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PanAmericano, a novela de uma fraude contábil

fraude1Na tarde de 31 de janeiro, o empresário Silvio Santos foi ao nono andar do edifício onde funciona o escritório do BTG Pactual em São Paulo, na Avenida Brigadeiro Faria Lima, e, em meio à tietagem de alguns funcionários, assinou a venda do PanAmericano para o maior banco de investimentos do país. Acabava mais um capítulo da novela da megafraude de R$ 4,3 bilhões descoberta pelo Banco Central (BC) na contabilidade do banco de Silvio Santos, que se arrastava desde o início de 2010. Para muitos analistas, as irregularidades vinham desde 2007.

Nesse meio tempo, o PanAmericano sobreviveu claudicante numa UTI contábil, apesar do patrimônio negativo. A situação era tão grave que, em dezembro de 2010, o Índice de Basileia do banco ficou negativo em 4,74%, quando o BC exige um mínimo de 11% — positivos. O Índice de Basileia é um indicador internacional que mede o quanto um banco pode emprestar em relação a seu capital.

Silvio Santos não embolsou um centavo dos R$ 450 milhões que o BTG pagou à vista pelas carteiras de financiamento do PanAmericano. Mas, ao deixar o prédio, estava bem humorado e fez graça com os jornalistas:

— A única coisa que foi vendida foi o banco. As minhas empresas que estavam como garantia foram liberadas. A televisão (o SBT) que vocês queriam comprar não está mais à venda. Eu fico muito contente que não dei prejuízo para ninguém.

Silvio usou como trunfo a ameaça à reputação da Caixa

De fato, o empresário, dono da rede de televisão SBT e de um conglomerado de 44 empresas com patrimônio avaliado em cerca de R$ 3 bilhões, tem motivos de sobra para sorrir.

Em 2004, por causa de um rombo de R$ 2,2 bilhões, o BC interveio no Banco Santos, cuja falência foi decretada, enquanto seu dono, Edemar Cid Ferreira, ficou com os bens indisponíveis. Ele foi preso duas vezes.

No caso do PanAmericano, Silvio fez jus à fama de bom negociador. Segundo executivos ligados à operação de salvamento, ele usou com habilidade o risco de quebra do banco e o trunfo de ter como sócio a Caixa Econômica Federal para sair da história com o menor prejuízo possível. O empresário perdeu o banco, mas não suas empresas. E o governo comemorou “uma solução de mercado” (sem uso de dinheiro público) que preservou a reputação da Caixa após esta ter comprado, em 2009, 49% do capital votante do PanAmericano, por R$ 739,2 milhões.

Mas o principal personagem da operação de socorro ao PanAmericano não foi nem o BC nem o BTG Pactual. Criado pelo Conselho Monetário Nacional (CNM) em 1995 para garantir os depósitos dos clientes de bancos liquidados, o Fundo Garantidor de Créditos (FGC, custeado pelos próprios bancos) roubou a cena. Em ação inédita, o FGC gastou R$ 4,3 bilhões de seu patrimônio — de R$ 28 bilhões em novembro de 2010 — para salvar o PanAmericano sem exigir nada em troca. Das principais negociações com Silvio e o BC, participaram banqueiros do porte de Luiz Carlos Trabuco e Lázaro Brandão, do Bradesco; Roberto Setúbal, do Itaú; e Fabio Barbosa, do Santander (também presidente da Federação Brasileira de Bancos, a Febraban).

— Essa não é uma operação que se faria em circunstâncias normais — admitiu o presidente do Conselho de Administração do FGC, Gabriel Jorge Ferreira.

Ele alegou que o sistema bancário estaria em risco caso o PanAmericano quebrasse, ainda que o pior da crise econômica mundial já tivesse passado e o Brasil crescesse a um ritmo de 7,5% ao ano. Outros alegaram que grandes bancos estariam carregados de carteiras de empréstimos compradas do PanAmericano e uma quebra afetaria a saúde financeira dessas instituições. Mas, em conversas reservadas, os dirigentes de grandes bancos negaram o peso do PanAmericano em seus balanços.

— É claro que haveria uma certa tensão no mercado com a quebra do banco, mas, caso acontecesse, os grandes perdedores seriam mesmo Silvio Santos e a Caixa, pela repercussão negativa do caso — diz um executivo envolvido no negócio.

O caso espanta analistas não apenas pelos recursos envolvidos, mas pelo precedente criado. Eles se perguntam: se outro banco tiver problemas contábeis, o FGC vai se empenhar da mesma forma para evitar sua quebra? Além dos R$ 4,3 bilhões usados para cobrir o rombo, o Fundo ainda comprou R$ 3,5 bilhões em créditos do PanAmericano para ajudar a recompor o patrimônio deste.

Manipulação era feita em valores pequenos

A origem dos problemas estava na prática, comum no mercado financeiro, da venda de carteiras de empréstimos entre bancos. As normas determinam que esses financiamentos sejam retirados da lista de ativos e colocados em uma conta de compensação à parte, sendo abatidos à medida que são pagos. Mas o sofisticado esquema de fraude gerenciado por um programa de computador devolvia os empréstimos vendidos à conta original, o que inflava ativos e receitas e reduzia despesas.

— Essas manipulações eram feitas mês a mês, em valores pequenos, de forma a enganar quem olhava as contas — diz um especialista com acesso aos números do banco.

Os computadores do PanAmericano processavam na época cerca de 90 milhões de prestações de financiamentos, de dois milhões de clientes, sendo a maior parte de operações inferiores a R$ 5 mil. Com isso, o banco não era obrigado a informar ao BC os CPFs dos devedores. Sem esses dados, o BC não podia ver que o financiamento de um cliente do PanAmericano aparecia na carteira de outro banco, ao qual o crédito fora vendido. O esquema era uma “obra de inteligência”, nas palavras do atual superintendente do PanAmericano, Celso Antunes da Costa.

— Os sistemas de controle interno do banco foram corrompidos de forma a produzir dados paralelos para enganar reguladores, auditores ou qualquer um que se aproximasse das demonstrações financeiras. Isso foi arquitetado pela alta administração do banco com suporte dos funcionários. Nesse típico conluio é praticamente impossível desvendar uma fraude — afirma Maurício Pires Resende, auditor da Deloitte, responsável pelos balanços do PanAmericano desde 2002 e que foi duramente criticada por não ter identificado as manipulações.

Para muitos, incluindo as autoridades que investigam o caso — a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros da Polícia Federal e o Ministério Público Federal em São Paulo —, as irregularidades teriam começado em 2007, quando o PanAmericano preparava sua operação de abertura de capital na Bolsa de Valores, coordenada por BTG Pactual (então UBS Pactual), Bradesco BBI e Itaú BBA. Na venda ao mercado de 27,9% de suas ações, foram captados R$ 679 milhões.

— O grupo ganhou 4.500 acionistas, aos quais é preciso dar satisfação. A administração foi profissionalizada e há transparência — disse em maio de 2008 o então diretor de Finanças e Relações com Investidores do banco, Wilson Roberto de Aro.

Ele e o ex-diretor-superintendente Rafael Palladino — um personal trainer que é primo da mulher de Silvio Santos, Íris Abravanel, e que assumiu o comando do PanAmericano em 2000 — são até agora os únicos citados nominalmente, de um grupo de 40 executivos e funcionários afastados por suspeita de envolvimento na fraude.

Fundo emprestou R$ 4,3 bi e pode receber R$ 450 milhões

Segundo a PF, o inquérito policial para apurar crimes financeiros inclui acusações de gestão fraudulenta, prestação falsa de informações, inserção de elementos falsos em demonstrativos contábeis, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. Somadas, as penas chegam a 37 anos de detenção. Não há registro de desfalques, e o PanAmericano não pagava bônus por desempenho aos executivos. Silvio Santos, por meio de sua holding, era o maior beneficiário dos dividendos oriundos das fraudes.

No primeiro semestre de 2010, quando aprovava a compra de metade do PanAmericano pela Caixa, o BC apertou a fiscalização sobre as carteiras de crédito do banco. As operações de venda dessas carteiras haviam se intensificado muito. Em 8 de setembro, diante de um rombo de R$ 2,5 bilhões, o diretor de Fiscalização do BC, Alvir Hoffman (que está se aposentando e será substituído por Anthero Meirelles), pediu esclarecimentos sobre o balanço de junho. Em correspondências posteriores, os dirigentes do PanAmericano admitiram “inconsistências contábeis” e pediram mais prazo.

Em 22 de setembro, Silvio Santos se reuniu com o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto para, segundo o empresário, pedir uma doação para o Teleton (programa do SBT que arrecada recursos para pessoas com problemas de saúde).

— Não (conversei com Silvio) porque não é assunto do presidente da República. O presidente não empresta dinheiro, não faz negócios com bancos e não fiscaliza bancos. Isso quem faz é o Banco Central do Brasil — disse Lula à imprensa após a revelação do rombo.

O resgate do PanAmericano começou em outubro de 2010, quando Silvio Santos assumiu o problema e se iniciaram as conversas com o Fundo Garantidor. Este emprestou R$ 2,5 bilhões ao banco, a serem pagos em dez anos, com três de carência, sem juros e corrigidos pela inflação. A garantia eram as empresas do grupo Silvio Santos. Dois meses depois, quando a Deloitte achou outro rombo de R$ 1,5 bilhão, o Fundo Garantidor decidiu que Silvio não podia manter o banco. A Caixa não queria um sócio que competisse com ela no varejo, e o BTG viu a oportunidade de entrar no crédito à classe C.

Nas negociações com o Fundo Garantidor, o BTG pediu o mesmo tratamento dado a Silvio Santos. E levou as carteiras de empréstimo do banco numa operação de financiamento até 2028, corrigida pela taxa de juros interbancária (DI). Se o Fundo quiser o valor hoje, leva R$ 450 milhões. Num país onde os bancos têm registrado lucros recordes, o que são R$ 4,3 bilhões?

Fonte: Gilberto Scofield Jr. e Ronaldo D’Ercole, Extra online

marcos

Professor, Embaixador e Comendador MSc. Marcos Assi, CCO, CRISC, ISFS – Sócio-Diretor da MASSI Consultoria e Treinamento Ltda – especializada em Governança Corporativa, Compliance, Gestão de Riscos, Controles Internos, Mapeamento de processos, Segurança da Informação e Auditoria Interna. Empresa especializada no atendimento de Cooperativas de Crédito e habilitado pelo SESCOOP no Brasil todo para consultoria e Treinamento. Mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela PUC-SP, Bacharel em Ciências Contábeis pela FMU, com Pós-Graduação em Auditoria Interna e Perícia pela FECAP, Certified Compliance Officer – CCO pelo GAFM, Certified in Risk and Information Systems Control – CRISC pelo ISACA e Information Security Foundation – ISFS pelo EXIN.