Balanço de construtora deve ter ressalva
As construtoras imobiliárias já deram por encerrada a discussão sobre o método contábil de reconhecimento de receita de venda de imóveis na planta, depois de terem obtido apoio da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para continuar a registrar esse faturamento no decorrer da obra, e não apenas na entrega das chaves.
Mas, apesar do respaldo do órgão fiscalizador do mercado de capitais, elas correm sério risco de levar uma ressalva dos auditores nos seus balanços, o que pode criar a primeira incompatibilidade relevante entre os normativos contábeis brasileiros e o padrão internacional IFRS.
Os auditores não concordam com a argumentação que consta da Orientação nº 4, aprovada pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e ratificada pela CVM no fim do ano passado, disseram ao Valor pessoas que participaram da discussão.
Pelo teor do documento, aprovado por maioria no CPC após quase um ano de debates entre empresas, auditores e CVM, houve o entendimento de que, pela natureza dos contratos usados no Brasil, a maior parte das empresas locais poderia manter o sistema atual de reconhecimento da receita, que ocorre conforme o percentual de execução da obra.
As empresas querem evitar a mudança porque isso pode significar queda 43% nos lucros e de 25% no patrimônio líquido, segundo estudo do Credit Suisse.
Os auditores, entretanto, discordam da conclusão do CPC. Para eles, quem compra um apartamento na planta não assume nem o controle, nem riscos e benefícios significativos do imóvel até a entrega das chaves.
Diante disso, as principais firmas de auditoria do país estão discutindo em conjunto de que forma devem ser apresentadas as “modificações” no parecer sobre os demonstrativos financeiros das incorporadoras.
Por modificação entenda-se ressalva, parecer adverso ou abstenção de opinião. Uma ressalva no parecer significa que há um erro no balanço. As outras alternativas são ainda piores.
Uma das possibilidades é dizer que o balanço está de acordo com os padrões contábeis brasileiros, mas que não segue o IFRS. Mas há questionamento se haveria a necessidade de se fazer dois pareceres ou apenas um.
Outra dúvida que fica é o caso da empresa que preferir evitar a ressalva no balanço em IFRS e reconhecer a receita somente na entrega das chaves. Ela estaria contrariando as normas da CVM?
Procurado, o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) não confirmou as informações apuradas pelo Valor, mas afirmou que tem participado de discussões sobre o tema, também fora do país, uma vez que as dificuldades encontradas não são exclusivas do Brasil. A entidade deve fazer uma orientação técnica para os associados sobre esse assunto.
O tema entrou na agenda de discussão do Comitê de Interpretações do IFRS, órgão conhecido como Ifric que integra a estrutura do Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb, na sigla em inglês).
Segundo Amaro Gomes, membro do conselho do Iasb, as questões objetivo de discussão envolvendo a implementação do IFRS em diversos países são encaminhadas ao Ifric.
Por pedido de auditorias do Brasil, Malásia e Indonésia, o debate sobre essa questão foi incluído na agenda da próxima reunião do órgão, marcada para 10 e 11 de março.
No entanto, não está garantido que o Ifric irá mesmo se manifestar nessa data, já que a discussão pode levar mais tempo. Além disso, o prazo limite para a publicação dos balanços referentes ao exercício de 2010 é 30 de março, o que deixa pouco tempo de sobra.
Se o Ifric tiver o mesmo posicionamento das empresas, os auditores ficarão tranquilos em dizer que os balanços conferem com o IFRS. Caso contrário, esse entendimento será apresentado ao CPC e à CVM, para que eles possam avaliar se é o caso de mudar de posição.
Questionada sobre o assunto, a autarquia afirmou apenas que não há como “fazer qualquer manifestação sobre o tema ao mercado, enquanto não tiver o posicionamento oficial do Ifric e, depois, do CPC”.
O tema reconhecimento de receita é um dos que está em discussão no processo de convergência entre o IFRS e o padrão contábil americano (US Gaap). No entanto, pelo que se tem de informação até agora, o mais provável é que sistema usado nos Estados Unidos sofra mais mudanças, e não o internacional.
O que deve ocorrer no IFRS, segundo o presidente do Iasb, David Tweedie, é a reunião, em uma só nova norma, das regras que estão dispersas hoje em dois pronunciamentos e em uma interpretação.
Fonte: Fernando Torres, Valor Economico