Briga de sócios afeta mais micro e pequena empresa
As constantes viagens pessoais do sócio deixavam todo o processo de decisão nas mãos de Alexandre Cymbalista, 39. Sobrecarregado, decidiu acabar com uma sociedade firmada havia cinco anos com seu ex-chefe na agência de turismo Latitudes.
Para o lugar do sócio anterior, o executivo convidou Dedé Ramos, guia turístico da agência. “Eu tenho experiência empresarial, e ele, conhecimento prático do negócio”, destaca Cymbalista, que assegura manter a amizade com o antigo parceiro.
Discussões entre sócios são comuns no ambiente empresarial, segundo especialistas. No entanto, micro e pequenas empresas -que compõem as sociedades limitadas– são as mais afetadas por fissuras na estrutura societária.
Levantamento feito pelo Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) para a Folha aponta que de 2009 a 2010 houve alta de 2% (de 316.642 para 322.895) no total de sociedades de micro e pequeno portes no Brasil. O índice de empresas fechadas, contudo, subiu 5% -foi de 85.424 em 2009 para 89.785 em 2010.
Entre médias e grandes empresas (anônimas), a quantidade de sociedades criadas subiu 21% (de 2.017 para 2.438) no período. Mas o total de organizações desses portes fechadas caiu 65% -de 985 para 344.
O mesmo ocorre em 2011. Nos quatro primeiros meses deste ano, segundo a Jucesp (Junta Comercial do Estado de São Paulo), o total de sociedades limitadas criadas na capital paulista aumentou 5% (de 8.230 para 8.646).
O índice de baixas, porém, teve crescimento de 8% (de 2.033 para 2.192) -16 pontos percentuais acima do de organizações de grande porte.
Rompimento
A briga de sócios está entre as principais causas de fechamento das empresas, segundo José Constantino Júnior, presidente da Jucesp -perdendo para equívocos no planejamento financeiro do negócio e falta de capital.
As sociedades limitadas são mais sensíveis a discussões societárias porque as relações entre as equipes são mais próximas, diz a advogada Maria Carolina Araújo.
“Alguns micro e pequenos empresários criam negócio por necessidade financeira, o que aumenta o risco de a empresa e de a parceria não darem certo”, diz Constantino.
Conflito de interesses mina parceria
“Traído como em um casamento.” Foi esse o sentimento que o empresário Daniel Ferreira, 35, do ramo da construção civil, diz ter vivenciado quando soube, há um ano, que seu sócio majoritário e amigo de família superfaturava a compra de produtos e embolsava parte da quantia.
A decepção quase resultou no fim do negócio, conta Ferreira, que detém 35% da sociedade e entrou na Justiça em busca do rompimento. “Aprendi a formalizar todos os acordos, já que decisões faladas não são computadas em nível jurídico”, avalia ele, que tem outra companhia de construção civil em sociedade com três colegas.
Sondagem realizada pelo advogado societário Marcelo Guedes Nunes com 500 acordos proferidos em Câmaras de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo mostra que 28% das brigas entre sócios foram fundamentadas por algum dano com prova numérica, como desvio de dinheiro.
O empresário H.K., que pediu para não ser identificado, também faz parte desse índice. Dono de uma empresa de serviços em sociedade com três empresários -cada um com 25% do negócio-, teve dificuldade para lidar com um dos sócios que cobrava crescimento muito além daquele que a empresa obtinha.
Após discussões que quase levaram a empresa à falência, H.K. descobriu, há dois anos, que o sócio em questão havia aberto uma companhia concorrente para levar seus clientes e funcionários.
A notícia, afirma o empresário, veio por meio de boatos – ele já era alvo de piadas entre funcionários e parceiros. Deu então fim à empresa e foi à Justiça para não pagar os 25% do negócio a que o sócio tinha direito por contrato. Até o momento, diz, não chegaram a um consenso.
Fim da sociedade
“Mostrar que o prejuízo da empresa é vantajoso para um dos sócios é suficiente para a Justiça aprovar o fim da sociedade”, diz Marcelo Nunes, do Guedes Nunes, Oliveira e Roquim Advogados.
Dos processos movidos em razão do fim da sociedade, 46%, no entanto, duram de três a seis anos -prazo considerado alto por empresários.
Além de desvio de dinheiro e de conflito de interesses, as dissoluções de sociedade se dão por questões pessoais, dificuldades financeiras, intrigas entre sócios e disputas de ego, segundo especialistas.
Família pode intensificar guerra na empresa
Casados há oito anos, Rodrigo, 38, e Fabiana Geammal, 37, compartilham não só a vida a dois mas também a gestão de um negócio. Mas houve momentos em que separação e dissolução da sociedade pareciam iminentes.
Há quatro anos, quando o empreendedor deixou o modelo de empresa individual para abrir sociedade com a mulher, as brigas por questões profissionais somaram-se às discussões de casal.
“Cheguei a pedir divórcio porque não conseguia conciliar problemas pessoais e profissionais”, lembra o dono da Elos Cross Marketing. Para impedir que as disputas do relacionamento afetivo e as da sociedade se misturassem, o empresário afirma ter parado de falar de trabalho em casa e também do casamento na empresa.
Segundo José Carlos Ferreira, coordenador do núcleo de empresas familiares da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), discussões entre sócios da mesma família são comuns e podem trazer sérios prejuízos financeiros à organização.
“Entretanto, quando a relação é tranquila, a sociedade tende a trazer agilidade e crescimento à companhia.”
É o que considera Dora Ramos, 45, sócia da Fharos Assessoria Empresarial.
Para ganhar produtividade e novos clientes, ela abriu sociedade com o irmão. “É difícil ter afinidade com quem não conheço bem”, considera a empresária.
Conselheiro ajuda a dar fim à disputa
Em vez de recorrerem à Justiça, micro e pequenos empresários devem priorizar acordos. Com isso, poupam dinheiro gasto com honorários advocatícios e tempo destinado à presença em audiências.
Se a conversa entre os sócios não der resultado, uma opção é nomear um conselheiro para ajudar nas decisões da empresa e na resolução do conflito entre eles, recomenda o diretor financeiro da CACB (Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil), George Teixeira Pinheiro.
“No caso de os sócios não chegarem a um acordo, ele [conselheiro] dá um ponto de vista que pode resolver a situação amigavelmente.” O conciliador, reforça Pinheiro, pode ser escolhido entre funcionários de confiança dos sócios, como um gerente ou um diretor.
Além de apaziguar a disputa entre as partes, o conselheiro pode evitar o desgaste da empresa no mercado.
Para Roberta Bordini Prado, advogada societária do Gaudêncio, McNaughton e Prado Advogados, o incentivo ao acordo ocorre até mesmo em processos já em andamento no Judiciário.
“Uma simples conversa pode garantir soluções mais rápidas a um problema que parecia não ter solução.”
O diálogo foi a alternativa encontrada pelo empresário Fernando Mello, 32, da Press FC, assessoria publicitária especializada em esportes, para evitar discussões com o sócio Emerson de Souza, 28.
“Já passamos por diversos problemas financeiros e brigamos por motivos bobos, mas superamos na conversa”, pontua ele, que conheceu o sócio quando foi assistir aos jogos da Copa do Mundo de 2006, na Alemanha.
Arbitragem é opção para agilizar solução de impasses societários
De acordo com Aldo Telles, coordenador da Cbmae (Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem), o índice de conciliação em tribunais de arbitragem é mais alto que o do Judiciário.
“O maior benefício é o sigilo do processo”, explica ele.
A Fecomercio Arbitral tem parceria com o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) para tornar a arbitragem acessível a microempresários.
O desconto oferecido nas taxas de registro (de R$ 500 a R$ 5.000) e de administração (cerca de 5% do valor do processo) é de até 50%.
Projeto de Lei
O projeto de lei que permite a abertura de uma empresa de responsabilidade limitada por uma única pessoa, aprovado pelo Senado em junho deste ano, aguarda sanção da presidente Dilma Rousseff. Ela tem até a próxima terça-feira (12/7) para aprovar ou rejeitar o modelo.
O objetivo do projeto é evitar que empresários criem sociedades somente para atender a exigências jurídicas e, assim, ponham o patrimônio pessoal em risco.
Atualmente, para abrir uma empresa limitada, o empreendedor precisa ter, ao menos, um sócio.
A empresa terá a expressão Eireli (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada) em sua denominação social.
Registros Necessários
O que fazer antes da dissolução da sociedade?
– Documentar o índice de participação dos sócios
– Definir regras para a saída de um dos parceiros
– Estabelecer normas rígidas para a venda de parte do negócio a terceiros
– Criar manual de conduta, com regras para uso do caixa, por exemplo
Fonte: Patrícia Basilio, Folha de S.Paulo