CVM deve exigir ‘ficha limpa’ de gestor de recursos
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pode se tornar mais rígida na concessão de registros para administração de carteiras, com uma espécie de “ficha limpa” dos gestores de investimentos.
A expectativa é que a autarquia aprove em breve uma revisão da instrução nº 306, que exigirá que não apenas o diretor-responsável pelas gestoras tenha reputação ilibada – ou seja, um passado sem processos judiciais ou administrativos – como todos os seus sócios.
A discussão vem à tona em um momento em que cerca de 200 investidores entraram com ação judicial contra o banco Cruzeiro do Sul, e sua gestora, a Verax, por quebra de dever fiduciário nos fundos de “private equity” da empresa. A gestora era controlada por Luis Octavio Indio da Costa até um mês antes de o Banco Central decretar intervenção no Cruzeiro do Sul. Até agora, a CVM não suspendeu o registro de administrador de recursos da Verax.
Segundo a regra atual da CVM, para receber registro de administração de carteira é necessário que a pessoa física ou o diretor-responsável da pessoa jurídica tenha reputação ilibada, curso superior e experiência de três anos como gestor de recursos de terceiros ou de cinco anos no mercado de valores mobiliários.
A autarquia já vem barrando registros de pessoas ou empresas que não atendem a esses requisitos. Em 2011, de um total de 452 pedidos de registro para administração de carteira feitos à CVM, incluindo pessoas físicas e jurídicas, 81 foram negados. Este ano, até o início de novembro, houve 398 pedidos, dos quais 77 foram indeferidos. Dois registros nos últimos dois anos foram rejeitados por ausência de reputação ilibada.
A intenção da autarquia de exigir “ficha limpa” de todos os sócios da gestora foi criticada por alguns advogados. Para Eduardo Herszkowicz, sócio do Souza Cescon, a minuta que entrou em audiência pública no fim do ano passado pode inviabilizar gestoras de grande porte no Brasil, que contam com vários acionistas. “Seria melhor se essa exigência fosse feita apenas ao diretor e aos controladores da empresa, não a todos os sócios”, sugeriu.
Mas há quem defenda a iniciativa. Silvia Fittipaldi, sócia do escritório Levy Salomão, acredita que essa demanda não será uma dificuldade para seus clientes. “A CVM precisa zelar pela saúde do mercado”, disse.
Pelo fato de envolver outras questões polêmicas, como a abertura de informações estratégicas das próprias gestoras, a revisão da instrução nº 306 está levando mais tempo para ser editada. O texto recebeu 27 críticas e sugestões do mercado em audiência pública realizada no início deste ano.
Atualmente, a tendência das decisões do colegiado da CVM, segundo advogados, tem sido rejeitar os pedidos de pessoas e empresas que sejam alvo de processos administrativos ou judiciais, mesmo em casos em que as sentenças já foram revertidas em instâncias superiores ou ainda estão pendentes de recursos.
A regra da CVM, porém, não especifica o que a autarquia entende como reputação ilibada. Na opinião de Carlos Augusto Junqueira, sócio do escritório Souza Cescon, esse conceito jurídico é subjetivo e mudou após a aprovação da lei da Ficha Limpa. “Há dez anos, reputação ilibada era quando alguém tinha processo transitado em julgado nas costas. Hoje, basta ser alvo de processo que já se considera ausência de reputação ilibada”, disse.
O advogado especializado em mercado financeiro Nelson Eizirik entende que não existe um conceito preciso do que seja reputação ilibada. “Tenho visto alguns casos, no Banco Central, em que recusam o registro porque alguém foi condenado na CVM ou no próprio BC, mas está com recurso pendente”, disse.
A CVM não divulga os nomes das pessoas ou empresas que tiveram seus pedidos de registro rejeitados. No entanto, pelo site da autarquia é possível verificar situações em que o requerente entrou com recurso. Foi o caso de José Inácio Cortellazzi Franco, acusado de envolvimento em fraude no banco Fonte Cindam, e que teve seu recurso rejeitado este ano pelo colegiado da CVM.
Outro caso emblemático foi o de Arthur Joaquim de Carvalho, sócio de Daniel Dantas no Opportunity. O executivo teve seu pedido negado em 2009 por já ter sido acusado em processo sancionador, e seu recurso foi indeferido no ano seguinte.
A autarquia tem sido suficientemente rígida na opinião de Flávio Leoni Siqueira, do escritório Leoni Siqueira Advogados, que ajuda clientes a apresentar os pedidos de registro à CVM.
Segundo ele, a principal dificuldade dos profissionais interessados em administrar carteiras é conseguir provar a experiência na área, muitas vezes não formalizada. “Com a aprovação da nova instrução os critérios para a concessão de registro serão mais objetivos”, declarou.
Além da exigência de reputação ilibada para todos os sócios, a revisão da instrução nº 306 também prevê a substituição da demonstração de experiência por um certificado, renovável periodicamente, que poderá ser emitido pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Na opinião de Bernardo Carneiro, advogado do escritório Xavier Bragança, a regra anterior de administração de carteiras, de 1999, já estava defasada. “A indústria de fundos é bem regulada e faz sentido que a administração de carteira também seja”, enfatizou.
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