Crédito e habilitado pelo SESCOOP no Brasil todo para consultoria e Treinamento. Mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela PUC-SP, Bacharel em Ciências Contábeis pela FMU, com Pós-Graduação em Auditoria Interna e Perícia pela FECAP, Certified Compliance Officer – CCO pelo GAFM, Certified in Risk and Information Systems Control – CRISC pelo ISACA e Information Security Foundation – ISFS pelo EXIN.