Vácuo regulatório traz risco a bitcoin
O interesse pelo bitcoin, no Brasil e no mundo, ganhou impulso a partir de meados de 2013, quando um surto especulativo multiplicou a cotação da moeda em 60 vezes, segundo dados do Bitcoin Charts, que monitora negociações de casas de câmbio de moedas digitais em vários países.
Entretanto, as fraudes recentes e o fechamento de bolsas de negociação de moedas digitais, que fazem a intermediação de troca entre dinheiro físico e o virtual, expuseram brechas de segurança e riscos de um mercado não regulado, além de colocar na berlinda o futuro do bitcoin e de seus clones
O primeiro golpe contra a moeda foi a restrição pelo governo da China para uso e negociação das moedas digitais em dezembro de 2013. As autoridades do país asiático proibiram instituições financeiras de negociarem com bolsas de bitcoins, além de acenarem com futuras normas ainda mais limitantes. Segundo Flavio Prippas, sócio do BitInvest, casa de intermediação de troca de bitcoins por reais, embora os governos não possam controlar diretamente o uso e emissão do bitcoin e outras divisas virtuais descentralizadas, um risco do mercado é ocorrer uma regulação muito restritiva.
Mas os revezes da moeda digital não pararam na China. O bitcoin ganharia novamente o noticiário, em 25 de fevereiro, quando a maior empresa de intermediação do mundo, a japonesa MTGox, fechou as portas após a descoberta do sumiço de 750 mil bitcoins de clientes e 100 mil próprios. Segundo a bolsa asiática, hackers teriam feito sucessivos ataques que geraram um prejuízo estimado em US$ 473 milhões.
Uma semana mais tarde, em 4 de março, foi a vez da bolsa canadense Flexcoin de fechar as portas após um ataque hacker. A empresa alegou não ter como cobrir as perdas com o desvio de 896 bitcoins, que valem atualmente cerca de US$ 600 mil.
Para o advogado Renato Opice Blum, especialista em direito digital, a informalidade do mercado é o grande risco das moedas digitais, porque, sem fiscalização, abrem-se brechas de segurança e para manipulação. “A falta de regulamentação oficial, aliada à falta de rastreamento, dificulta a verificação das pessoas que estão usando esses valores e pode ser um atrativo à lavagem de dinheiro”, afirma.
O especialista acredita que a regulamentação do mercado traria mais transparência e segurança às moedas digitais. “Isso tende a acontecer, por conta das características desses meios de pagamento, pela mobilidade, facilidade de transações. Mas tudo converge para uma forma regulada de moeda digital”, afirma.
O professor de finanças do Insper, Michel Viriato, também não vê evolução do mercado sem uma regulamentação. “É difícil ter alguma coisa de valor que seja transacionada sem que haja um tipo de regulação ou um tipo de controle. Da forma como é negociada hoje é possível que não exista futuro para o bitcoin.”
Viriato alerta também para o risco de quem tem adquirido moedas digitais como investimento. “Na verdade, o bitcoin nada mais é que especulação pura. Ninguém consegue dizer que valor a moeda vai ter no futuro”, afirma. Segundo o professor de finanças, investir pressupõe que “se vislumbre um potencial de valorização concreto, como fluxo de caixa, demanda, que vai gerar um resultado no tempo”.
O Banco Central (BC) brasileiro divulgou um comunicado assinado pelos diretores de Política Monetária, Aldo Mendes, e pelo diretor de Regulação substituto e também diretor de Relações Institucionais e Cidadania, Luiz Edson Feltrim, em 19 de fevereiro, que chama a atenção para os riscos decorrentes da aquisição das chamadas “moedas virtuais” ou “moedas criptografadas”.
Na nota, o BC esclarece que o valor de conversão da moeda virtual para moedas emitidas por autoridades monetárias depende unicamente da confiança dos agentes e da expectativa de valorização futura. “Não há, portanto, nenhum mecanismo governamental que garanta o valor em moeda oficial dos instrumentos conhecidos como moedas virtuais, ficando todo o risco de sua aceitação nas mãos dos usuários”, avisa a autoridade monetária, que alerta ainda para a volatilidade do dinheiro virtual que sofre oscilação “muito grande e rápida, podendo até mesmo levar à perda total de seu valor”.
Após o fechamento da MTGox, o governo japonês deu o primeiro passo para regular o uso do bitcoin no país asiático. Documento oficial, preparado pelo ex-vice ministro de finanças Tsutomu Okubo, declarou que o bitcoin não é uma moeda e que não será regulamentado como um produto financeiro, e seria considerado como uma mercadoria.
No Brasil, o documento do BC faz distinção entre bitcoin e moedas eletrônicas, que são recursos em moeda nacional armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tampouco reconhece o bitcoin e outras moedas digitais como valores mobiliários. “Não é competência da autarquia a regulamentação de moedas. Essa é matéria que cabe ao Banco Central”, informou o órgão em comunicado.
De acordo com Blum, mesmo com o vácuo regulatório, o proprietário de bitcoins deve registrar sua carteira na declaração anual de Imposto de Renda e pagar imposto sobre a valorização, com alíquota de 15%. “A moeda virtual deve ser declarada como um bem intangível”, diz. Se não for informada, o especialista alerta que a Receita pode entender como sonegação e até mesmo lavagem de dinheiro.
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