Evolução do mercado de capitais amplia perspectivas das empresas
Nos últimos oito anos, o mercado de capitais assumiu um papel de relevância inédita na história como agente financiador das companhias brasileiras. Nesse período, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) registrou 215 ofertas públicas de ações, que movimentaram um total de R$ 355 bilhões. As 128 companhias que abriram capital nesse período – a maioria no Novo Mercado da BM&FBovespa – captaram R$ 123 bilhões com venda de ações. Para os especialistas, trata-se apenas do início de um processo que deve ganhar força durante o governo da presidente eleita Dilma Rousseff.
Para os próximos cinco anos, a meta da BM&FBovespa é atrair 200 novas companhias para o mercado. A estimativa é de que, em 2011, sejam realizadas entre 40 a 60 operações de ofertas públicas de ações. O desempenho até agora parece confirmar as previsões. No mercado secundário, o volume médio diário de negócios foi multiplicado por mais de 11 vezes, saindo de R$ 558 milhões em 2002, para R$ 6,5 bilhões neste ano até 13 de dezembro. Em pontos, o Ibovespa acumulou valorização de 513%, saltando dos 11 mil pontos para a casa dos 70 mil pontos.
“O acesso ao mercado de capitais será fundamental para as empresas se diferenciarem nos próximos anos”, afirma Fernando Iunes, diretor executivo do Itaú BBA, instituição que coordena parte relevante das distribuições de ações no país. Em sua opinião esse movimento é irreversível e importante para financiar o crescimento das empresas. Marcelo Giufrida, presidente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), destaca que nos próximos anos haverá muita demanda de recursos para investimentos de infraestrutura no Brasil, algo que será puxado ainda mais pela realização da Copa do Mundo e da Olimpíada. “Os mercados financeiro e de capitais terão grande importância no atendimento dessa demanda”, afirma.
Do lado dos investidores, a expectativa é de que aumente o fluxo de recursos de estrangeiros para os mercados emergentes como o Brasil, especialmente nesse momento em que a economia dos países desenvolvidos ainda patina. Segundo Renato Ejnisman, diretor do Bradesco BBI, menos de 10% das aplicações globais em ações é feita em países emergentes, apesar de eles responderem por cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. ” Já houve uma mudança, com o forte direcionamento de capital para países como Brasil e China, e isso deve continuar por um bom tempo”, afirma.
Uma análise em retrospectiva explica o renascimento do mercado de capitais brasileiro, a partir de uma conjunção de fatores – macroeconômicos, regulatórios e microeconômicos. A forte atividade entre o fim da década de 1970 e início de 1980 deveu-se em grande parte aos incentivos tributários. Desta vez, no campo macro, a conquista da estabilidade da moeda pós-Plano Real foi fundamental para que se criasse um horizonte de longo prazo tanto para as empresas como para investidores. A falta de confiança sobre o futuro inviabilizava o planejamento e os investimentos.
Uma das mudanças significativas na área regulatória foi a reforma da Lei das S.A. em 2001, que trouxe proteção aos acionistas minoritários, em especial aos preferencialistas, que passaram a ter o direito de indicar um nome para o Conselho de Administração. Houve também a volta do direito de venda conjunta das ações pelos minoritários (tag along) em caso de venda de controle, que tinha sido extinta na época das privatizações no governo Fernando Henrique..
Um ano antes, em 2000, nasceu o Novo Mercado da Bovespa, com regras mais exigentes de transparência e governança corporativa, oferecendo garantia de tag along de 100% em caso de venda de controle e não permitindo a venda de ações sem direito a voto. A partir de 2004, 73% das aberturas de capital foram feitas nesse segmento.
Ao final do governo de Fernando Henrique Cardoso, em 2002, foi finalmente extinta a cobrança de CPMF sobre as operações em bolsa – imposta anos antes pelo mesmo governo. Já durante o mandato do presidente Luis Inácio Lula da Silva, em 2004, houve a redução no Imposto de Renda sobre ganho de capital para aplicação em renda variável de 20% para 15%. As vendas mensais de ações em valor conjunto abaixo de R$ 20 mil ganharam isenção de Imposto de Renda.
Durante todo esse período, a CVM também ampliou a fiscalização sobre os agentes de mercado. O órgão regulador editou normas aumentando a transparência tanto nas divulgações normais das empresas como naquelas obrigatórias em períodos de ofertas públicas de ações. Mais recentemente, a CVM aumentou a quantidade e melhorou a qualidade das informações que as empresas precisam divulgar aos investidores, com a criação do Formulário de Referência.
O Brasil vai consolidar em 2010 a migração do padrão de contabilidade para o modelo internacional IFRS, usado em mais de 120 países, que facilitará a comparação de resultados de empresas brasileiras com seus pares no exterior.
A abertura de capital e a consequente captação de recursos acabou se tornando catalisadoras de um processo de consolidação de diversos segmentos da economia. As companhias perceberam que precisavam se modernizar e investir para crescer e se tornar mais competitivas em seus mercados. A rede de laboratórios Diagnósticos da América (Dasa), a sucroalcooleira Cosan, a empresa de alimentos JBS e a companhia do setor de bens de consumo Hypermarcas são exemplos evidentes desse movimento.
Diante da experiência positiva vivida por essas e outras companhias, mais empresários brasileiros passaram a enxergar na bolsa uma oportunidade de crescimento dos negócios, uma importante opção para monetização da riqueza, ou uma solução de problemas de sucessão em empresas de controle familiar.
Olhando o potencial de crescimento do mercado de capitais brasileiro nesse contexto, Fabio Alperowitch, sócio da gestora Fama Investimentos, destaca o fato de que o Brasil possui apenas 470 empresas listadas em bolsa, enquanto Rússia, Índia e China, que completam a sigla Bric, têm 1,2 mil, 3,6 mil e 1,7 mil, respectivamente. A existência de poucas companhias abertas no país, para ele revela o potencial do Brasil, já que as previsões apontam que o país terá alguns anos de forte crescimento do consumo.
Alperowitch toma por base o que aconteceu nos Estados Unidos. No setor de transporte aéreo de passageiros, por exemplo, o Brasil encontra-se hoje no mesmo patamar observado naquele país na década de 1950. Quando se olha a quantidade de automóveis, linhas telefônicas e domicílios com TV, a comparação pode ser feita com a década de 1960 nos EUA.
Na área de infraestrutura, Alperowitch também vê espaço para crescimento. Com base em dados do Banco Mundial, ele diz que o Brasil está em último lugar entre os países do Bric no que se refere à densidade de rodovias, hidrovias, ferrovias e dutovias.
Para o sócio da Fama, o resultado obtido pela fórmula que combina o atraso do Brasil em termos de consumo e de infraestrutura com o apetite dos investidores por papéis de empresas do país é positivo. “Este é apenas o começo” da expansão do mercado de capitais brasileiro.
Fonte: Fernando Torres, Valor Economico